O Presidente da República promulgou em 7 de julho o Decreto
da Assembleia da República (decreto 112/XIII de 12 de junho de 2017) sobre a
contratação de doutorados. Teria de o fazer. Esta alteração do decreto-lei nº
57/2016 tinha sido aprovada na Assembleia da República em 24 de maio apenas com
a abstenção do PSD e do CDS. Depois de um longo caminho de mês e meio pelos
corredores do poder, não poderíamos esperar outro desfecho. No seu comentário,
o Presidente da República abre o véu quanto à demora.
Apesar
de poder envolver um acréscimo de custos para as instituições académicas
públicas nos próximos anos – que o Estado dificilmente não terá de assumir como
despesa sua –, de poder implicar eventuais questões com docentes já em funções,
de criar problemas de gestão de contratações futuras para a investigação e a
docência e de apresentar pontos insuficientemente desenvolvidos – como o da
progressão nas carreiras –, atendendo a que o presente diploma visa reparar uma
flagrante situação de injustiça – qual seja a da precariedade de muitos
bolseiros doutorados que desempenham funções em instituições públicas, que
deveriam corresponder a um estatuto contratual estável – e de que se trata de
um regime excecional e portanto irrepetível, o Presidente da República
promulgou...
Que
a situação era insustentável, não tenho dúvida.
É
o resultado do acumular de tensões de 20 anos de rápido crescimento da formação
de doutorados sempre desviados do que deveria ser o seu destino principal no
tecido económico e social. Sucessivos governos foram mantendo todos os
doutorados que não conseguiam melhor e mais permanente ocupação com bolsas de
pós-doutoramento numa sucessão interminável.
Que
ninguém tenho votado contra, não é surpreendente. O Governo e o PS garantem que
a FCT pagará sem explicar que outros programas serão cancelados ou
adiados sine die. Nem poderia explicar porque não contabilizou os
custos nem seria capaz de o fazer. Só para a forma inicial de decreto-lei fora
elaborada uma lista nominativa nesse esforço de contabilização. Mas decisões
unânimes não significa que sejam amadas por todos.
Que
esta solução aparente é a pior de todas também não deve haver dúvida. As
justificações do Presidente da República dão disso sinal suficientemente claro.
Que há um acréscimo de custos e que
este acréscimo não está contabilizado (e muito menos orçamentado). Que o seu
custo virá a pesar no orçamento das
instituições sem garantia de cobertura em sede de orçamento de estado. Que
pode implicar questões, leia-se
injustiças, com docentes já em funções
não haverá dúvidas porque foram apontadas ao longo dos últimos meses. Que podem
criar problemas de gestão de contratações
futuras para a investigação e a docência, também ninguém tem dúvidas e os
reitores foram muito claros. Que apresenta
pontos insuficientemente desenvolvidos... Que significa esta objeção, para
além de sinalizar a péssima legística, a litigância que ela convida e a sua
incompatibilidade com uma carreira de investigação?
Que
se trata de um regime excecional e, portanto, irrepetível é
fácil de dizer, mas ninguém acreditará. Não acreditam os atuais bolseiros que
já tinham encontrado um lugar no setor não académico e agora recuaram para o conforto
de um emprego que parece perpétuo e sem grandes exigências. Não vão querer
acreditar os novos doutorados que vão certamente esperar que uma nova
geringonça apareça nos próximos 20 anos e lhes “resolva o problema”. É pena
porque pode ser mesmo irrepetível, tal é a dimensão dos problemas que vai
criar. Portugal tem já um sistema de investigação distorcido com excesso de
pessoal no setor académico e extrema falta no incipiente setor empresarial e
nas instituições de apoio às empresas. Esta lei dá um sinal profundamente
errado aqueles que começavam a planear o seu futuro fora do setor académico. E
temos de lembrar que esse é o destino principal dos doutorados nos países com
que gostamos de nos comparar.
As
universidades objetaram a esta lei porque sabem que vão ficar com os seus
quadros de pessoal distorcidos e vão ter problemas futuros de sustentabilidade.
Mais grave, sabem que vão ter de pagar salários a pessoal que escapa largamente
à sua gestão. Ao longo de 40 anos, resistiram a contratar pessoal de investigação
por não terem um enquadramento funcional com objetivos claros e financiamento.
Agora vão ter o pessoal, vão ter os custos, mas não vão ter um modelo de
financiamento e de gestão que o rentabilize.
Compreensivelmente,
os atuais bolseiros congratulam-se com uma estabilização da sua posição, pelo
menos na aparência. Para muitos, é injusto saberem que vão entrar num contrato
mais estável através da ilegalidade de um concurso público “com fotografia”. Só
aqueles poucos que sabem que só esse artifício lhes dá o passaporte para uma
reforma garantida o poderão aceitar sem remorsos.
O
país precisava de desenvolver a sua capacidade de criar valor com os
investigadores formados nos últimos anos para garantir a sustentabilidade
futura do sistema científico dentro e fora da esfera académica. Já hoje a
preocupação com o chamado emprego científico está a deixar investigadores sem
dinheiro para fazer a investigação e renovar os equipamentos de que precisam.
No futuro, esta situação vai-se agravar e vai isolar o sistema científico
académico das necessidades da sociedade. Mas não haverá crise na maioria
parlamentar! O desgoverno alimentará as crises longe de São Bento!
José Ferreira Gomes
Secretário de
Estado do Ensino Superior e da Ciência no XX Governo
IN: Jornal Público, 21 de julho de 2017
IN: Jornal Público, 21 de julho de 2017
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