Temos instituições de ensino superior suficientemente robustas para terem autonomia de gestão. E precisam de ter autonomia de gestão porque é essa autonomia que lhes dará maior eficiência e melhor eficácia. Sim a autonomia é uma prerrogativa constitucional das universidades. (Em 1976 não havia politécnicos...) Mas é bem preferível ver essa autonomia como instrumento para servirem melhor o país. Só este argumento justifica que a autonomia seja plenamente realizada e consolidada.
Nos últimos anos a autonomia tem vindo a ser progressivamente coartada. Só
tem autonomia quem tem meios de subsistência próprios e não tem de estender a mão
a pedir a mesada ao fim do mês. As nossas universidades e politécnicos já não
vivem da mesada (ou duodécimo) mensal. Dependem totalmente da semanada, só que
tem dia incerto e valor sempre dependente do pai tirano. Na perspetiva do poder
político, tudo tem corrido bem. Nem o Conselho de Reitores nem o Conselho
Coordenador dos Politécnicos têm levantado problemas. Dir-se-ia que estão
desaparecidos nalgum combate travado em parte incerta.
Organismos autónomos têm de dispor de um financiamento
regido por mecanismos transparentes e previsíveis. Os governos do Partido Socialista
sempre afastaram tal expectativa, mesmo quando criaram fórmulas que sabiam não
poder ser aplicadas. Neste ponto, o governo atual é mais honesto porque afasta
frontalmente a perspetiva de uma fórmula de financiamento. Prefere o seu poder
de negociação, caso a caso, no espaço reservado do gabinete. Recuamos ao século
passado quando cada Reitor tinha a prerrogativa de ser recebido pessoalmente por
Sua Excelência o Senhor Ministro para esmolar uns escudos para limpar a face da
sua universidade. A prenda recente dos 1,2 milhões para a Universidade dosAçores é o culminar deste processo com o ponto curioso adicional de envolver o
Governo Regional no tal reservado do gabinete. Não se compreende como esta
negociação tripartida é assumida publicamente. Sendo o Ensino Superior uma obrigação
do Governo da República, cabe-lhe tomar as decisões e esperar a avaliação nas
eleições seguintes. A presença do Governo Regional só faria sentido se ele
quisesse assumir alguma responsabilidade adicional, se quisesse associar-se ao
Governo da República para dar à Universidade dos Açores meios adicionais em
relação aos que lhe caberiam numa perspetiva nacional. Tal como a Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve pode (ainda que sob a tutela
de Lisboa) criar algum mecanismo de apoio à Universidade do Algarve para garantir
a sua melhor participação no desenvolvimento da região, também o Governo da
Região Autónoma dos Açores pode oferecer à Universidade dos Açores meios
adicionais para obter resultados que interessem às suas políticas regionais. Não
seria inédito que qualquer destes apoios se concretizassem. O que é inédito é
que o Governo da República assuma o favorecimento de uma universidade no quadro
da negociação com um Governo Regional. Previsivelmente, a Universidade da
Madeira aparece a queixar-se[i]
de tratamento discriminatório e
não se vê como lhe poderá ser explicada aquela atitude
casual e insensata.
As universidades dos Açores e da Madeira têm dificuldades próprias por
servirem regiões com cerca de um quarto de milhão de habitantes, dificuldades
ainda agravadas pelos incentivos existentes para que os seus jovens venham
estudar no continente (sem que haja mecanismos semelhantes para estimular a mobilidade
de compensação de jovens do continente). O Algarve, o Alentejo, a Beira
Interior e Trás-os-Montes têm problemas semelhantes, dentro das suas próprias
especificidades. Servem uma população insuficiente para alimentar uma grande
universidade e uma instituição mais pequena tem necessariamente custos unitários
mais altos e maiores dificuldades de afirmação. Estará o Governo agora disponível
para propor um mecanismo de financiamento transparente e equitativo em relação à
população portuguesa, tanto para os residentes na Serra da Estrela, como para os
da Ilha do Corvo? Desde que qualifiquem para tal, todos têm direito a ensino superior
universitário ou politécnico, conforme a sua opção. Em todo o mundo, a maioria
dos estudantes optarão por instituições próximas da sua residência, mas alguns deverão
ter condições para escolher instituições mais especializadas e de maior ambição
onde quer que elas estejam.
A autonomia das universidades é também cerceada pela decisão governamental
de financiar os investigadores através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Esta estratégia não só diminui as universidades na sua capacidade de definir e
prosseguir uma estratégia, mas também as desresponsabiliza pelas decisões de
recrutamento e avaliação desse pessoal. Chegamos assim a um sistema de
investigação profundamente distorcido com prejuízo dos mais jovens (e muitos já
não são de facto jovens!) e desfocado de objetivos nacionais ou institucionais.
Um caso único no panorama internacional! Sim, menos autonomia significa maior
desperdício de dinheiros públicos.
In: Jornal Público, 25 de fevereiro de 2020
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