sábado, 30 de dezembro de 2023

O Ensino Superior e o Desenvolvimento (o livro, FFMS)

Portugal está a perder «muitos dos seus melhores»
O país está a perder «muitos dos seus melhores» estudantes para a emigração e não apenas após a licenciatura. Já há muitos jovens a sair de Portugal quando acabam o secundário, alerta José Ferreira Gomes, reitor da Universidade da Maia. «Só um maior crescimento económico poderá inverter esta tendência, mas o país não parece ter acordado para esta realidade», defende nesta entrevista, o autor do novo livro «Ensino Superior e Desenvolvimento».
Quais são os grandes desafios que enfrenta o sistema universitário nacional?
Estando nós a caminho de ter 60% da coorte jovem a chegar ao ensino superior, o desafio é servir bem esta população e o país. Para isso, é necessário garantir uma grande diversidade de formas e de objetivos, sempre de alta qualidade. Esta qualidade deve ser avaliada por servir bem os objetivos dos jovens que o procuram. Para alguns, isso significa uma maior ambição académica. Para outros uma iniciação profissional pós-secundária, mais diferenciada que o ensino obrigatório.
As cotas de acesso ao superior para grupos mais carenciados da sociedade – que o Governo quer começar a testar já este ano - vão de facto garantir uma maior igualdade no acesso à educação?
A experiência proposta para este ano é realista, mas precisa de ser acompanhada no sentido de evitar oportunismo de alguns grupos e de verificar que a cota beneficiada corresponde a jovens com potencial que vão desenvolver no superior. Deve dizer-se que o ensino superior não é capaz de compensar as falhas do ensino básico e secundário ao abandonar muitos jovens menos motivados para a vida escolar e sem meios para pagar as explicações (muitas vezes com professores do ensino estatal). É preciso atacar o problema no acesso e acompanhar estes estudantes depois de entrarem nos cursos de sua escolha para decidir se a cota agora arbitrada é demasiado baixa ou demasiado alta). É também preciso que as escolas básicas e secundárias façam melhor o seu trabalho.
Com mais de 50% dos jovens a passar pelos bancos das instituições superiores, temos de nos preocupar muito mais com o seu espaço no mercado de trabalho, porque o custo social do desajuste seria enorme e está já à vista de todos.
O atual conceito de universidade, que procura responder às necessidades de desenvolvimento do país, começou com a revolução industrial. As universidades devem continuar a cumprir essa função, adaptando a sua oferta às necessidades do mercado?
O ensino superior sempre esteve focado no «mercado» porque era essa a preocupação das famílias, mesmo quando os estudantes pareciam desinteressados do seu futuro. Desde a idade média que as universidades formavam quadros para a administração eclesiástica e do estado, com uma Medicina em formato de profissão liberal. A recreação das universidades no século XIX, alarga o âmbito para dar atenção às ciências num ideal de busca do conhecimento puro, mas os graduados continuaram a preocupar-se com o seu espaço no mercado de trabalho. Hoje, com mais de 50% dos jovens a passar pelos bancos das instituições superiores, temos de nos preocupar muito mais com o seu espaço no mercado de trabalho, porque o custo social do desajuste seria enorme e está já à vista de todos.
As universidades nacionais continuam a ter uma baixa notoriedade nos principais rankings internacionais. O atual sistema de financiamento é em parte responsável por estes resultados? O que deve mudar?
O financiamento das universidades e institutos politécnicos estatais é quase exclusivamente histórico. Qualquer alteração vai dar ganhadores e perdedores e será muito duro para estes porque a despesa é essencialmente salarial e qualquer corte permanente exige o redimensionamento da instituição.
Um financiamento histórico não cria estímulos para a melhoria nem dá orientações para o desenvolvimento das instituições. Não dá estímulos para ensinar melhor nem para investigar mais! Da qualidade das aprendizagens não temos nenhuma medida direta, mas apenas perceções genéricas e sempre otimistas. Da quantidade da investigação académica temos dados e estamos na banda superior em número de investigadores nas universidades e em número de artigos publicados. Infelizmente, a notoriedade depende do impacto académico desses artigos e do seu impacto social e económico e nestes indicadores não saímos muito bem. Sim, temos de mudar o sistema de financiamento das instituições de ensino superior, clarificando bem as suas diferentes missões e reformar o sistema científico.
O financiamento das universidades e institutos politécnicos estatais é quase exclusivamente histórico. E isso não cria estímulos para a melhoria nem dá orientações para o desenvolvimento das instituições.
Faz sentido, que continuem a existir numerus clausus em cursos onde há carências de profissionais – como é o caso da medicina, que garante recursos valiosos num país em acelerado envelhecimento?
A Medicina não se ensina só em sala de aula. Se as salas de aula podem hoje crescer porque temos pessoal qualificado para a docência, a formação hospitalar depende da capacidade de acolhimento das estruturas hospitalares e de saúde extra-hospitalar. Esta capacidade nunca foi avaliada e por isso é hoje o principal espaço de conflito. O número de médicos que se formam anualmente não é baixo em comparação internacional, mas temos de nos precaver para um provável incremento da emigração face a uma situação económica que se tem degradado tornando cada vez mais difícil pagar salários competitivos aos médicos (como a outros profissionais com acesso ao mercado internacional).
Como podemos reter em Portugal os melhores alunos, garantindo assim que o investimento na sua formação serve o desenvolvimento do país?
Estão hoje a sair alguns dos melhores alunos logo no fim do secundário. Depois de completar a licenciatura, o mestrado ou o doutoramento, saem os mais ambiciosos, aqueles que estão dispostos a correr maiores riscos. O país perde muitos dos seus melhores. Só um maior crescimento económico poderá inverter esta tendência, mas o país não parece ter acordado para esta realidade. É mais compensador politicamente acudir às dificuldades imediatas do que investir para aumentar a riqueza futura. Sem isso aumentará a pobreza e a necessidade de lhe acudir.
A capacidade das nossas empresas para absorver o conhecimento produzido nas universidades é limitado (…). Esta transferência direta depende das grandes empresas e, em Portugal há poucas e são mal vistas.
A associação das universidades à indústria e às empresas pode ser uma solução para uma maior inovação e retenção de talento?
Sim, é desejável uma maior proximidade entre as universidades e as empresas. Os institutos politécnicos, se se mantiver a decisão política de terem uma missão diferente, terão também um papel importante, mas distinto. O primeiro meio para esta interação e para o benefício das empresas é pela absorção dos graduados que ali são empregados para desenvolverem todo o seu potencial. A capacidade das nossas empresas para absorver o conhecimento produzido nas universidades é limitado, mas os doutorados que entrem numa empresa têm de ir preparados para ali criarem valor que justifique a sua remuneração. Em todo o mundo, esta transferência direta depende das grandes empresas e, em Portugal, há poucas e são mal vistas. Mais recentemente, há a esperança de que as start up de natureza tecnológica poderão absorver doutorados e temos já experiências interessantes. Resta assegurar que essas empresas, quando bem-sucedidas, se mantenham com emprego em Portugal e há sinais de que isso é difícil.
Que impacto podem ter as universidades no desenvolvimento do país e das regiões, sobretudo para o interior do país?
O ensino superior não é capaz, só por si, de desenvolver as regiões em perda demográfica. É verdade que consegue fixar lá população e dinamizar a economia pela despesa desses residentes, ainda que temporários, mas isso representa um esforço, uma despesa do Estado ao financiar as instituições e das famílias que deslocam para ali os seus jovens estudantes. E a garantia de que estes se fixem nessas regiões é escassa se, em paralelo, não forem lançadas políticas de atração de empregadores. Temos poucos exemplos bem-sucedidos e demasiado limitados. Há um quarto de século que as instituições de ensino superior do arco «interior» de Viana do Castelo a Faro, assim como as fixadas nas regiões autónomas, dependem do sistema de números clausus que força estudantes de Lisboa, do Porto e do Minho a procurarem essas alternativas. O problema está bem identificado, mas não houve nenhuma política consequente e eficaz na criação de emprego nessas regiões.
José Ferreira Gomes, reitor da Universidade da Maia e ex-secretário de Estado do Ensino Superior e da Ciência. Autor do livro «Ensino Superior e Desenvolvimento», ISBN: 978-989-9153-17-2, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, Abril 2023 (https://ffms.pt/pt-pt/atualmentes/portugal-esta-perder-muitos-dos-seus-melhores)

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

O Ensino Superior e o Desenvolvimento (Anuário da Economia Portuguesa 2023)

É difícil falar de educação em 2023. No dia 12 de março de 2020, o Governo determinou o encerramento das escolas e, desde então, dificilmente poderemos encontrar uma semana de calmaria na vida escolar. Era um encerramento por quatro semanas para ultrapassar os riscos de propagação dos 78 casos positivos de COVID-19 então identificados em Portugal. E vamos agora entrar no quinto ano de intranquilidade. Para os mais jovens, as consequências são mais gravosas, ainda que menos visíveis no imediato (especialmente quando os estudos oficiais nos pretendem mostrar efeitos positivos!) O processo educativo dos jovens, desde o pré-escolar até à licenciatura acompanha o desenvolvimento físico (cerebral) e a formação da personalidade e não é substituível por intervenções tardias. No ensino básico e secundário tivemos um dos maiores períodos de encerramento das escolas e um “discreto” programa de recuperação posterior. Tudo isto agravado por uma instabilidade laboral que se mantém. Depois de alguns anos de instabilidade dos processos educativos por razões ideológicas, passamos pela COVID-19 e entramos da instabilidade laboral. Todos as crianças e jovens são afetadas, mas as consequências são ainda mais graves quando as famílias têm mais dificuldade em dar um acompanhamento que atenue as falhas da escola (ou capacidade para pagar uma escola privada).
No ensino superior o impacto da COVID-19 é menor, ainda que também seja notório e se mantenham algumas sequelas. Depois de um crescimento firme ao longo de todo o século XX e de um impulso final por volta de 1985, temos hoje um sistema de ensino superior maduro com uma participação jovem análoga, ou até superior, à dos nossos parceiros europeus e com uma qualidade que parece muito razoável segundo os poucos indicadores comparativos que podemos usar. Temos um sistema científico demasiado centrado no ambiente académico, mas que se desenvolveu nos últimos 40 anos para se tornar comparável ao de alguns dos nossos parceiros segundo os indicadores mais simples. Apesar desta visão otimista dada por alguns indicadores quantitativos, há uma grande frustração pelo baixo impacto na economia e pelo desalento dos jovens mais qualificados que, em grande número, procuram o seu futuro no estrangeiro, com grave dano social e económico para a nossa sociedade.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou recentemente um livrinho do autor com o título “Ensino Superior e Desenvolvimento” (ISBN: 978-989-9153-17-2) onde se descreve a evolução do nosso sistema de ensino superior e de ciência tomando uma perspetiva de comparação internacional. Interessa compreender alguns fatores diferenciadores que merecem atenção com vista à consolidação da qualidade, terminada que está a fase de recuperação do atraso histórico.
A divergência do nosso sistema educativo pode datar-se de 1759, quando a expulsão da Companhia de Jesus encerrou todos os seus colégios (e, no ensino superior, a Universidade de Évora e o Colégio de Jesus na Universidade de Coimbra), fechando as portas a cerca de 20 000 alunos que interromperam subitamente os seus estudos porque, na maioria dos casos, não havia qualquer alternativa. Note-se que só na década de 1930 se atingiu o número de alunos do ensino básico e secundário que tínhamos no século XVIII, agora com uma população tripla da de então. Se no ensino básico o Marquês demorou 12 anos a criar uma rede estatal de escolas, ainda que bastante limitada e mal implantada, na Universidade de Coimbra assumiu uma firme vontade de modernização com novos programas e a contratação de professores italianos. Infelizmente, este esforço inicial veio a terminar com o encerramento da Universidade aquando das guerras napoleónicas e, depois, da guerra civil. Acresce que as receitas da universidade bem estabelecidas ao estilo do Ancien Régime desapareceram com as expropriações feitas pelos liberais vitoriosos, ficando a Universidade dependente de um orçamento do estado, quase sempre em dificuldades. A Regeneração do século XIX interessou-se apenas pelos “melhoramentos materiais” que se focaram numa rede de caminhos de ferro construídos a crédito internacional que levou à crise financeira de 1891 (e ao ocaso do regime constitucional monárquico.) Uma primeira república com mais vontade retórica do que meios financeiros e um Estado Novo com resultados lentos, apesar do desinteresse retórico, alimentaram um atraso histórico que ainda não está totalmente recuperado do lado do ensino profissional. De facto, só nas últimas duas décadas se procurou reduzir o abandono escolar precoce com o reforço das vias profissionais e duais (de estudo e iniciação ao trabalho), mas há ainda alguma reserva à presença da escola estatal nestas áreas e a continuação da via profissional no ensino superior (com o diploma de TeSP, Técnico Superior Profissional) não foi ainda plenamente aceite por uma certa esquerda. No ensino superior, a plena diversificação dos percursos oferecidos com total transparência para estudantes, famílias e empregadores é crucial para um sistema a que já chegam mais de 50% dos jovens. Contudo as forças contrárias invocam questões de dignidade e prestígio para evitar esta clarificação.
A publicação do RJIES, Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, representou um avanço importante de tentativa de abertura das universidades e dos institutos politécnicos estatais à influência da sociedade. Essa tentativa nunca funcionou plenamente com um órgão de topo, o Conselho Geral, com poderes efetivos muito aquém do proposto e demasiado dependente das corporações internas de docentes e discentes. Não é certo que a revisão em estudo reforce agora este percurso de abertura porque o entendimento da autonomia académica como quase independência tem ainda muita força e leva a continuados conflitos latentes entre as instituições e os governos desde a sua instituição legal em 1988.
A capacidade científica do país cresceu muito desde que os fundos europeus começaram a fluir na década de 1980 e chegamos hoje a ultrapassar alguns países mais desenvolvidos se usarmos um indicador simples como o número de publicações por milhão de habitantes. Segundo a contagem de publicações citáveis do “Scimago Country Rank”, Portugal ficou em 2022 (consultado em setembro de 2023) em 7º lugar na União Europeia com 3,2 publicações por mil habitantes, acima do Reino Unido (3,0), da Espanha (2,3) e até dos Estados Unidos (1,8). Esta realidade é muito encorajadora pelo nosso progresso, mas, ao mesmo tempo, sugere a necessidade de uma reflexão séria sobre as nossas prioridades na comparação com países de maior reconhecimento científico e maior impacto dessa atividade na economia.
O nosso sistema científico evoluiu a partir das bases lançadas no início da década de 1990, mas continua muito limitado ao ambiente académico e é gerido pela entidade financiadora, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, sem qualquer articulação com as lideranças das universidades e institutos politécnicos. Esta opção é hoje difícil de justificar, como é difícil de encontrar outros países com a mesma opção. Nunca foi verdadeiramente estimulada a transição dos doutorados para o ambiente empresarial ou de outras organizações não académicas e a sua presença fora do ambiente de formação inicial continua muito diminuta e pouco relevante para a economia.
Os doutoramentos em ambiente empresarial são antigos, mas sempre pouco numerosos pela dificuldade em encontrar empresas com espaços de investigação apropriados e pelo fechamento da academia. A recente decisão de chegar quase imediatamente a 50% dos doutoramentos em ambiente não académico comporta riscos sérios, embora possa finalmente abrir um espaço de trabalho aos futuros graduados e evidenciar que têm competências para a criação de valor para a organização. Será exigido um esforço da FCT e da A3ES para que não sejam apenas satisfeitas as condições formais, mas que haja um envolvimento sério do orientador universitário com o responsável do lado externo e que o trabalho de dissertação dê um contributo real para o conhecimento da humanidade e não seja apenas mais um trabalhador sem custos salariais imediatos (e mais uma linha no currículo do orientador). E sabemos que nem a entidade financiadora nem a avaliadora têm experiência neste escrutínio.
Campus Universitário da Maia, 7 de setembro de 2023

sábado, 14 de outubro de 2023

O Ensino Superior e o Desenvolvimento (Jornal Económico)

Um dos nossos maiores exportadores de vinhos tem hoje como ”gestor de Investigação e desenvolvimento” uma doutorada em ciências biológicas com uma pós graduação em enologia. Há vinte anos, essa mesma empresa tinha como enólogo chefe uma pessoa que apenas tinha feito um curso prático em enologia. Foi a realidade anterior que projetou esta empresa da sua base local para o espaço multinacional de produção e vendas, mas a competição atual terá exigido o recrutamento de alguém com outra qualificação formal e são estas novas competências que lhe permitem circular no ambiente internacional de desenvolvimento de novas estratégias para a vinha e o vinho e assim progredir na fronteira do conhecimento. Infelizmente são ainda poucas as empresas portuguesas com capacidade para fazerem esta transição, apesar da enorme expansão da qualificação dos mais jovens.
Depois de um crescimento lento, mas firme, ao longo de todo o século XX, o impulso dado a partir de 1980 permitiu que Portugal ultrapassasse alguns dos nossos parceiros europeus mais próximos no número de licenciados jovens. Nos anos mais recentes, os requisitos de acesso ao ensino superior têm sido ajustados de modo a atenuar o impacto da queda demográfica na vida das instituições. Também na ciência, a chegada dos fundos europeus veio alimentar a pequena, mas já bem consolidade base de doutorados no estrangeiro que formavam o esqueleto da universidades. São estes últimos 40 anos de crescimento da comunidade científica no âmbito das universidades que nos permitiu ultrapassar alguns dos nossos parceiros europeus mais bem estabelecidos no número de publicações científicas por milhão de habitantes. Se nos focarmos neste indicador, temos uma história de sucesso do ensino superior que nos interessa compreender no quadro mais alargado da Europa e da América do Norte. É este o tema do livro “Ensino Superior e Desenvolvimento” recentemente editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (ISBN: 978-989-9153-17-2).
No pós segunda guerra mundial, os Estados Unidos iniciaram uma rápida massificção do ensino superior. De facto, o impulso foi dado ainda antes do fim da guerra com a intenção de acolher e oferecer um percurso de profissionalização civil aos soldados desmobilizados. A esta preocupação de compensação pelo tempo passado no esforço de guerra, juntou-se a teoria do capital humano desenvolvida na década de 1950 pela escola de Chicago. A Europa acordou um pouco depois para esta estatégia de qualificação da população, em especial com o estudo inglês (Robbins Report, 1963) que preparou a grande expansão do sistema universitário com a criação de uma série de novas universidades dispersas pelo território. Ao mesmo tempo que preparavam a explosão no acesso ao ensino superior, os Estados Unidos também analisavam o valor da ciência para o esforço de guerra e justificavam o esforço federal para a expansão desse esforço no pós-guerra (Vannever Bush, Science the Endeless Frontier, 1945). A Europa seguiu no encalço deste novo reconhecimento do valor da ciência para a guerra e também para a paz, para melhorar o bem estar da humanidade.
Portugal conseguira manter a sua neutralidade, mas hesitou demasiado tempo a associar-se ao processo de reconstrução de uma Europa destruída pela guerra. Em meados da década de 1950, reconheceu finalmente a necessidade de mudar de rumo optando por uma modernização ainda que muito tímida. Assim começou o plano de aproveitamentos hidroelétricos que permitiu generalizar a todo o país o acesso à eletricidade e alimentar algumas novas indústrias. Pela mesma época, Portugal abriu a sua economia com a adesão à EFTA (European Free Trade Association) o que teve um impacto muito positivo no crescimento económico. Foram anos de bom crescimento, mas insuficiente para criar emprego para os muitos jovens que abandonavam a economia de subsistência do meio rural. São estes jovens que vêm a emigração como única via de satisfazer as suas expectativas, apesar da dureza da experiência para a maioria que saía “a salto”. A nível educativo, Portugal arrastava o enorme atraso acumulado desde a segunda metade do século XVIII. Os 4 anos de educação básica só foram generalizados em finais dos anos de 1950 e mantinha-se um apertado filtro social e económico na continuação do percurso educativo para além deste patamar. O primeiro grande impulso de modernização do sistema educativo foi planeado e começado a executar pelo ministro Veiga Simão já no ocaso do Estado Novo. Por esta altura, a fração dos jovens que chegavam à universidade era semelhante à fração dos que hoje terminam o doutoramento, cerca de 2%.
Temos hoje um sistema educativo e um sistema científico bem desenvolvidos, tendo anulado os enormes atrasos acumulados. Os indicadores quantitativos estão alinhados ou superam os de alguns paises europeus com economias mais fortes. Os problemas de hoje estão na sobrequalificação de muitos jovens que novamente optam pela emigração por não encontrarem entre nós condições para satifazer as suas expectativas de vida. A nível coletivo, não é ainda claro que se esteja a obter o desejado retorno económico do forte investimento feito no último meio século. Estarão estas dificuldades relacionadas com especificidades do modelo de crescimento que adotamos? O livro “Ensino Superior e Desenvolvimento” passa em revista o nosso sistema de ensino superior, visto de uma perspetiva internacional para apontar algumas caraterísticas peculiares que deviam merecer atenção.
A fração da população jovem que hoje chega ao ensino superior excede já a de alguns países europeus nossos vizinhos. As decisões políticas que o permitiram são estimuladas pela busca de crescimento das universidades e institutos politécnicos e faz-se facilitando o acesso de jovens que anteriormente não atingiam os padrões escolares de acesso a licenciatura. Este crecimento estatístico não correspondo a um esforço adicional de aprendizagem e tem resistido a fazer-se por novas vias mais profissionalizantes como acontece em Espanha, França e nos países de tradição germânica. Mantém-se uma enorme dificuldade em aceitar de forma transparente a diferenciação do deseho curricular e dos objetivos dos vários percursos de ensino superior.
A profissionalização dos docentes universitários foi promovida com o Estatuto de Carreira Docente de 1979 que fixou a maioria dos docentes em dedicação exclusiva à universidade, dando tempo e estímulos à expansão da investigação. Pouco depois, a chegada dos fundos europeus permitiu o crescimento da Ciência (quase exclusivamente dentro do perímetro das universidades e, mais recentemente, com a associação das universidades privadas e dos institutos politécnicos). Infelizmente, a estratégia que foi inovadora e muito eficaz nos inícios da década de 1990 manteve-se imutável desde então, podendo estar hoje a bloquear uma forte reorientação para a excelência internacional e a inovação empresarial.
O modelo de governo das instituições estatais de ensino superior foi fixado em 1976 (recuperando da instabilidade revolucionária) e foi modernizado em 2007. Esta reforma mais recente foi no sentido de tentar responsabilizar mais as lideranças por uma gestão estratégica, mas ficou muito limitada pela permanência dos interesses imediatos das corporações internas de docentes e de estudantes. Haverá hoje condições para melhorar este modelo, reforçando a autonomia de governo sem aspirar a uma autarquia (ou independência) que irá necessariamente convidar os governos à limitação da autonomia por mecanismos menos transparentes?
Todos reconhecem que um sistema educativo de qualidade é uma precondição para o crescimento económico e social, mas é mais difícil estabelecer o que significa e como deve ser medida a “qualidade” que não é só a qualidade formal da organização como tem sido entendido pelo sistema europeu de avaliação e de acreditação. Seria mais difícil, mas a qualidade deveria ser avaliada pela sua relevância para a vida dos jovens estudantes e para o sucesso da comunidade. Apesar das dificuldades, valeria a pena fazer algum esforço para usar esta perspetiva que poderia aproximar-se mais das expectativas dos estudantes e das famílias e atenuar o enorme desequilíbrio resultante dos movimentos migratórios a que assistimos impotentes.
Campus Universitário da Maia, 7 de setembro de 2023

terça-feira, 19 de setembro de 2023

FCT no limite da viabilidade

A FCT anunciou em 13 de setembro um adiamento por 2 meses do início do processo de avaliação das suas unidades de investigação, podendo causar alguma estranheza por ser algo que vinha sendo preparado há muitos meses ou anos. A justificação deste adiamento é bastante enigmática, mas o facto não é imprevisto, permitindo adivinhar um forte estrangulamento no funcionamento da instituição de que depende toda a nossa investigação científica.
A Fundação para a Ciência e a Tecnologia nasceu em 1997, herdando as funções de agência estatal de financiamento da investigação, mas perdendo a responsabilidade que a sua antecessora tivera no planeamento. Já em 1992, fora extinto o INIC, Instituto Nacional de Investigação Científica que ensaiara o caminho das grandes instituições de investigação dos nossos vizinhos espanhóis, franceses ou italianos. Um comentário mais extenso pode encontrar-se em “Ensino Superior e Desenvolvimento” recentemente editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (ISBN: 978-989-9153-17-2). E esta história interessa porque explica como um modelo de gestão da investigação bastante sui generis foi evoluindo até chegar a algo quase impossível de gerir. E poderá argumentar-se que, apesar de ser a linha de vida de toda a investigação no ensino superior, é hoje bastante disfuncional, causando danos significativos ao desenvolvimento do ensino superior, da ciência e do país.
Com o progressivo crescimento das funções atribuídas à FCT, a avaliação das suas unidades de investigação manteve um modelo impressionista muito frágil e foi progressivamente ganhando uma relevância para todo o sistema de ensino superior que o torna hoje politicamente insustentável. Digo impressionista, porque um grupo com centenas de investigadores produz um relatório impossível de analisar sem indicadores objetivos (ainda que sempre discutíveis) e a visita do painel não permite mais do que perceber a capacidade de window dressing da liderança da unidade. Politicamente insustentável porque as consequências são demasiado pesadas para um processo de fragilidade inultrapassável. A avaliação por pares é, apesar das suas limitações conhecidas, o processo mais bem aceite na comunidade científica, mas não para a dimensão de muitas unidades e para estes objetivos. Qualquer avaliação por pares tem uma grande variabilidade, o que a torna aceitável apenas quando o avaliado tem alternativas. Na submissão de um artigo, o autor pode ressubmeter a outra revista. Na candidatura a um lugar académico, pode-se sempre concorrer a outra universidade. Temos já experiência suficiente de que a avaliação das unidades não pode ser transposta para o seu financiamento porque podem ter sido assumidos compromissos quase permanentes (de pessoal, por exemplo) que o poder político não quer ver cerceados subitamente. A consequência disto é que os resultados têm de ser embelezados com uma interferência política do decisor na FCT ou do homologador no Governo, ou de ambos. Se esta é a história passada, a situação agrava-se agora por a A3ES (Agência de Acreditação) estar obrigada a usar mais rigidamente estes resultados de avaliação. Será que vai ser aceite pelo Governo que uma universidade respeitada tenha doutoramentos ou mestrados descontinuados porque a avaliação foi diferente do previsto e terá de esperar seis anos para tentar de novo?
Este modelo de unidades de investigação quase independentes das universidades (e institutos politécnicos) foi concebido por volta de 1990 quando as condições eram muito diferentes. Para as lideranças universitárias, a investigação não era então um tema de preocupação e havia plena consciência de que os conselhos científicos, então todo-poderosos, não tinham capacidade (como ainda hoje não têm) para uma gestão estratégica por objetivos de médio e longo prazo. A solução encontrada foi estimular os docentes mais ativos na investigação a tomarem a iniciativa e agregarem todos os colegas que estivessem disponíveis para juntarem a investigação às suas preocupações de docência. A realidade é hoje radicalmente diferente, os reitores (ou presidentes) são diferentes e a investigação está presente nas suas decisões e na sua comunicação institucional, apesar de terem muito pouca capacidade de influência nos resultados. Com 2,4% da população, Portugal tinha, em 2022, 2,9% das publicações europeias e 2,6% das citações. Em 1996, as publicações ficavam por 0,7% e as citações 0,5% do total (Scimago, Western Europe). Este impressionante crescimento é o resultado do incremento do financiamento com a chegada dos fundos europeus, mas também da opção pela manutenção de um sistema científico muito fechado dentro da esfera académica. O financiamento estatal da investigação no setor público está próximo da média da OCDE e Portugal tem este financiamento muito concentrado no setor do ensino superior. É por isso muito importante assegurar que este investimento seja eficaz e que sirva bem a população portuguesa.
A quase total independência das unidades de investigação em relação às hierarquias académicas (apesar de se basearem numa mesma corporação de docentes) induz o risco de desalinhamento dos objetivos. A hierarquia académica deveria ter condições para influenciar a gestão das unidades de investigação e também responsabilizar-se pelos seus resultados. Poderíamos esperar uma melhoria na seleção de docentes e de investigadores de modo a atenuar o peso de interesses locais e imediatos de docentes ou de pequenos grupos.
Vem de finais do século passado o sonho dos responsáveis ministeriais de induzirem os reitores a contratar os investigadores selecionados pelas unidades. Sempre houve resistências, talvez devido à má experiência da absorção dos investigadores do INIC, extinto em 1992 e, em alguns casos, ainda hoje perdidos na orgânica universitária. Por um lado, todos têm consciência de que a existência das duas carreiras, a docente e a de investigação, sob o mesmo telhado institucional vai seguramente causar problemas interpessoais. Por outro lado, os mesmos resultados poderiam ser obtidos flexibilizando a carreira docente (ou simplesmente usando a autonomia na gestão das carreiras) e financiando um maior número de lugares docentes nas áreas com melhor desempenho científico. Este caminho exigiria um bom sistema de avaliação das universidades (e dos institutos politécnicos) que apontasse às hierarquias académicas os objetivos a perseguir. E que esta avaliação fosse imune às pressões políticas.
Com objetivos claros e um modelo de financiamento alinhado com esses objetivos, as instituições seriam hoje capazes de melhorar a utilização do financiamento estatal. A política oficial parece insistir nas disfunções de unidades de investigação quase independentes por ter assim um poder de controlo direto a partir da FCT. Este modelo ultrapassou já há muito o seu prazo de utilidade, caindo num sistema de financiamento entre o histórico e o político e travando a inovação nas estratégias sempre dominadas pelos docentes/investigadores mais antigos. Compreende-se bem a perplexidade de quem é hoje responsável por desenhar uma avaliação já incapaz de responder e com resultados insustentáveis se as decisões dos painéis forem respeitadas. Está a FCT em dificuldade e fica a A3ES numa posição impossível. Por estes dias toda a comunidade científica prepara uma avaliação cujas regras desconhece. Como poderá otimizar o seu resultado quando o mais importante poderá não ser o trabalho dos anos anteriores, mas uma proposta desenhada para agradar aos leitores? E sabendo que a verdade da proposta nunca virá a ser verificada.
Interessa compreender que a concentração do financiamento da investigação no setor académico dificulta qualquer esforço de orientação estratégica e leva a uma distribuição do financiamento disponível de acordo com a dimensão das várias áreas de educação superior. Com a quase universalização do acesso ao ensino superior, crescem áreas de formação não tradicionais. O modelo único de ensino superior leva a que, tendencialmente, a distribuição do financiamento da investigação dependa das opções dos candidatos ao acesso. O resultado é que nos afastamos da típica estratégia de financiamento na generalidade dos países que atende a uma estratégia de suporte tecnológico para o desenvolvimento económico. Não surpreende que o resultado final aponte pleno sucesso num indicador baseado numa contagem de publicações (relevantes ou não), mas falhe no retorno económico desse investimento. E, mais grave ainda, que não cresça proporcionalmente o emprego para os doutorados.
Nesta 25ª hora da preparação da avaliação das unidades de investigação, não é impossível encontrar uma reorientação dos objetivos da avaliação que prenuncie a transição para uma nova organização da investigação académica. Para evitar uma descontinuidade, terá de se manter mais uma avaliação com todas as suas enormes limitações. Nada impede, contudo que os resultados sejam apresentados por instituição de ensino superior e por área de conhecimento, assim servindo sofrivelmente a A3ES. Esta mesma avaliação permitirá ainda construir uma proposta de financiamento que se ajuste ao desempenho encontrado e force as unidades (e áreas científicas das instituições) a adaptar-se ou emendar o seu caminho.
Seria muito importante ultrapassar a tentação de criação de unidades de investigação ditas multidisciplinares que são de facto uma amálgama de pequenos grupos sem uma cultura de formação avançada bem estruturada nem um foco claro. E deve ser óbvio que nunca terão uma comunidade de estudantes de doutoramento em aprendizagem colaborativa e competitiva. (Poderá haver espaço para algumas, muito poucas, unidades verdadeiramente multidisciplinares que estejam disponíveis para ser avaliadas por todas as áreas que dizem reunir para mostrar o bom trabalho científico de nível internacional que realizam.)
Se as unidades ditas multidisciplinares se quiserem focar num problema da nossa sociedade que exija, como é frequente, contributos de muitas áreas de conhecimento, então deverão abster-se de entrar nesta avaliação pela FCT e vir a ser avaliadas pela robustez do impacto social e económico dos seus resultados. E deve notar-se que não tem faltado dinheiro para esta perspetiva de trabalho. O que tem faltado em absoluto é uma avaliação séria, a posteriori, que distinga quem está a produzir bom trabalho de quem está simplesmente a queimar dinheiro. Que não seja a FCT a caucionar estes desvarios.
Campus Universitário da Maia, 17 de setembro de 2023

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Universidades Politécnicas?

Índice:
Doutoramentos nos Politécnicos
A questão da denominação
A questão da coesão territorial
Uma proposta para universidades politécnicas
DESTAQUE:
Há espaço para uma profunda reflexão sobre a organização do ensino superior. Seria muito demagógico e populista uma simples alteração das designações das instituições e, ainda mais, se acompanhada da autorização para que passem a oferecer o grau de doutor.
DOUTORAMENTOS NOS POLITÉCNICOS
Por estes dias, discute-se no Parlamento se os institutos politécnicos deverão ser autorizados a conceder o grau de Doutor, invocando que têm um impedimento puramente administrativo. E, já que vão conceder este grau máximo, não deveriam mudar a designação para universidades politécnicas? Argumenta-se que o sistema binário não seria beliscado, embora os dois subsistemas passassem a receber estudantes com as mesmas qualificações, tivessem docentes com carreiras idênticas e concedessem os mesmos graus. Difícil de compreender? Este é o ponto em discussão e de forma bastante acalorada pela força e antiguidade dos argumentos. O sistema binário de ensino superior foi imaginado por Veiga Simão nos idos de 1972 e posto no terreno com as primeiras ajudas do Banco Mundial pelo ano de 1980. Os conceitos eram claros e os objetivos bem diferentes e toda a reflexão internacional apontava nesse sentido. O acesso ao ensino superior crescia em toda a Europa e também em Portugal, ainda que com algum atraso. Mais estudantes significava estudantes mais diversos nas competências e nas aspirações. Mais diplomados significava que iriam assumir funções mais diversas na sociedade e que a maioria passaria a trabalhar no setor privado com funções que não tinham exigido no passado educação superior. O conjunto muito limitado de opções oferecidas pelas universidades no direito, na medicina, nas engenharias, na formação de professores e pouco mais seria insuficiente para a vasta gama de ocupações que os novos diplomados iriam assumir. O acordo era geral e a decisão foi pacífica.
Não chega decretar que o sistema é binário, que os jovens podem escolher dois tipos de ensino superior. É preciso estimular as instituições a criarem cursos que sejam vistos como diferentes pelos estudantes, pelas famílias e pelos empregadores. Aqui a falha foi total e progressivamente mais agravada. Primeiro aproximaram-se as designações dos cursos e, depois (com Bolonha), foram totalmente identificadas. Em 2009, as carreiras docentes nas instituições do estado tornaram-se idênticas (salvo nas designações). Ao longo dos anos foi sempre sugerido a docentes de universidades e de institutos politécnicos que deveriam financiar a sua investigação sob as mesmas regras de competição junto da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). De facto, a FCT ignora a existência de um sistema binário, embora seja a mesma FCT que comprova a qualidade do trabalho científico dos docentes que justificam perante a Agência de Acreditação (A3ES) de mestrados e doutoramentos. E a A3ES tem, supostamente, de regular a diferença entre o ensino universitário e o politécnico. É difícil de compreender e torna-se impossível de aplicar.
O que se considera agora é o último passo no sentido de oferecermos um ensino superior homogéneo em que todos os jovens que queiram prosseguir o percurso educativo superior vão entrar num ambiente (supostamente) de investigação com professores que são ao mesmo tempo investigadores com visibilidade internacional. São hoje mais de 50% da coorte de 18 anos. Nenhum país do mundo achou ter condições para oferecer um ambiente de investigação num percurso pós-secundário a mais de 50% dos seus jovens. E nenhum país achou que isso era importante para a felicidade desses jovens e para a prosperidade da sociedade. A Califórnia desenhou o seu sistema de ensino superior para receber cerca de 10% dos seus jovens de 18 anos em universidades de investigação. Tem esta norma há 60 anos e continua a ter as melhores universidades e as mais atrativas para os estudantes da Califórnia, dos outros estados norte-americanos e do estrangeiro. Não tem dinheiro para mais! Será por isto que as nossas universidades não conseguem ser competitivas internacionalmente em investigação? Há menos dinheiro e distribuído por mais docentes-investigadores. Vamos dar mais um passo neste caminho. Vamos afastar-nos mais das sociedades mais bem-sucedidas.
Tem sido invocado o caso inglês da redesignação, em 1992, dos Polytechnics como universidades tornando o ambiente de competição entre universidades mais duro com uma forte perceção pública da sua diferenciação. O financiamento estatal da investigação concentra-se em pouco mais de uma dezena das mais de cem universidades existentes.
No último estudo da OCDE sobre o ensino superior português, publicado em 2019, estes temas foram muito discutidos e o leitor do relatório compreende bem as pressões a que os peritos estiveram sujeitos. No seu recente depoimento na Comissão de Educação do nosso Parlamento, a 19 de outubro, os mesmos peritos não se afastaram do que tinham escrito em 2019, tornando a sua posição ainda mais clara. Aí foi salientada a importância dos institutos politécnicos pela proximidade ao tecido económico da sua região com uma investigação para o desenvolvimento das profissões e a economia local. Foi salientada a importância dos cursos superiores curtos, TeSP, e insistiram na necessidade de evitar investigação de baixa qualidade, reforçando a sua relevância para a região. E voltaram a sugerir a possibilidade de oferecerem educação ao nível de doutoramento em formatos de desenvolvimento profissional, dando os exemplos do ensino (básico e secundário), da Fisioterapia e da Enfermagem. Não surpreende esta posição porque é a solução adotada nos Estados Unidos e que parece começar a ser seguida nalguns países europeus. Em alguns casos, adotam a designação de PhD Profissional para marcar a diferença entre este tipo de trabalho de pós-graduação focado no aperfeiçoamento profissional e o PhD tradicional em que se prepara uma tese com um avanço no conhecimento em resultado de 3 ou 4 anos de trabalho de investigação.
Os peritos da OCDE fazem esta recomendação de abertura à possibilidade de alguns institutos politécnicos oferecerem doutoramentos em algumas poucas áreas de cariz profissional que as universidades não lecionam e ainda com o alerta de que isso exigirá um acompanhamento regulatório muito próximo e um investimento considerável. Sabemos bem que a porta entreaberta pelo decreto-lei nº 65/2018 vai num sentido bem diferente, o da autorização da concessão do grau de doutor em todos os institutos politécnicos e em todas as áreas científicas apenas cumprindo os requisitos que a Agência de Acreditação já coloca às universidades. Deve notar-se que a referência da OCDE a doutoramentos profissionais e à prática profissional nada tem a ver com o conceito de doutoramento em empresa que é incentivado em Portugal há mais de um quarto de século e não tem maior aderência pela dificuldade em encontrar empresas ou outras organizações com um setor de investigação competitiva nacional ou internacionalmente. Nestes doutoramentos mantém-se o requisito de existir um contributo para o conhecimento da humanidade, ainda que possa ser de natureza aplicada, pré-competitiva. É normal em todo o mundo que alguns doutoramentos decorram em laboratórios de investigação não universitários e muitas empresas têm laboratórios mais bem equipados e mais modernos do que as universidades suas parceiras pelo que um doutoramento naquele ambiente tem a vantagem de considerar um problema relevante para a empresa e no limite do conhecimento e como tal reconhecido pelo orientador universitário. E o doutorando fica habilitado a trabalhar nesta fronteira do conhecimento e será provavelmente contratado pela empresa para prosseguir na mesma área, provavelmente com total reserva para manter a vantagem competitiva da empresa. Temos hoje algumas empresas com estas condições e interessadas na colaboração com a academia. Infelizmente são ainda demasiado poucas. A razão estará no predomínio das pequenas e médias que não têm dimensão para manter um departamento de investigação e tirar dele um retorno compensador.
Em síntese, é difícil encontrar um racional para alargar aos institutos politécnicos a competência para outorgar o grau de doutor. O número de novos doutorados anualmente é já em Portugal similar ao de outros países europeus (embora haja grandes variações) e as condições de emprego são ainda muito difíceis pela incapacidade de absorção fora do espaço académico. Este alargamento enfraquece a já frágil diferenciação entre os subsistemas universitário e politécnico. Em comparação internacional, especialmente com os Estados Unidos, poderá considerar-se a possibilidade de os institutos politécnicos outorgarem o grau de Doutor Profissional (Professional PhD) em áreas onde é mais relevante o aperfeiçoamento e a inovação da prática profissional do que alguma linha de busca de novo conhecimento que se terá de esperar ser originado em outras áreas do conhecimento, sendo também áreas onde as universidades não têm intervenção ao nível de graduação. Os peritos da OCDE deram alguns exemplos.
A QUESTÃO DA DENOMINAÇÃO
A insatisfação dos institutos politécnicos com a sua designação é antiga. Acompanhou a tendência das instituições de ensino superior profissional ou vocacional de vários países para adotarem a tradução livre em inglês de University of Applied Sciences. Países de tradição germânica e países nórdicos (que não tinham norma legal para a tradução dos nomes das suas instituições) adotaram este nome na comunicação em inglês sem nunca alterarem a designação na língua de origem. Curiosamente, um nome que nenhum país de língua inglesa adotou. Foram quase vinte anos de campanha sem resultados. A designação de instituto politécnico compreendia-se em 1972 quando Veiga Simão a introduziu na nossa regulamentação legal ao lado dos novos institutos universitários. Eram instituições nascentes, ainda que, em alguns casos pudessem integrar antigas instituições de ensino médio. A figura de instituto universitário evoluiu para universidade, salvo no caso do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa com um caráter distintivo de especialização. Os institutos politécnicos mantiveram a designação, apesar de terem desenvolvido um âmbito multidisciplinar. Manteve-se a norma, mas não a prática. Por volta de 2015, um instituto politécnico deixou cair a designação de instituto e rapidamente todos adotaram a designação de Politécnico. É verdade que o RJIES restringe essa autonomia de escolha da designação, mas a mesma liberdade já tinha sido assumida por unidades orgânicas universitárias. Talvez uma futura revisão do RJIES possa seguir a prática já corrente de termos universidade e institutos universitários ao lado de politécnicos e institutos politécnicos. Será o termo universidade crucial para que a instituição possa assumir alguma visibilidade internacional? Grandes instituições académicas de impacto internacional dispensam essa designação. Desde o Politecnico di Milano ao MIT, Massachusetts Institute of Technology ou o Caltech, California Institute of Technology. Não é a norma e talvez seja um facto que só instituições muito fortes dispensam a designação. Subitamente, a campanha de redesignação assumiu uma nova ambição. Já não seria suficiente ser University of Applied Sciences. A inovação irlandesa de uma Tecnological University Dublin, criada a 1 de janeiro de 2019 por fusão de três antigos institutos de tecnologia, terá sido a inspiração. Este não pretende ser uma verdadeira universidade técnica por ter herdado áreas muito diversas. Está autorizado a conceder o grau de doutor de forma muito controlada e muito acompanhada. O ensino superior irlandês sofreu cortes de 20 a 30% com a crise financeira de 2008 e ainda não recuperou totalmente apesar de a economia ter já retomado o antigo alto ritmo de crescimento e o número de estudantes ter crescido sempre. O reforço da investigação depende da criação de novas cátedras que carecem de autorização governamental e a evolução tem sido muito lenta. Na esfera do ensino superior, as designações são muito diversas. Se a designação de politécnico é perfeitamente aceite, deixa a ambiguidade entre a intenção mais vocacional e o formato de uma grande escola de engenharia e arquitetura de natureza universitária tradicional como é o caso de Milão. A designação de universidade tecnológica sugere um esforço de reforço gradual, mas seguro, como é o caso irlandês, que leva uma instituição de ensino superior de cariz vocacional a assumir uma componente de investigação e a afirmar-se progressivamente como tal. A designação de universidade politécnica é usada em Espanha para as quatro universidades estatais especializadas nas engenharias, na arquitetura e alguma tónica empresarial. A designação mais comum para assinalar a relevância das suas engenharias é Universidade Tecnológica que inclui muitas vezes fortes componentes científicas por ser cada vez mais próxima a investigação científica e a sua aplicação tecnológica. Os equivalentes mais próximos em Portugal são o Instituto Superior Técnico e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, as duas escolas de engenharia mais antigas e ainda mais procuradas. Não se compreende ainda se a proposta é para seguirmos o caminho irlandês de fusão de instituições regionais com cariz vocacional ou profissional, algumas à distância de centenas de quilómetros. E preparar a sua nova missão com um reforço orçamental e o recrutamento de pessoal docente com o desejado desempenho científico e de relação com a inovação empresarial. Ou será apenas oferecer uma designação mais apelativa a instituições que irão manter as suas fragilidades, por vezes resultantes apenas da sua localização.
A QUESTÃO DA COESÃO TERRITORIAL
Desde a grande expansão da segunda metade do século XX, o ensino superior tem sido usado em muitos países como instrumento de desenvolvimento regional com resultados desiguais. Foi demonstrado que grandes universidades competitivas internacionalmente pela sua investigação atraem empresas a trabalhar na fronteira do conhecimento com quem vão interatuar no sentido de lhes fornecer pessoal muito qualificado e de serem apoiadas diretamente no desenvolvimento de novas tecnologias. Este sucesso verificou-se claramente em alguns poucos casos no nordeste dos Estados Unidos e na região de São Francisco. Cambridge e Oxford mantêm a sua vocação histórica, mas têm alimentado nos últimos decénios espaços de grande dinamismo empresarial. Mais frequentemente, os objetivos são muito mais limitados, com as instituições de ensino superior a desenvolver-se no sentido de apoiar com os seus diplomados as necessidades de mão de obra dos setores produtivos já instalados na região. Em Portugal, o progressivo abandono de algumas regiões ditas do interior (mesmo que a um par de horas das regiões metropolitanas de Lisboa ou do Porto) deixou universidades e institutos politécnicos como últimas âncoras de alguma atividade económica. A economia dessas regiões está certamente a beneficiar da despesa dos estudantes e do pessoal docente e não docente, mas não é claro que haja muito sucesso no incentivo de atividade económica autónoma. No imediato, será necessária uma diferenciação positiva no apoio a essas instituições que são incapazes de competir num campo horizontal. Os seus benefícios para as regiões só serão sentidos quando houver mecanismos de incentivo à criação de emprego que atraia mão de obra externa e aproveite aquela que completa a sua educação no local. E, para este efeito, a capacidade de oferecer doutoramentos será um requisito para que as instituições contribuam mais para o desenvolvimento da região, mas um requisito a colocar no último lugar. Como lembram os peritos da OCDE, muito mais importante é o crescimento dos cursos de TeSP e a inserção dos diplomados nas empresas e organizações onde estagiam (não sendo desviados para prosseguirem de imediato uma licenciatura). A adesão à União Europeia veio facilitar a mobilidade das pessoas que passaram a poder escolher a sua residência e o seu posto de trabalho num espaço muito mais vasto. Mais tarde, a globalização e as tecnologias que a facilitaram permitiram uma maior mobilidade das populações com grandes vantagens individuais e também com novos problemas sociais. As instituições de ensino superior participam neste processo, primeiro com as mobilidades Erasmus que preparam os jovens para uma Europa sem fronteiras e, depois, com a maior abertura pela chegada dos estudantes internacionais. Temos hoje um número não quantificado de jovens portugueses que optam por estudar no estrangeiro. Para alguns, esse é o primeiro passo para uma vida noutras paragens. Muitos colegas que completam a educação superior em Portugal também acabam por se fixar noutros países, seja pelas melhores oportunidades que aí encontram, seja pelo gosto de fazer uma experiência diferente. Este movimento de saída é compensado por um movimento em sentido inverso com um número crescente de estudantes internacionais a frequentar as nossas universidades e institutos politécnicos. Infelizmente, o balanço é negativo em números e, muito provavelmente, nas suas competências de empreendedorismo. Há indícios de que muitos dos jovens que nos procuram para frequentar o ensino superior estarão disponíveis para iniciar a sua vida ativa na Europa, alguns em Portugal. O ensino superior estará assim a oferecer um canal de imigração razoavelmente qualificado, bem necessário para atenuar a emigração muito qualificada que se tem mantido nos últimos anos.
UMA PROPOSTA DE UNIVERSIDADES POLITÉCNICAS
Toda a argumentação acima aponta para a necessidade de reforçar o sistema binário e não de o enfraquecer ainda mais depois do abandono a que foi votado ao longo dos seus 40 anos de vida. A estagnação económica do último quarto de século exige que repensemos o modelo de qualificação para satisfazer as necessidades da população e retomar o crescimento. Qualificar significa ter uma visão global de toda a população e tentar criar condições de equilíbrio para que cada pessoa atinja e cumpra a sua ambição, não desperdiçando o potencial de ninguém. Exige que o conjunto de qualificações a todos os níveis, desde o profissional (nível 4) até ao doutoramento (nível 8), assumam os melhores padrões de qualidade para enfrentar a competição internacional e que se tente atenuar a frustração da subqualificação, mas também da sobrequalificação. No que interessa aqui, interessa saber como poderão os atuais institutos politécnicos integrar-se no complexo sistema educativo.
A Irlanda é certamente um exemplo a ser estudado para aproveitarmos o que mereça adaptação às nossas condições. Com pouco mais de metade da nossa população, têm encontrado recursos humanos para estudar os problemas e para enfrentar as crises. A improvisação não permitiria chegar lá e ter um primo americano não é suficiente. Tem um sistema de ensino muito eficaz e muito eficiente. Têm um sistema científico muito produtivo e extremamente eficiente: a despesa pública por cada artigo científico é a mais baixa da OCDE! Têm algumas universidades no topo do reconhecimento internacional. Embora não tenha sido um processo linear, a criação das Technological Universities merece atenção, merece um estudo aprofundado que vá além do plágio do nome.
Portugal tem um número de doutoramentos anuais por milhão de habitantes superior ao de outros países europeus vizinhos. Alguns docentes dos institutos politécnicos foram estimulados a trabalhar com os colegas das universidades e a apresentar-se aos mesmos concursos competitivos da FCT. Não admira que a diferenciação seja difícil de encontrar. Há competências e há muita juventude que deve ser orientada para um melhor futuro da nossa sociedade. As instituições têm feito um grande esforço para responder aos estímulos externos. Há capacidade instalada para construir um futuro melhor, assim saibamos desenhar as políticas que deem o pequeno impulso necessário para que o sistema avance no sentido correto.
Sim, poderíamos servir bem o país, criando universidade politécnicas que ofereceriam o diploma de TeSP, e os graus de Licenciado, Mestre e Doutor, todos de cariz profissional. Seguindo a sugestão dos peritos da OCDE o grau de doutor seria pensado para ser diferente do tradicional. Teria uma duração de 3 a 4 anos de formação e treino na reflexão e investigação no sentido de (i) resolver problemas reais das empresas e organizações da região (investigação aplicada) ou de (ii) reflexão e teste para o aperfeiçoamento de algumas profissões já decorrentes de formações reservadas aos institutos politécnicos atuais. Com esta posição pretende-se aprofundar o sistema binário atual criando um terceiro tipo de instituições, permitindo, a prazo, que algumas universidades ou institutos politécnicos atuais se candidatem a este novo estatuto. Passaríamos a ter três tipos de instituições de ensino superior:
1. Politécnicos, institutos politécnicos e escolas politécnicas (não integradas), concederiam o diploma de TeSP e os graus de Licenciado e Mestre, todos de cariz profissional;
2. Universidades politécnicas, concederiam o diploma de TeSP e os graus de Licenciado, Mestre e Doutor, todos de cariz profissional;
3. Universidades, institutos universitários e escolas universitárias (não integradas), concederiam os graus de Licenciado e Mestre e Doutor.
Esta proposta só poderia ser aplicada se acompanhada de uma revisão legislativa que desse uma forte orientação à A3ES no sentido de diferenciar os graus académicos de cariz profissional, notando-se que esta orientação não está hoje suficientemente clarificada. Teria de ser criada uma agência de financiamento que passasse a estimular a investigação aplicada de impacto regional e o aperfeiçoamento profissional de modo que, a prazo, os ciclos de estudos de cariz profissional ganhem maior autonomia e consistência. Também o corpo docente das instituições teria de manter um forte corpo de docentes próprios, mas acompanhado de professores convidados ou especialistas (verdadeiros) que estejam ativos profissionalmente e venham transmitir aos estudantes (numa docência a tempo parcial) esse saber prático que lhes facilite a transição futura para uma atividade profissional. Esta proposta merece ser avaliada no sentido de decidir se há interesse em diferenciar explicitamente os atuais institutos politécnicos e conceder a alguns a capacidade para conceder o grau de Doutoramento Profissional. Em termos estratégicos, o mais importante é clarificar a orientação ou o objetivo dos ciclos de estudos. A exemplo de outros países, poderemos explicitar a natureza profissional dos ciclos de estudos oferecidos pelos institutos politécnicos e mandatar explicitamente a A3ES para acompanhar essa clarificação. Esta medida pode ser assumida sem mais alterações regulamentares.
Outra medida a ser ponderada é a diferenciação da denominação do conjunto atual de institutos politécnicos, a exemplo do que acontece com o setor universitário. A analogia direta será abrir a possibilidade de alguns institutos politécnicos usarem o nome de Politécnico, dependendo da dimensão e diversidade de áreas cobertas. Por último a ponderação da nova designação de Universidade Politécnica que seria atribuída aos politécnicos que mostrarem a capacidade para oferecerem dois ou três ciclos de estudo de doutoramento.
Em conclusão, há espaço para uma profunda reflexão sobre a organização do ensino superior português e da sua ligação ao sistema científico e tecnológico para melhor servir o Portugal e os portugueses. Seria muito demagógico e populista uma simples alteração das designações das instituições e, ainda mais, se acompanhada da autorização para que passem a oferecer o grau de doutor, mantendo as suas fragilidades e a enorme fragilidade da A3ES na regulação da acreditação e a sua dependência de decisões da FCT que, naturalmente, trabalha noutra lógica.
Campus da Universidade da Maia, 12 de dezembro de 2022

domingo, 30 de outubro de 2022

Autonomia e governo das escolas

A autonomia das escolas é discutida entre nós há longos anos. Quase todos estão de acordo que é hoje impossível gerir e controlar desde Lisboa todas as escolas, estudantes, docentes e funcionários e ainda edifícios e ambiente circundante em todo o país. Impossível hoje porque se exige um melhor desempenho de todas os parceiros. A iniciativa livre e voluntária e, por natureza, muito diversa de docentes e de parceiros externos já não é tão bem aceite como no passado. Pretende-se uma escola mais homogénea que pareça oferecer o mesmo serviço educativo e com a mesma qualidade em todo o país. Pretende-se que todos os alunos sejam levados ao seu máximo potencial. Pretende-se que todos os possíveis candidatos a professor tenham a mesma oportunidade de acesso ao posto de trabalho e à profissão, quaisquer que sejam as suas condições pessoais e a sua história profissional em todas as escolas do país.
A função de professor foi desprofissionalizada e os antigos valores individuais do professor são agora geridos por sindicatos que serão tão fortes quanto mais igualitarismo e gestão centralizada distante for conseguida. O absentismo é difícil de analisar no impacto na aprendizagem do aluno, preferindo-se ver apenas o direito contratual do docente e aceitar passivamente a impossibilidade de encontrar uma alternativa flexível em cada manhã que se verifica a falta. Como sempre o aluno celebra o “furo” no horário e assegura-se de que não haja consequências visíveis nas classificações no final do ano. Uma nova tentativa de descentralização é agora discutida e está a ser aplicada com a controvérsia que sempre acompanha estas decisões. Será a mais eficaz para a melhoria das aprendizagens dos estudantes e a mais eficiente para a difícil realidade económica nacional?
O que significa descentralizar
A OCDE [1] lembra que a autonomia escolar pode significar coisas muito diferentes. Se o decisor político valoriza a capacidade de responder às necessidades próprias de cada local, professores e diretores valorizam o maior controlo sobre a gestão e a direção pedagógica. Os pais poderão esperar maior poder de intervenção nas decisões da escola. Todas estas expectativas são razoáveis, mas há um acordo generalizado em que os sistemas educativos precisam sempre de uma supervisão estratégica para fixar objetivos e padrões de avaliação dos resultados conseguidos por cada escola. A simples transferência de poder para as escolas (ou para entidades regionais) pode ter o efeito perverso de criar grandes desigualdades como se verificou na experiência sueca. Quando o Marquês de Pombal criou a primeira rede estatal de escolas para ultrapassar as terríveis consequências do encerramento da única rede existente que dependia da Companhia de Jesus, imaginou um sistema monolítico. Tinham já passado 12 longos anos desde que a Companhia fora expulsa em 1759 e foi muito difícil encontrar professores e até alunos, e a qualidade das novas escolas era muito variável, frequentemente muito deficiente pela inexistência de um professor minimamente habilitado para a leitura, a escrita e a aritmética. Já nem se procurava a habilitação para a arte de ensinar. Esse mesmo choque político baixou, naturalmente, o número de estudantes universitários de cerca de 4500 para não mais de 500. As guerras napoleónicas, seguidas da guerra civil agravaram ainda mais a situação. Quando a Regeneração liberal se instalou tentou criar instituições de ensino a todos os níveis, mas a sua ideologia orientou-se sempre para os “melhoramentos materiais” e muito pouco para a educação. A República surgiu com uma ideologia diferente, mas não teve tempo nem meios para alterar uma situação que era catastrófica porque o país não tinha acompanhado a universalização da alfabetização feita na maioria dos países europeus ao longo do século XIX. O Estado Novo oferece uma ideologia de desvalorização da educação, mas mantém uma expansão da alfabetização até à cobertura quase universal pelo fim da década de 1950 e inicia a universalização do que é hoje o 2º ciclo do ensino básico já no seu estertor final. O ensino universitário cresce ao longo de todo o século XX a um ritmo de cerca de 6% ao ano e um impulso final por volta de 1985 permite a ultrapassagem de alguns países vizinhos. No entretanto, também se expande o ensino secundário, mas mantém-se um grande abandono precoce que só é vencido pelas vias profissionais que são introduzidas a partir do início do século XXI. Estatisticamente, estamos hoje com indicadores educativos comparáveis aos dos países desenvolvidos, embora arrastemos o atraso da população menos jovem (e de uma população imigrada de baixas qualificações).
A universalização dos sistemas escolares foi feita em regimes bastante centralizados porque se pretendia criar um novo cidadão nacional em muitos países saídos das convulsões políticas que criaram os novos estados-nação. Também no ensino superior, os sistemas europeus continentais formados no século XIX eram controlados a partir do aparelho central do estado como qualquer outro serviço público. A realidade variava muito conforme as condições concretas de cada país, desde a hierarquia burocrática francesa até à autonomia de cátedra alemã ou ao financiamento público de todas as instituições, estatais ou privadas, como na Bélgica.
Os Países Baixos fizeram a primeira grande experiência de devolução da autonomia de gestão às suas universidades em 1972, mas esta foi sendo limitada a partir de 1985, havendo hoje em cada universidade a presença de um Conselho de Supervisão nomeado diretamente pelo governo. Em Portugal, a autonomia de governo das universidades foi estabelecida em 1977 como meio de estabilizar a vida corrente das instituições muito afetada pelo ambiente pós-revolução. Esta autonomia assumiu-se como prerrogativa constitucional (como também em Espanha pela mesma época) e veio a ser regulada por lei de 1982.
A descentralização em Portugal
As escolas portuguesas mantêm até hoje a dependência hierárquica do Governo e a descentralização pretendida irá afetar a gestão do edificado e do pessoal auxiliar que passará para os municípios. Esta solução é muito limitada para que produza efeitos reais na aprendizagem dos estudantes com a consequência de que o sistema poderá continuar a perder alunos para as escolas privadas, apesar de estas não beneficiarem de qualquer ajuda estatal. Os municípios, com a exceção das grandes zonas urbanas, não têm uma dimensão suficiente para estabelecerem os mecanismos de gestão e controlo e cairão provavelmente na tentação de tratarem as escolas como mais uma “empresa pública municipal” para gerir por influência partidária e criar emprego politicamente alinhado.
O Programa do Governo atual dá um espaço considerável à “autonomia das escolas, descentralização e desburocratização”. Propõe-se “reforçar a autonomia curricular e organizativa das escolas” e “pilotar experiências de autonomia administrativa e financeira”. Diz ainda querer “assegurar a autonomia pedagógica das escolas e o cumprimento de alívio de tarefas administrativas”. No que diz respeito a resultados, congratula-se com a superação das metas europeias de abandono escolar precoce com “uma melhoria notável dos resultados escolares” medidos pela redução das taxas de retenção e desistência no ensino básico e o aumento das conclusões do ensino secundário. A autonomia escolar é um objetivo a perseguir, mas com uma avaliação dos riscos e com medidas de acompanhamento que mantenham um certo grau de homogeneidade no sistema e aponte objetivos concretos de curto e de médio prazo para cada escola e para cada responsável local ou regional. É geralmente reconhecida a fragilidade da nossa sociedade civil. Isto significa que a generalidade dos cidadãos não se sente motivada para a participação em associações não lucrativas. Talvez mais grave, é frequente o reconhecimento de que algumas destas associações se desviam dos seus objetivos formais sem que os detentores dos seus órgãos sociais sejam efetivamente responsabilizados pela sociedade. Um exemplo disso no âmbito escolar foi a dissolução de muitos conselhos gerais de escola aquando da constituição de agrupamentos em que não ocorreu a ninguém a obrigação, ou, ao menos, a delicadeza, de dar uma palavra de justificação aos seus membros externos. Ou, genericamente, a facilidade com que é aceite a desculpa de desconhecimento da vida da instituição quando algum membro de um órgão social é inquirido sobre alguma aparente má prática da instituição ou da sua direção.
Se quase todos parece concordarem hoje em que Lisboa não tem capacidade para microgerir todas as escolas no país, as alternativas também não entusiasmam. A única alternativa democrática é transferir competências do governo nacional para os municípios (embora ainda possa haver mesmo a tentação de dar algum poder à freguesia). Formalmente, esta é a única alternativa de poder eleito e democraticamente escrutinado, pelo menos na aparência. Na realidade é bem sabido que a fiscalização política é muito deficiente, especialmente fora dos grandes municípios urbanos. Se mesmo a nível nacional há dificuldade em manter a independência financeira dos meios de comunicação social, a nível local isso não é sequer tentado. A dependência de subsídios diretos ou indiretos das autarquias locais é total. Por isso se compreende que o sucesso de um presidente de câmara possa ser medido pelo número de freguesias que mudam para o seu partido e, quando o sucesso é total e todas as juntas de freguesia estão alinhadas com o seu partido já pode aspirar um lugar na política nacional. Se esta é a lógica política local praticada universalmente, poderemos esperar um resultado diferente quando se transfira a gestão escolar para o nível local?
Outras experiências
Num relatório publicado em dezembro de 2021, o Tribunal de Contas francês[2] constata que a despesa francesa com a educação é superior à média da OCDE e que 40% dos alunos que terminam o primário (de 6 anos) não possuem os conhecimentos fundamentais de matemática e de leitura que lhes permitiria seguir em boas condições um percurso no secundário. E que 12% dos alunos saíram do secundário sem um diploma, uma realidade assustadora para o equilíbrio social futuro. O Tribunal liga estes resultados medíocres com o centralismo da gestão do sistema escolar, propondo maior autonomia às escolas, sem esquecer a competência do diretor para recrutar a sua equipa de professores. O governo reagiu de imediato com a criação de uma experiência piloto de autonomia em 50 escolas da região de Marselha, mas não faltou uma forte reação sindical.
Se em França, um sistema nacional de educação básica teve de ser criado por Napoleão para preencher o vazio deixado pela Revolução, em Inglaterra só no início do século XX foram dados os primeiros passos com a dotação de poderes aos Local Councils que ficavam obrigados a criar Local Education Authorities (LEA). A maior transformação veio muito mais tarde, já durante a 2ª Guerra, quando se preparou a reorganização da sociedade do pós-Guerra. A mediana da população dos condados ingleses que elegem a sua LEA é de mais de 900 mil habitantes. Apesar da relativa proximidade entre esta Autoridade e as escolas, a escola e o professor mantiveram uma grande autonomia curricular sem qualquer interferência governamental. Esta realidade alterou-se no último meio século em que a preocupação com a demonstração de resultados e com a verificação dos procedimentos tornou algumas agências governamentais muito mais intrusivas e a autonomia profissional do professor muito reduzida. Desde 2000, tem havido um movimento no sentido de transferir algumas escolas de uma LEA para um estatuto de maior autonomia e responsabilização, denominado Academy e até é possível que uma escola com baixo desempenho seja forçada a seguir este caminho.
O modelo sueco de competição entre escolas dependentes dos municípios (com 30 mil habitantes, em média) tem sido criticado pela desigualdade que permitiu ou até estimulou. A OCDE assinala[3] a falta uma estratégia nacional de melhoria que integre todas as escolas dentro da sua autonomia e dependência local.
A discussão sobre a autonomia das escolas é relativamente recente e varia com a história e tradição de cada país. Seja na França napoleónica de 1802, seja no Portugal liberal de 1834, os liceus são criados para substituir um sistema disperso que fora abolido com a extinção das congregações religiosas e procurava responder à necessidade de moldar o novo cidadão. Menos em Portugal onde não havia uma questão de estado-nação e, também por isso, a educação nunca foi uma prioridade da monarquia constitucional, ao contrário do que acontecia na generalidade dos países do continente. Os sistemas de ensino eram centralizados na definição do currículo, mas o professor foi criando o seu espaço de afirmação como profissional com grande autonomia no exercício do seu ensino. Mais ainda na escola primária, hoje primeiro ciclo, onde a dispersão das escolas por todo o território deixava cada professor entregue a si próprio com uma tutela muito distante. A mudança no último meio século foi muito marcada pela difusão de sistemas de controlo da atividade de cada professor. Reflexo das tendências da Nova Gestão Pública, os sistemas escolares evoluíram no sentido da desprofissionalização do professor que passou a ser uma peça de uma engrenagem cuja eficácia é acompanhada desde um centro de comando. O professor perde o prestígio do seu exercício bastante autónomo para ser acompanhado de perto e ter de manter registos de todas as suas atividades. Em muitos casos, perde-se até a atenção ao resultado final da aprendizagem dos alunos preferindo-se manter um controlo muito apertado do processo.
Faltam professores
Tradicionalmente, um médico era avaliado pela satisfação dos seus doentes que geravam uma métrica implícita de prestígio que se difundia pelo boca-a-boca. O mesmo se poderá dizer de um advogado ou de um engenheiro. Quando estes profissionais liberais são imersos numa burocracia de estado, perde-se a responsabilidade individual pelos resultados para assegurar apenas que os procedimentos seguem normas pré-estabelecidas. Entram em ação processos de avaliação de qualidade que incidem sobre os processos e raramente sobre os resultados. O exercício profissional assume um formato defensivo em que tem de haver toda a atenção à documentação do processo para poder assegurar que se conformou com a “boa prática” estabelecida. Perde-se autonomia no exercício profissional, mas assegura-se que todos se conformam com as regras e que ninguém pode ser penalizado pelos maus resultados se cumprir estas regras. O processo burocrático que permite manter o registo de todos os procedimentos está omnipresente e muitos profissionais habituados a seguir livremente a sua melhor avaliação de cada situação concreta sofrem a despersonalização para se sentirem como mais um operário numa vasta engrenagem estatal. Assim chegamos a uma realidade em que estes ex-profissionais se queixam da sua situação e se focam no nível remuneratório quando este é apenas um dos aspetos e nem sempre o principal. Poderá estar aqui a explicação da falta de professores em Portugal, apesar dos salários serem elevados[4] em comparação com a média nacional dos trabalhadores com perfil educativo comparável. Na comparação internacional dos valores salariais em paridade de poder de compra[5], os portugueses estão ligeiramente abaixo da média. O salário de entrada na carreira é muito próximo da média nacional (para todas as idades) dos trabalhadores com ensino superior, acima, em termos relativos, da realidade na maioria dos países da OCDE. No topo da carreira a distância para a média nacional só é ultrapassada pela Colômbia e o Luxemburgo. Note-se, contudo, que o tempo médio para chegar ao topo da carreira é bastante longo. Curiosamente, na Finlândia, um país frequentemente apontando como boa referência, toda a carreira tem salários relativamente baixos.
Figura 1.Valores relativos dos salários dos professores em relação aos trabalhadores com ensino superior.
Descentralizar em Portugal
Em Portugal, anuncia-se a descentralização para os municípios das funções menores de gestão dos edifícios e do pessoal auxiliar. As escolas (ou os seus agrupamentos) têm conselhos gerais com poder muito limitado e bastante controlados pelos interesses internos da corporação docente. A contratação dos professores mantém-se centralizada, apenas se passando para um nível local os casos de carências mais urgentes. No acesso ao ensino superior, as profissões docentes são quase sempre últimas escolhas e os requisitos de entrada são dos mais baixas de todos os cursos. A falta de professores é um problema anunciado há décadas, mas deixou-se arrastar até a situação ser verdadeiramente aguda e o único caminho parece ser agora abrir a entrada na profissão a pessoas que nem sequer têm a frágil formação superior que até agora era exigida. Voltamos à situação de emergência do terceiro quartil do século passado em que a explosão da procura criou este tipo de problema e se teve de improvisar este tipo de soluções.
Na procura das funções docentes, é difícil explicar a situação aguda a que chegamos. Os salários são baixos, mas não em comparação com as alternativas que um jovem com o mesmo perfil académico poderá esperar em Portugal. Muitos professores confessam que ainda adoram a função que desempenham dentro da sua sala de aula, mas que se torna cada vez mais desagradável toda a burocracia a que são obrigados depois de sair da aula. Há problemas de disciplina dentro da escola (embora a situação seja, possivelmente, pior noutros países europeus). Em Portugal, a recente universalização da escola até aos 18 anos não foi acompanhada da diversidade de oferta que será necessária. É um problema ignorado no espaço público, mas poderá ser urgente oferecer algumas formas de ensino dual em que o jovem ganhe uma primeira experiência do posto de trabalho real, sabendo-se que este tipo de via formativa é abraçada com entusiasmo por muitos alunos com dificuldade de adaptação à sala de aula convencional. A função docente é pouco atrativa para um jovem adolescente, também pelo desprestígio social que se foi acumulando sobre os seus professores e o discurso público sempre muito negativo que esse jovem terá visto nos jornais ou na televisão. Chegamos a um ponto em que talvez o único caminho de dignificação da carreira de professor será algum estímulo salarial, mas é necessário pensar noutras formas de tornar esta opção mais atrativa para os jovens. E o caminho não pode ser o de acabar com exames nacionais que evitam a comparação entre alunos, e entre professores, apesar de todas as perversões das seriações (rankings) que não se podem evitar totalmente. Só estas comparações permitem chegar ao reconhecimento dos professores mais dedicados e com melhores estratégias para chegar a todos os seus alunos, mesmo aos mais difíceis.
Conclusão
Não podemos evitar o problema de decidir quem pode assumir parte das funções de gestão e de supervisão que têm necessariamente de ser devolvidas pelo governo nacional. Nesta altura, em Portugal continental, o único nível democraticamente responsabilizável é o municipal (ou da freguesia). Temos de aceitar que a dimensão da maioria dos municípios não é compatível com a gestão de um sistema escolar. Talvez dos edifícios e do pessoal auxiliar, mas nunca da função pedagógica e da gestão dos docentes. Na experiência sueca, há queixas de muito resultados, mas não do processo de recrutamento dos professores que foi entregue ao diretor da escola. Mas, no nosso Portugal municipal, poderemos prever o resultado de dar ao município a capacidade de escolher o diretor e de influenciar o recrutamento dos professores. Muitos municípios são já hoje os primeiros empregadores das suas regiões. Não admira que a democracia local funcione mais como uma empresa em autogestão com a mão estendida ao financiamento de Lisboa ou de Bruxelas do que como uma autarquia democrática em que, desde João sem Terra (ou da nossa monarquia medieval), os cidadãos decidem da autorização fiscal para que lhes sejam prestados determinados serviços ao nível desejado.
Só um nível político intermédio teria a dimensão para gerir pedagogicamente um sistema regional de educação. Esse nível teria de ser superior ao município (de dimensão comparável ao sueco) e poderia ser inferior aos das discutidas cinco regiões administrativas. Será possível imaginar um nível intermédio com a dimensão apropriada e uma arquitetura que lhe dê uma clara responsabilização política? A experiência política das eleições locais para este tipo de distrito educacional poderia servir de inspiração, ou simplesmente conduzir a uma eleição dos responsáveis pelo sistema educativo em cada uma das cinco regiões administrativas. Terão dimensão suficiente para obrigar à concertação política interna de visões discrepantes sem cair numa pessoalização total das escolhas nem na partidarização sem controlo dos meios de comunicação social locais nunca independentes do poder político de turno.
Maia, 20 de outubro de 2022
José Ferreira Gomes
Reitor da Universidade da Maia

In:  Cadernos de Economia 141, out-dez, 2022, p.51-57.

[1] OECD, How to make school autonomy work, novembro de 2018. https://oecdedutoday.com/how-to-make-school-autonomy-work/, consultado em outubro de 2022.
[2] Cour des Comptes, Une école plus éfficacement organisée au servisse des élèves, dezembro 2021, https://www.ccomptes.fr/sites/default/files/2021-12/2021214-communique-notes-enjeux-structurels.pdf
[3] OCDE, How Sweden’s school system can regain its old strength, 2015, https://oecdedutoday.com/how-swedens-school-system-can-regain-its-old-strength/
[4] OCDE, Education at a Glance, 2022, Figura D3.3, Lower secondary teachers' relative statutory starting and top of the scale salaries and years taken to reach the top of the scale (2021), Ratio of salaries to the earnings of full-time, full-year workers with tertiary education.
[5] OCDE, Education at a Glance, 2022, Figura D3.2. Lower secondary teachers’ average actual salaries compared to the statutory starting and top of the scale salaries (2021), Annual salaries of teachers in public institutions, in equivalent USD converted using PPPs.