José Ferreira Gomes
Universidade do
Porto
Secretário de Estado
com a tutela do Ensino Superior no XIX e no XX governos
In Público, 17 de agosto de 2016
Os TeSP, cursos de ensino
superior de dois anos conducentes ao diploma de Técnico Superior Profissional,
foram criados em 2014, após mais de um ano de preparação, para serem lecionados
nos institutos politécnicos em parceria com empresas e outras organizações
empregadoras com o objetivo de aproximar o ensino superior do mundo do trabalho
e responder à necessidade de quadros intermédios. Este novo formato de ensino
superior veio servir três tipos principais de público estudantil: (1) aos que
terminam o ensino secundário por qualquer das vias existentes, um percurso
rápido de entrada na vida ativa com competências muito focadas nas necessidades
de quadros intermédios na sua região; (2) aos que terminam o ensino secundário
por uma via profissionalizante e que teriam, em geral, dificuldade para ser
admitidos numa licenciatura e prosseguir aí com sucesso, um percurso de
aprofundamento da sua área profissional ; (3) aos adultos,
já detentores ou não de um diploma de ensino superior, um percurso rápido de
reorientação profissional com uma requalificação bem ajustada às melhores
práticas numa profissão relevante na sua região.
Estes cursos não foram
criados para efeitos estatísticos. O objetivo nacional de atingir os 40% de diplomados
pelo ensino superior na faixa etária de 30-34 anos em 2020 poderá ser atingido
sem esta alteração legislativa. Ao contrário dos cursos pós-secundários
anteriormente existentes, estes cursos de ensino superior serão contabilizados como
tal por serem aceites para este efeito pela OCDE e pelo Eurostat e levarão de
facto a taxa de diplomados para além dos 40%. A alteração legislativa que o Governo
agora propõe não terá qualquer impacto na avaliação internacional destes cursos
e dos seus diplomados. A alteração do Decreto-Lei n.º 74/2006 para incluir no
seu articulado a regulamentação dos TeSP é uma opção de legística muito
respeitável mas sem efeitos práticos.
Se a iniciativa do Governo
não tem qualquer efeito prático na contagem de diplomados de ensino superior,
que efeitos terá na outra área de justificação que é apresentada, a facilitação
da transição para licenciatura? Exige-se aqui grande prudência para evitar o
desprestígio do ensino superior na opinião pública e nos empregadores. Casos
mediáticos surgidos nos últimos anos já causaram danos suficientes para que não
enveredemos por um caminho de facilitismo “para efeitos estatísticos” que só
aparentemente trará vantagens aos estudantes.
Todo o percurso educativo
deve manter uma grande diversidade de ofertas, que é necessária para servir as
características diferentes dos estudantes e para criar a ampla gama de
competências necessárias a uma sociedade desenvolvida e muito competitiva
nacional e internacionalmente. A tendência para o caminho único no ensino
básico e secundário é a grande responsável do nosso atraso com um abandono
precoce, que só recentemente começou a baixar para a norma europeia. No ensino
superior atrasámo-nos muito na introdução dos cursos de TeSP que têm uma
fortíssima tradição e prestígio em Espanha e França, para não procurar exemplos
mais longe. Tendo já mais de 40% dos nossos jovens (de 20 anos) a frequentar o
ensino superior, é urgente oferecer e prestigiar esta via mais próxima da vida
profissional e das necessidades do mercado de trabalho das regiões.
A continuação de estudos e a
mudança de percurso educativo devem ser oferecidas como opção a todos os
estudantes. Em Portugal, as escolas secundárias e as instituições de ensino
superior ainda não fazem o suficiente para apoiar os estudantes na formulação
das suas escolhas e na preparação para o seu sucesso subsequente. É necessário
reforçar o apoio para a transição entre as vias profissionalizantes e as de
continuação de estudos e vice-versa; as universidades e os institutos
politécnicos também têm de reforçar o apoio dado aos seus estudantes na escolha
e mudança de curso. Não chega publicar leis a declarar as mudanças autorizadas.
É necessário que os estudantes tenham condições de sucesso e, para isso, é
frequentemente exigido apoio adicional antes e depois da mudança. Esta
realidade, que já existe e se tornará mais frequente, não deve ser causa de
insucesso nem de abaixamento dos objetivos de cada curso.
A transição entre os cursos
de TeSP e as licenciaturas e a admissão de um diplomado TeSP em licenciatura estão
já previstas e em termos bastante flexíveis por dependerem da avaliação e da
decisão local da instituição. É natural que, para cursos com objetivos
diferentes e que em geral recebem estudantes com percursos e experiências
anteriores muito diferentes, se verifique o potencial de sucesso do estudante
oferecendo-lhe o apoio adicional necessário. Se não houver estes cuidados
arriscamos o insucesso com a sequela da frustração que é a pior consequência
possível para o estudante. Em alternativa ao insucesso, poderemos correr o
risco de transformar a licenciatura num TeSP um pouco mais longo mas,
provavelmente, sem maior utilidade para o estudante a para a sociedade. Tal
como já acontece noutros países, a empregabilidade dos diplomados TeSP será
semelhante ou melhor do que a dos licenciados. Depois de estabilizados os TeSP,
poderá ser ponderado o impacto de serem criados percursos especiais de
transferência do TeSP para uma licenciatura (ao estilo americano), mas isso é
algo bem diferente do que está hoje em discussão.
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