quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Alargar o acesso ao Ensino Superior



Alguns apontamentos sobre o imperativo de alargarmos o acesso ao Ensino Superior em Portugal

1.    É obrigação do sistema educativo oferecer a cada jovem as condições para
·      Realizar plenamente o seu potencial e
·      Satisfazer a sua ambição.
2.    Este desiderato exige políticas públicas que induzam uma transformação do sistema educativo de molde a que
·      As dificuldades individuais sejam antecipadas e apoios sejam oferecidos a cada jovem em qualquer estágio do seu percurso educativo e
·      Sejam oferecidos percursos alternativos adaptados ao potencial e à ambição (ou à opção) de cada jovem.
3.    Temos de atenuar a iniquidade do nosso sistema que se manifesta ao longo de todo o percurso (embora seja politicamente assinalado mais no superior, demasiado tarde). Este problema não se resolve impondo a igualdade no percurso e no progresso de todos os alunos! A iniquidade está associada a fatores extrínsecos ao aluno, principalmente ligados ao ambiente familiar que pode ser medido por parâmetros económicos e educacionais. Não podendo ser totalmente anulada na escola, pode ser atenuada enriquecendo a experiência dos alunos no espaço escolar e oferecendo apoio reforçado aos alunos em maior risco. A melhor rentabilização dos recursos docentes e não docentes disponíveis nas escolas passa, não por reduzir o número de alunos por turma, mas por (i) oferecer apoios adicionais aos alunos em risco e (ii) envolver todos os alunos em atividades enriquecedoras da sua experiência (compensando as carências de alguns). Em resumo, as escolas devem ser incentivadas a
·      Enriquecer a experiência educativa de todos os alunos (desde o pré-escolar) e
·      Oferecer apoios reforçados aos alunos em risco, isto
·      Sem limitar a liberdade dos alunos (e das famílias) de escolherem os percursos educativos que julguem mais convenientes.
4.    O ensino superior terá de ser incentivado a participar neste esforço para atenuar a iniquidade do sistema educativo com áreas de intervenção da mesma natureza das propostas para o não superior. Dá-se por adquirido que a Ação Social seja suficiente para atenuar fortemente o risco de abandono dos economicamente mais frágeis.
5.    O ensino superior português tem hoje capacidade para oferecer uma oportunidade a todos os jovens com potencial de sucesso num percurso de qualidade, mas a regulação tem de incentivar boas práticas que garantam a qualidade de todos os percursos oferecidos. [Há sinais de risco sério em algumas áreas de algumas instituições públicas e privadas e isso tem sido assinalado por responsáveis oficiais. Estes riscos resultam do forte incentivo ainda sentido pelas instituições para continuarem uma expansão em todas as suas áreas, para além da criação de novas áreas de oferta educativa.]
·      O crescimento da percentagem de jovens (na coorte de cerca de 18 anos de idade) que completam a via científico-humanística do ensino secundário e se apresentam ao concurso nacional de acesso garante o crescimento da participação a bom ritmo, mesmo sem inovação regulamentar.
·      A opção por TeSP (cursos de Técnico Superior Profissional) tem crescido, mas poderá assumir maior relevância quando finalmente houver uma oferta pública razoável em Lisboa e Porto.
·      A elevada percentagem de jovens graduados que tem emigrado nos últimos anos, mesmo numa situação de baixo desemprego pode sinalizar um desajuste entre a oferta educativa superior (e as opções dos jovens) e a nossa realidade socioeconómica.
·      Esta é a razão principal para não termos atingido a taxa de 40% de qualificados com o ensino superior na faixa dos 30-34 anos. A outra razão é o atraso na oferta de TeSP. [A emigração de jovens qualificados é igual em percentagem da população à dos jovens não qualificados traduzindo-se num brain gain dos países do centro e norte da Europa, mas numa perda para Portugal.]
6.    Face à evolução do nosso ensino superior neste século (depois da brusca expansão na década de 1985-95), podemos registar as seguintes orientações estratégicas:
·      Continuar a incentivar o aumento da participação, mas o esforço principal deve ser orientado para o alargamento com medidas dirigidas ao ensino não superior e também no ensino superior e melhorando a equidade no sistema de acesso;
·      Consolidar a qualidade de toda as propostas de ensino superior no sentido de preparar melhor os jovens para a entrada na vida ativa;
·      Repensar uma oferta dirigida aos ativos com o objetivo de especialização ou da reorientação (profissional);
·      Repensar a oferta educativa atual (de ensino superior) no sentido de atenuar o risco de frustração das expectativas dos jovens diplomados.

Notas:
a)    Interessa distinguir os conceitos de alargar o acesso e aumentar o acesso ao ensino superior. Fala-se de alargar quando nos referimos a ampliar a base de recrutamento, reforçando, especialmente, a presença dos grupos sociais mais desfavorecidos. Este objetivo contrapõe-se ao simples aumento quantitativo do número de estudantes que acedem ao ensino superior. No alargamento, está a supor-se que não são rebaixados os padrões académicos, embora se possa procurar avaliar o potencial dos candidatos e não apenas o seu desempenho no momento do acesso. É sabido que candidatos oriundos de grupos sociais educacional ou economicamente mais desfavorecidos tendem a ter menor desempenho no momento do acesso embora posam vir a melhorar o seu desempenho ao longo do ciclo de estudos no ensino superior.
b)    Por equidade entendemos que todos os jovens tenham as mesmas oportunidades de progredir e fazer escolhas no seu percurso educativo, independentemente dos fatores que não lhes são próprios como o ambiente social e familiar ou a fragilidade económica ou educacional das famílias. Muito diferente é a igualdade que impõe a todos o mesmo percurso e um progresso ao mesmo ritmo, independentemente da capacidade ou do esforço individual.
c)    Para discutir o alargamento do acesso ao ensino superior não podemos deixar de discutir a organização de todo o sistema educativo não superior porque a sorte dos jovens, especialmente dos mais desfavorecidos, depende muito do que acontece nesses escalões iniciais do percurso educativo.
d)    Quando se defende o enriquecimento da experiência educativa do aluno ao longo de todo o seu percurso não superior, sabemos que estamos a pedir um grande esforço à escola e que outros parceiros deverão ser chamados a colaborar. Numa discussão de políticas públicas da educação, devemos centrar-nos no que a escola pode fazer.
e)     A experiência educativa dos nossos estudantes do ensino superior é reconhecidamente muito pobre. A maioria dos estudantes cumpre os programas de trabalho curricular, mas envolve-se pouco noutras atividades científicas, culturais, artísticas que seriam muito úteis para o desenvolvimento integral da personalidade e para o reforço das chamadas soft skills.
f)     A definição de uma oferta educativa (superior) relevante é um problema demasiado complexo para poder ser objeto de alguma determinação administrativa, mas o simples funcionamento do mercado tem problemas graves devido à assimetria de informação disponível aquando das grandes opções dos jovens estudantes. Os organismos de regulação poderão ter um papel mais ativo no fornecimento de informação sobre a realidade atual e sobre os estudos prospetivos existentes.

g)    A emigração de diplomados com o ensino superior mantém-se bastante elevada, mesmo numa conjuntura de baixo desemprego. A taxa de emigração jovem é semelhante para os diplomados e para as não qualificados! Esta realidade poderá sinalizar um desajuste grave entre a oferta educativa (ou as opções dos jovens) e a nossa realidade social e de emprego. Esta elevada taxa de emigração de diplomados e uma imigração preferencialmente de pessoas com baixas qualificações é uma causa determinante de o objetivo de 40% de diplomados na faixa dos 30-34 anos em 2020.



Comentário na apresentação do livro Conhecimento e Inovação: Em prol de uma estratégia para o futuro, Maria da Graça Carvalho e Maria do Céu Patrão Neves, com a colaboração de Sebastião Feyo de Azevedo, José Ferreira Gomes, Gonçalo Carriço e Pedro Barbosa, Grupo Europeu do PSD, janeiro 2020.
Lisboa, 8 de janeiro de 2020