sexta-feira, 21 de julho de 2017

Contratação de bolseiros


O Presidente da República promulgou em 7 de julho o Decreto da Assembleia da República (decreto 112/XIII de 12 de junho de 2017) sobre a contratação de doutorados. Teria de o fazer. Esta alteração do decreto-lei nº 57/2016 tinha sido aprovada na Assembleia da República em 24 de maio apenas com a abstenção do PSD e do CDS. Depois de um longo caminho de mês e meio pelos corredores do poder, não poderíamos esperar outro desfecho. No seu comentário, o Presidente da República abre o véu quanto à demora.
Apesar de poder envolver um acréscimo de custos para as instituições académicas públicas nos próximos anos – que o Estado dificilmente não terá de assumir como despesa sua –, de poder implicar eventuais questões com docentes já em funções, de criar problemas de gestão de contratações futuras para a investigação e a docência e de apresentar pontos insuficientemente desenvolvidos – como o da progressão nas carreiras –, atendendo a que o presente diploma visa reparar uma flagrante situação de injustiça – qual seja a da precariedade de muitos bolseiros doutorados que desempenham funções em instituições públicas, que deveriam corresponder a um estatuto contratual estável – e de que se trata de um regime excecional e portanto irrepetível, o Presidente da República promulgou...
Que a situação era insustentável, não tenho dúvida.
É o resultado do acumular de tensões de 20 anos de rápido crescimento da formação de doutorados sempre desviados do que deveria ser o seu destino principal no tecido económico e social. Sucessivos governos foram mantendo todos os doutorados que não conseguiam melhor e mais permanente ocupação com bolsas de pós-doutoramento numa sucessão interminável.
Que ninguém tenho votado contra, não é surpreendente. O Governo e o PS garantem que a FCT pagará sem explicar que outros programas serão cancelados ou adiados sine die. Nem poderia explicar porque não contabilizou os custos nem seria capaz de o fazer. Só para a forma inicial de decreto-lei fora elaborada uma lista nominativa nesse esforço de contabilização. Mas decisões unânimes não significa que sejam amadas por todos.
Que esta solução aparente é a pior de todas também não deve haver dúvida. As justificações do Presidente da República dão disso sinal suficientemente claro. Que há um acréscimo de custos e que este acréscimo não está contabilizado (e muito menos orçamentado). Que o seu custo virá a pesar no orçamento das instituições sem garantia de cobertura em sede de orçamento de estado. Que pode implicar questões, leia-se injustiças, com docentes já em funções não haverá dúvidas porque foram apontadas ao longo dos últimos meses. Que podem criar problemas de gestão de contratações futuras para a investigação e a docência, também ninguém tem dúvidas e os reitores foram muito claros. Que apresenta pontos insuficientemente desenvolvidos... Que significa esta objeção, para além de sinalizar a péssima legística, a litigância que ela convida e a sua incompatibilidade com uma carreira de investigação?
Que se trata de um regime excecional e, portanto, irrepetível é fácil de dizer, mas ninguém acreditará. Não acreditam os atuais bolseiros que já tinham encontrado um lugar no setor não académico e agora recuaram para o conforto de um emprego que parece perpétuo e sem grandes exigências. Não vão querer acreditar os novos doutorados que vão certamente esperar que uma nova geringonça apareça nos próximos 20 anos e lhes “resolva o problema”. É pena porque pode ser mesmo irrepetível, tal é a dimensão dos problemas que vai criar. Portugal tem já um sistema de investigação distorcido com excesso de pessoal no setor académico e extrema falta no incipiente setor empresarial e nas instituições de apoio às empresas. Esta lei dá um sinal profundamente errado aqueles que começavam a planear o seu futuro fora do setor académico. E temos de lembrar que esse é o destino principal dos doutorados nos países com que gostamos de nos comparar.
As universidades objetaram a esta lei porque sabem que vão ficar com os seus quadros de pessoal distorcidos e vão ter problemas futuros de sustentabilidade. Mais grave, sabem que vão ter de pagar salários a pessoal que escapa largamente à sua gestão. Ao longo de 40 anos, resistiram a contratar pessoal de investigação por não terem um enquadramento funcional com objetivos claros e financiamento. Agora vão ter o pessoal, vão ter os custos, mas não vão ter um modelo de financiamento e de gestão que o rentabilize.
Compreensivelmente, os atuais bolseiros congratulam-se com uma estabilização da sua posição, pelo menos na aparência. Para muitos, é injusto saberem que vão entrar num contrato mais estável através da ilegalidade de um concurso público “com fotografia”. Só aqueles poucos que sabem que só esse artifício lhes dá o passaporte para uma reforma garantida o poderão aceitar sem remorsos.
O país precisava de desenvolver a sua capacidade de criar valor com os investigadores formados nos últimos anos para garantir a sustentabilidade futura do sistema científico dentro e fora da esfera académica. Já hoje a preocupação com o chamado emprego científico está a deixar investigadores sem dinheiro para fazer a investigação e renovar os equipamentos de que precisam. No futuro, esta situação vai-se agravar e vai isolar o sistema científico académico das necessidades da sociedade. Mas não haverá crise na maioria parlamentar! O desgoverno alimentará as crises longe de São Bento!

José Ferreira Gomes

Secretário de Estado do Ensino Superior e da Ciência no XX Governo
IN:  Jornal Público, 21 de julho de 2017

quinta-feira, 20 de julho de 2017

“Há uma desconformidade entre a nossa ciência e a nossa economia”


“Há uma desconformidade entre a nossa ciência e a nossa economia”
O alerta foi lançado pelo economista Daniel Bessa, na sessão de abertura do IV Encontro Internacional da Casa das Ciências, que decorreu na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa com a participação de cerca de 900 professores.
Daniel Bessa é perentório: “Temos que levar a nossa economia a tirar maior partido desta ciência que temos”. País moderadamente inovador, situando-se na vizinhança da Espanha e da Itália, Portugal pontua acima da média no número de doutorados abaixo dos 35 anos, mas figura muito abaixo da média no financiamento. “Há gente a mais a trabalhar com meios a menos”, vinca, explicando que neste “clima de ternura”, contratam-se as pessoas, mas sem meios para lhes dar.
O resultado é uma valente desconformidade. “Um doutorado que vai ganhar 700 euros parece um esforço excessivo para tão pouco resultado…”, salienta o antigo ministro da Economia, acrescentando: “Se não estamos mal em condições e recursos, mas estamos nos resultados, que raio, afinal, se passa pelo caminho?!”, questionou-se, para de seguida apontar o caminho: “Eu virar-me-ia para os processos. O campo de ação está nos processos; a nível macro nas políticas públicas, a nível micro nas práticas empresariais de cada um individualmente.”
Na sessão de abertura pontificaram Isabel Alçada, ex-ministra da Educação, José Martinho Simões, diretor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e José Ferreira Gomes, coordenador da Casa das Ciências, que destacou a componente de partilha do encontro, cujo objetivo “é enriquecer e melhorar o ensino das ciências nas nossas escolas e, neste sentido, melhor preparar os jovens para as necessidades do futuro”.
Isabel Alçada, membro do Conselho Consultivo do EDULOG, o think tank da Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, que a Casa das Ciências recentemente integrou, destacou o papel da investigação e do conhecimento e a importância do EDULOG, que trabalha no sentido de ir buscar à ciência os dados que apoiem a decisão em matérias de educação.

Almerinda Romeira  11 Jul 2017 In Jornal Económico,