José Ferreira Gomes, In Público 1 de junho de 2016
Todos os países desenvolvidos
fazem esforços para aumentar a relevância do seu ensino básico, secundário e
superior. O desemprego jovem que aflige a generalidade das sociedades
desenvolvidas cria uma enorme pressão para que se apoie a transição entre a escola
e a vida ativa. Em Portugal, depois de um esforço iniciado há pouco, vamos novamente
experimentar outro caminho. Afastamos novamente os jovens do contacto com os desafios
e a vivência de um posto de trabalho e prometemos reforçar o apoio escolar apenas
dentro da sala de aula!
Apesar dos notáveis
progressos conseguidos nos últimos anos, Portugal tem ainda um abandono escolar
precoce elevado. Os progressos conseguidos devem-se às escolas que tão bem têm
vindo, progressivamente, a melhorar a experiência educativa dos seus alunos. As
escolas têm certamente de continuar e ir mais longe no apoio a todos os alunos
e, em especial aos que tenham dificuldades ou que queiram ajustar o seu
percurso ao longo do básico e do secundário. Mas o que o Ministro da Educação
promete, agora, é outra coisa bem diferente, é uma cortina de fumo para ofuscar
a discussão do regresso do ensino obrigatório à via única que tão maus
resultados deu no passado. Podemos admitir que a intenção é muito nobre mas a
ignorância das suas consequências, já tão bem conhecidas, é indesculpável. É
ignorar um passado de quase meio século de esforços para levar todos os alunos
mais longe no seu percurso educativo!
Todos conhecemos o atraso da escolarização dos portugueses. Ao fim de 42 anos de democracia, nem todas as culpas podem ser assacadas à história. É verdade que Fontes Pereira de Melo deu prioridade absoluta aos “melhoramentos materiais” esquecendo totalmente a educação. É verdade que a Primeira República não teve dinheiro para levar por diante todas as boas intenções que apregoou. É verdade que o Estado Novo acertou as contas públicas à custa de uma fortíssima contenção em todos os sectores do estado, incluindo a educação. É verdade que até à chegada de Veiga Simão, no governo de Marcelo Caetano, o ensino obrigatório se limitava a 4 anos e que as nossas cidades, vilas e aldeias ainda estavam marcadas pelos dois surtos construtivos de escolas primárias, o primeiro devido ao legado do Conde de Ferreira (1866) e o segundo para a celebração nacionalista dos centenários (1940). Apesar do grande investimento feito nas últimas décadas, o abandono escolar precoce manteve-se teimosamente alto. Entre 1992 e 2002 não houve ganhos significativos com o abandono escolar precoce que a manter-se entre os 45% e os 50%. Depois disso surgiram finalmente resultados com uma queda ao ritmo de 9% ao ano.
É verdade que não temos cá a sociedade
e a escola finlandesa, mas temos, sem dúvida, muitos professores excelentes na
sua dedicação à profissão docente. Não deve estar aqui, na falta de dedicação,
a causa do nosso atraso. Apesar do grande investimento feito no último meio
século para acolher os 9 anos (agora 12 anos) de escolaridade obrigatória,
muitos edifícios pediam já insistentemente uma renovação que só recentemente
foi quase completada mas ninguém pensa que seja esta a causa do mau desempenho.
Com uma despesa nacional a 4,5% do PIB, bastante acima da média da OCDE (e dos 3%
em Espanha), também não pode ser assacado à falta de recursos o mau desempenho
do sistema de ensino básico e secundário. Resta-nos procurar a explicação em
erros de política educativa ou de organização do sistema educativo.
Passos Manuel, no preâmbulo
do decreto de 1836 de criação do ensino liceal, fala no primeiro
protesto oficial contra a instrução secundária exclusivamente clássica e
formal. A realidade não cumpriu este desígnio com um
ensino liceal a tender para uma via muito académica sempre focada na
continuação de estudos. Num esforço para evitar a segregação social no percurso
educativo, as escolas técnicas foram extintas em 1974 optando-se por um
percurso escolar único. Apesar de sucessivamente criticado por muitos ministros
da educação, e apesar do grande contributo que as escolas profissionais (na sua
maioria de iniciativa privada) iniciaram em 1988, só 30 anos mais tarde foram
criados nas escolas secundárias cursos tecnológicos e cursos profissionais como
alternativa aos cursos científico-humanísticos, estes vocacionados
exclusivamente para o prosseguimento de estudos. Esta inovação legislativa de
2004 introduziu uma alteração profunda na vida das escolas e nas expectativas
dos alunos. Os efeitos no abandono escolar começaram a ser visíveis apesar da
dificuldade em manter a motivação e evitar o abandono dos alunos dos cursos
profissionais. Ao alargar a escolaridade obrigatória até aos 18 anos foi
preciso ir mais longe na diversificação da resposta. Os cursos vocacionais
demonstraram já o seu potencial para atenuar o abandono e levar mais jovens a
terminar o ensino obrigatório com um diploma reconhecido no mercado de
trabalho.
Segundo as estatísticas mais recentes
(2013-14), 34% dos alunos do ensino secundário seguem as vias profissionalizantes
e mais de 11% seguem percursos alternativos, designadamente, cursos de aprendizagem,
educação e formação e vocacionais. No terceiro ciclo do ensino básico, temos
cerca de 10% em percursos alternativos ao ensino geral. Estas opções são menos
significativas no primeiro e no segundo ciclo. Para baixarmos o abandono temos
de continuar a melhorar a oferta no segundo e terceiro ciclos onde se perdem
hoje muitos alunos (ainda que menos do que há uns anos atrás) que não encontram
resposta adequada no ambiente oferecido pela escola. Melhorar significa acolher
a realidade dos alunos que procuram cada escola e levá-los tão longe quanto
possível na satisfação da sua ambição e na estruturação de uma personalidade
bem integrada na sociedade. Em muitos casos, a escola e cada professor terão de
encontrar um espaço de diálogo eficaz para a construção de um percurso pessoal para
cada estudante. São estes percursos pessoais que levam todos ao sucesso!
Os cursos vocacionais têm em
2015-16 cerca de 28 000 alunos e oferecem mais uma proposta a muitos estudantes
que na iniciação a uma atividade profissional encontram o seu espaço de
realização pessoal. Os alunos são muito diversos na sua personalidade e na sua
ambição e objetivos. A escola tem de saber dar a melhor resposta a essa
diversidade. Não há certamente um modelo único que possa satisfazer todos os
jovens.
É bem conhecido o problema da
escola no acompanhamento das escolhas dos seus alunos e a necessidade de um
grande esforço para que essas escolhas não sejam influenciadas negativamente
por preconceitos dos agentes escolares. Mais ainda, todas as escolhas devem
poder ser revistas pelo aluno quando ele queira pôr o esforço adicional
possivelmente necessário para retomar outro percurso. Este apoio à reconstrução
dos percursos educativos é da responsabilidade da escola que tem de saber lidar
com as incertezas da adolescência e estimular cada estudante a encontrar o seu
percurso de sucesso pessoal. São precisos os meios e a organização local da
escola para a construção destas respostas. O apoio adicional aos alunos não é,
nem se pode colocar como uma alternativa à proposta de cursos vocacionais para
os alunos que reconheçam ser esta a sua melhor opção.
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