Os resultados do PISA 2018 vieram confirmar a supremacia dos países
asiáticos no topo da tabela (ainda que a China só participe com as quatro
regiões mais desenvolvidas) e a queda da Finlândia como país modelo. A Estónia
é a grande estrela e Portugal estagnou nos resultados razoáveis que tinha já
obtido. Estas são as principais conclusões do maior estudo comparativo de
sistemas de educação, em todo o mundo, reveladas neste mês de dezembro de 2019.
Com a avaliação PISA, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Económico) pretende verificar até que ponto os estudantes de 15 anos de idade,
perto do final da sua educação obrigatória, adquiriram conhecimentos e capacidades
essenciais para a participação plena na sociedade moderna. A avaliação não verifica
apenas se os alunos podem reproduzir o conhecimento; também examina se eles
podem extrapolar o que aprenderam e aplicar esse conhecimento em contextos
desconhecidos, dentro e fora da escola. Essa abordagem reflete o facto de as
economias modernas recompensam os indivíduos não só pelo que sabem, mas também pelo
que podem fazer com o que sabem. O PISA pretende ultrapassar uma avaliação
baseada num currículo particular para arriscar uma avaliação da preparação dos
jovens para a sua entrada na vida autónoma.
Como em todos os temas relacionados com a educação, este grande objetivo
tem alguns críticos que invocam que as áreas de conhecimento representadas no
PISA estão longe de cobrir todas as áreas incluídas na maioria dos sistema
educativos; por outro lado, não terá sido (nem será provavelmente) possível
demonstrar que os conhecimentos e capacidades avaliados são efetivamente
instrumentais para acelerar o desenvolvimento e a competitividade dos países,
como os governos participantes implicitamente admitem. Mesmo que reconheçamos
as suas possíveis limitações, o PISA é o exercício de avaliação comparativa
internacional mais abrangente e será esse o motivo para que tenha uma adesão
crescente. A cobertura deverá crescer ainda mais no próximo ciclo, em 2021,
porque a Índia já anunciou o seu regresso, depois de ter saído na sequência do
mau resultado (72º em 74 países ou regiões) obtido em 2009.
A primeira edição de avaliação PISA foi um tremendo choque para Alemanha:
Os resultados para a leitura, a matemática e a ciência eram inferiores à média
dos resultados dos 31 países então participantes. Para uma economia baseada na
exportação e dependente das suas vantagens competitivas, o sinal de que a
educação dos jovens estaria a ficar abaixo dos seus concorrentes foi um
tremendo estímulo para a reforma. Não foi simples porque a educação é uma
competência dos estados federados. Mesmo assim, a despesa com a educação
aumentou, foram definidos padrões educativos nacionais, melhorou o apoio aos
alunos desfavorecidos e imigrantes e expandiu-se o pré-escolar. Lentamente, os
resultados começaram a melhorar, situando-se acima da média da OCDE, mas
voltaram a cair em 2018 com grande disparidade na leitura em função do estatuto
socioeconómico.
Em termos globais, o enorme sucesso dos alunos asiáticos é o resultado mais
destacado este ano. Entre os 10 primeiros na média de resultados de leitura,
matemática e ciência, temos agora apenas a Estónia (525), o Canadá (517) e a
Finlândia (516) como não asiáticos. Nos primeiros quatro lugares, temos 4
províncias litorais da China (que participam em conjunto como uma região
única), Singapura, Macau e Hong Kong. A imagem torna-se ainda mais forte quando
se regista que estas regiões asiáticas continuam com tendência ascendente,
enquanto o Canadá e, especialmente, a Finlândia parece estarem em perda. Só a
Estónia parece querer resistir neste pelotão da frente. E, neste país báltico,
não só a média dos resultados é elevada como têm também muito pequenas
percentagens de jovens com baixo desempenho e muito altas percentagens com alto
desempenho.
Poderemos discutir se há aqui uma
diferença cultural, com uma enorme pressão das famílias para que o desempenho
escolar seja elevado por razões de prestígio social imediato e de expectativa
de sucesso futuro. É conhecida a enorme pressão posta nos alunos em algumas
regiões asiáticas porque o futuro do jovem (e da família) depende enormemente
do posicionamento social e económico que os resultados educativos permitem. Mas
este mecanismo explicativo não funciona noutras regiões, especialmente no norte
da Europa onde as desigualdades de rendimento são baixas e, portanto, o prémio
de sucesso escolar é também moderado.
Nos lugares de 11º a 20º da seriação geral nesta avaliação, já predominam
os europeus (Polónia, Irlanda, Eslovénia, Reino Unido, Holanda, Dinamarca,
Alemanha e Bélgica, com a intromissão da Nova Zelândia na 15ª posição. Nesta série,
Portugal ocupa a 27ª posição. Numa época de competição internacional reforçada,
este palmarés merece uma reflexão profunda porque a dimensão e o posicionamento
estratégico dificilmente nos oferecerão outros fatores de eventual vantagem
competitiva.
Seguramente, o PISA merece muitas
críticas. É aplicado por amostragem e a OCDE assinala que faltaram muitos
alunos e logo calhou faltarem mais os menos favorecidos pela métrica da OCDE.
Tenta medir apenas algumas áreas de conhecimento e a educação inclui muitas
outras e tem objetivos bem mais amplos do que a acumulação de conhecimentos e
capacidades associadas. Sim, não nos devemos apenas concentrar em ter melhores
resultados PISA. Devemos aspirar a ter uma melhor educação no sentido mais
amplo e mais inclusivo. Mas não vale a pena atirar pedras ao mensageiro porque
este não trás as melhores notícias. Se devemos trabalhar também noutras dimensões,
não esqueçamos do alerta que o OCDE nos dá de que algo vai mal e merece ser
melhorado se quisermos ser um país mais independente, com cidadãos mais felizes
na sua relação aberta com o resto do mundo.
Finlândia a descer e Estónia
a subir
O caso da Finlândia é especial e tem sido muito estudado por ter sido a
campeã no primeiro exercício de avaliação da OCDE, o PISA 2000, com valores de
546 para a leitura, 544 para a matemática e 563 para a ciência. Muitos países
procuraram perceber o que havia de especial na Finlândia e gerou-se um
movimento de turismo educativo com múltiplas visitas de peritos e de políticos.
Em comentário aos resultados do PISA 2018, o governo finlandês congratula-se
com os bons resultados e fala dos 180 milhões de euros que irá gastar em 2020-22
no programa “Direito a Aprender”[1]
com objetivos de qualidade e equidade.
Ainda hoje a Finlândia é frequentemente apresentada como exemplo a copiar e
a sua 10ª posição neste último PISA justifica a atenção. Infelizmente, a
tendência foi sempre de perda desde o ano 2006, com os valores mais recentes de
520, 507 e 522. São bons, comparados com a média dos países, mas já bastante longe
da primeira posição e dos resultados iniciais que hoje parecem reservados aos
alunos das quatro províncias da China litoral. Para muitos, o que os visitantes
foram ver à Finlândia já não era o sistema educativo que tinha permitido a
transformação de uma sociedade pobre e com baixos indicadores de educação no
princípio do século XX na sociedade rica e com excelentes indicadores que hoje
conhecemos. Era antes, o resultado de um sistema muito seletivo de seleção de
professores e com um enquadramento bastante rígido do sistema nacional de educação
obrigatória que mantinha os seus efeitos devido à inércia social muito para
além do início de novas experiências educativas pela década de 1980. De facto, todos
concordam que os resultados educativos dependem primeiramente dos professores e
que a qualidade do trabalho destes depende mais do seu saber e consciência
profissional do que regras impostas exteriormente.
A nova estrela europeia é a Estónia e há sinais de que o turismo educativo
se está a desviar para este país báltico. Quando recuperou a sua independência
em 1991, a Estónia olhou para os vizinhos nórdicos como modelo para o alto
desempenho e a equidade na educação. Parece ter ultrapassado os mestres. A chave parece ser a universalização do
pré-escolar e sistema de escolas secundárias (entre os 7 e os 16 anos) onde se
espera que os professores consigam trabalhar com todos os alunos e garantir um
desempenho bastante homogéneo. O governo está atualmente a introduzir
progressivamente exames nacionais aos 10, 13 e 16 anos[2].
Há alguma preocupação com a renovação geracional dos professores nos próximos
anos num quadro em que os professores gozam de bastante autonomia e, portanto,
grande impacto nos resultados dos seus alunos. Apesar da sua homogeneidade, os pais
não deixam de poder escolher uma escola pública considerada de elite ou uma
escola privada subsidiada[3].
Apenas 5% das escolas são privadas. Mas a Estónia não se sente no fim da
história e tem em curso um importante pacote de reformas. Sendo um pequeno
país, sente que tem de se afirmar pelas capacidades dos seus cidadãos.
Na Escócia, os resultados PISA caíram em plena campanha eleitoral para
Westminster e a primeira ministra e o seu partido, o Partido Nacional Escocês,
foram castigados pelos resultados que ficaram aquém da ambição repetidamente
anunciada de “um sistema educativo escocês ao nível dos melhores globalmente”.
Os resultados vêm a descer desde 2006, deixando-se ultrapassar pela Inglaterra.
As consequências políticas foram imediatas, chegando-se a apontar a
independência escocesa como uma miragem e ridicularizando o que foi apontado
como a mais importante estratégia educativa do governo, levar os alunos de 5
anos a decidirem de que género são. Em alternativa, o governo escocês poderá
ter de se aproximar de algumas linhas estratégicas inglesas onde o sistema de
supervisão nacional do rendimento escolar dos alunos é fortíssimo e as escolas
têm sido progressivamente transferidas da esfera das autoridades locais para
novas “academias” ou outras figuras jurídicas autónomas.
Equidade, inclusão e justiça
A OCDE tem procurado avaliar e comparar a equidade dos vários sistemas
educativos aderentes ao PISA. A equidade é aqui tomada como a garantia de que
os resultados educativos são a consequência das capacidades, vontade e esforço
dos alunos, e não das suas circunstâncias pessoais. Só um sistema equitativo
garante a justiça social e a inclusão de todos, e deve assegurar que os mais
talentosos (e não os mais ricos) tenham acesso às melhores oportunidades
educativas. Só esta estratégia garante o melhor uso dos recursos
disponibilizados e os melhores resultados gerais em termos educativos e
sociais. O sistema educativo tem por objetivo dotar todos os alunos,
independentemente do seu ambiente social, com as capacidades necessárias para
atingirem o seu máximo potencial na vida social e económica.
Face à complexidade do conceito de equidade, ele é operacionalizado no PISA
pela avaliação da inclusão e da justiça. A inclusão refere-se ao objetivo de
que todos os alunos, com especial atenção para os oriundos de ambientes
desfavorecidos ou de grupos tradicionalmente marginalizados, tenham acesso a
uma educação de qualidade e atinjam um nível mínimo de conhecimentos e
capacidades. Justiça refere-se ao objetivo de remover obstáculos ao pleno
desenvolvimento do seu talento, especialmente daqueles que estejam associados
às circunstâncias económicas e sociais fora do controlo do aluno, tais como os
recursos educacionais da sua família e ambiente social.
Ainda que seja impossível desligar completamente os resultados educativos
das condições particulares do aluno, o PISA procura verificar se uma faixa
relevante da população de 15 anos terá adquirido as capacidades básicas para
participar plenamente na sociedade como indicador de que o sistema educativo
será suficientemente inclusivo. Por outro lado, a justiça é avaliada no PISA
pela verificação de que todos os alunos, independentemente da sua condição
particular (de género, etnicidade ou raça, estatuto socioeconómico, estatuto
migrante, estrutura familiar ou local de residência) têm oportunidades semelhantes
de sucesso escolar.
O PISA desenvolveu um índice do estatuto económico, social e cultural do
aluno, ESCS[4]
na sigla inglesa, que procura integrar as várias variáveis do ambiente familiar
recolhidas. O índice é padronizado para ter média zero e desvio padrão um para
a população dos países membros da OCDE, dando o mesmo peso a cada país. Para alguns países, a presença de uma
população imigrante importante e socialmente mal integrada poderá explicar os
valores elevados desta desigualdade. Noutros casos, estaremos perante
realidades em que as desigualdades do passado não estão a ser suficientemente
bem enquadradas e atenuadas pela escolarização mais longa que foi introduzida
nos últimos decénios.
A escola como elevador
social
A desigualdade de rendimentos per capita nos países da OCDE atinge
atualmente o nível mais elevado desde 1980[5]. O acréscimo da desigualdade não só
limita a mobilidade social, como ameaça o desenvolvimento das sociedades no
longo prazo e a confiança dos cidadãos na promoção por meritocracia. Na
educação, a relação entre o desempenho académico – em particular na leitura – e
os recursos facilitadores das aprendizagens a que os alunos tem acesso em casa
tem sido demostrada em vários países incluindo Portugal[6]. Alunos provenientes de famílias com
baixos rendimentos e baixas habilitações têm menor acesso a tais recursos
(livros, revistas, computadores, programas informáticos, acesso on-line, filmes
e música) do que os alunos provenientes de famílias mais favorecidas.
Adicionalmente, famílias com maiores habilitações académicas tem maior
probabilidade de apresentar um ambiente potenciador do desenvolvimento
cognitivo das suas crianças. É aqui que a escola pode ter um papel fundamental
na redução das desigualdades sociais, disponibilizando oportunidades
equitativas de aprendizagem a todos os seus alunos, independentemente do
estatuto socioeconómico e cultural das suas famílias.
Os dados do PISA 2018 revelam que, em termos globais, a diferença entre
alunos provenientes de estratos socioeconómicos e culturais (como avaliado pelo
índice ESCS do PISA) elevados e baixos é de 89 pontos (+ 2 pontos que em 2009).
A mesma diferença em Portugal é de 95 pontos, o equivalente a quase quatro anos
de escolaridade. Apesar de existir grande variação entre países, em média, 12%
da variação da literacia de leitura, (13.8% para matemática e 12.8% para
ciências) é explicada pelo ESCS. Este valor, é um indicador da capacidade dos
sistemas educativos para atenuar o efeito das desigualdades socioeconómicas e
culturais das famílias no desempenho dos seus alunos. Se o sistema educativo
conseguir compensar as desigualdades socioeconómicas e culturais (como avaliado
pelo ESCS) e assim promover a mobilidade social, então o efeito do ESCS sobre o
desempenho dos alunos será menor do que o observado se o sistema educativo não
conseguir atenuar este efeito.
Em Portugal, o poder explicativo do ESCS sobre os
desempenhos dos alunos em leitura é de 13.5%, valor que não difere
significativamente da média da OCDE, mas é consideravelmente inferior ao valor
de outros congéneres europeus como p. ex. a França, Bélgica, Alemanha e
Luxemburgo (17-18%). Valores semelhantes observam-se nos participantes sul
americanos. Macau é de todos os participantes do PISA 2018, aquele onde a
influência do ESCS sobre o desempenho dos alunos é a menor observada (1.7%).
Isabel Hormigo
João Marôco
José Ferreira Gomes
Publicado em https://www.iniciativaeducacao.org/pt em 12 de dezembro de 2019
[1] Ministry of Education and Culture, Finland, PISA 2018:
Finland has top readers, https://minedu.fi/en/article/-/asset_publisher/pisa-2018-suomi-lukutaidossa-parhaiden-joukossa, (consultado em 10 dezembro 2019)
[2] BBC, Pisa rankings: Why Estonian
pupils shine in global tests, https://www.bbc.com/news/education-50590581, (consultado em 10 dezembro 2019)
[3] International Education News, 10
Surprises in the High-Performing Estonian Education System, https://internationalednews.com/2017/08/02/10-surprises-in-the-high-performing-estonian-education-system/, (consultado em 10 dezembro 2019)
[4] Índice
ESCS (index of economic, social and
cultural status) é uma medida compósita que combina num único índice os
recursos financeiros, sociais, culturais e de capital humano disponíveis para
os estudantes. Este índice é derivado a partir de três dimensões chave:
habilitações académicas dos pais, ocupação profissional dos pais, equipamentos
culturais e educacionais em casa (e.g. número de livros, TV, internet, quarto individual).
No computo do ESCS todos os membros da OCDE foram ponderados. OECD
(2019), PISA
2018 Results (Volume II): Where All Students Can Succeed,
PISA, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/b5fd1b8f-en
[5] OECD
(2019), PISA
2018 Results (Volume II): Where All Students Can Succeed,
PISA, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/b5fd1b8f-en.
[6] Marôco, J. (2018). O
Bom Leitor: Preditores da Literacia de Leitura dos Alunos Portugueses no PIRLS
2016. Revista Portuguesa De
Educação, 31(2), 115-131. https://doi.org/10.21814/rpe.13768
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