[Uma versão encurtada foi publicado em Jornal Público - 26 de Dezembro de 2016, 6:51]
Defende-se a adoção de uma política de contratualização com as
universidades para a integração de investigadores nos seus quadros docentes,
mas isto só é possível depois de uma avaliação do desempenho científico de tipo
novo.
É geralmente reconhecido o envelhecimento dos quadros docentes
universitários enquanto os laboratórios fervilham com jovens investigadores
doutorados. A gestão corrente e a orientação estratégica das universidades são
muito determinadas pela corporação docente. As unidades de investigação são
também lideradas por docentes e, principalmente, por docentes seniores,
enquanto a grande maioria dos investigadores doutorados ativos são jovens com contrato
de bolseiro pós-doc ou contrato de trabalho sempre com um horizonte limitado no
tempo.
O governo tem apresentado vários instrumentos de incentivo ao emprego
científico e publicou um decreto-lei (57/2016 de 29 de agosto) com um novo
regime de contratação de invjestigadores doutorados que não parece ter agradado
a ninguém nem se vê como vai resolver este problema de precariedade. Para as
universidades e as suas unidades de investigação, o problema é o de integrar um
número maior de jovens investigadores com plenos direitos dentro da
instituição. Só assim poderemos fruir plenamente da criatividade e da
capacidade de inovação desta população jovem, internacionalizada e muito bem
treinada.
Muitos departamentos universitários mais dinâmicos têm mais de dois
investigadores doutorados por cada docente contratado. Não poderemos aspirar a
integrar todos estes investigadores, mas não seria difícil incorporar uma parte
significativa como docentes (ou investigadores) com plenos direitos e
obrigações perante a universidade. Não restarão dúvidas de que um tal
rejuvenescimento dos quadros universitários teria um impacto muito importante
na sua resposta aos novos desafios que se põem hoje ao sistema científico. Uma
boa gestão do pessoal docente poderá libertar os mais produtivos das cargas
docentes excessivas e rotineiras por períodos limitados.
Esta operação terá de ser feita com muito cuidado porque temos já hoje
um rácio docente / discente semelhante à média europeia (ou da média da OCDE) e
não poderemos baixar a eficiência global do sistema de ensino superior. Mas
deve ser claro que a renovação do corpo docente pela integração de um número
significativo de investigadores muito ativos irá fazer uma mudança qualitativa
na universidade. Teremos uma nova geração a tomar a iniciativa e bem preparada
para dar novas respostas aos desafios que se põem à sociedade. Provavelmente,
só com uma revolução deste tipo poderá a universidade portuguesa ganhar o ânimo
para satisfazer as enormes expectativas que todos depositam nela.
Como poderemos oferecer um contrato de carreira docente a uma parte
relevante dos investigadores que já hoje trabalham nos nossos laboratórios sem
correr o risco de vir a ter desequilíbrios financeiros graves nem baixar o
desempenho do sistema científico? A generalidade dos reitores são hoje pessoas
com um longo e bem reconhecido percurso de investigação. Conhecem bem as
necessidades do sistema, mas estão ainda muito dependentes dos interesses mais
imediatos da corporação docente e não dispõem de bons instrumentos de avaliação
externa para promover uma gestão da investigação mais distanciada desses
interesses. A experiência de muitos países europeus (Inglaterra, Itália, países
nórdicos) é que é possível criar esses instrumentos por uma avaliação que, de
forma transparente, consistente e estável, evidencie a relação entre as
decisões de gestão e os resultados da avaliação. Feito isso, as verbas já hoje
destinadas ao emprego científico poderiam ser melhor geridas pelas
universidades e teríamos um sistema mais criativo, produtivo e com melhor
resposta às necessidades da sociedade. Só então teríamos as decisões de
contratação (e promoção ou reposicionamento) das universidades e dos seus
colégios internos bem alinhadas com as estratégias nacionais. Os parceiros
institucionais perceberiam o seu próprio interesse em alinhar as suas decisões
com as estratégias nacionais.
No passado, as universidades sempre resistiram ao aliciamento pelos
responsáveis pela gestão da Ciência para que contratassem mais investigadores e
fizeram-no por muito boas razões. Tendo uma dotação orçamental quase sempre
“histórica”, mas percebida como proporcionada ao serviço docente prestado, não
podem correr o risco de assumir compromissos de muito longo prazo sem a
garantia de que terão meios para os satisfazer. Na visão aqui defendida, a
dotação institucional passaria a ter uma componente variável dependente do
desempenho científico seguindo um processo de avaliação regular. Haverá
certamente flutuações futuras desta dotação, mas não é previsível que o desempenho
de uma grande instituição sofra variações bruscas pelo que essas flutuações
virão a funcionar como alertas a convidar a uma resposta imediata de expansão
de algumas áreas e de contenção noutras.
Uma avaliação do tipo da que sempre foi adotada para as unidades de
investigação não dá garantias de rigor nem de estabilidade porque cada painel
de pares poderá legitimamente ter uma decisão muito diferente da que foi
assumida no exercício anterior. Toda a avaliação por pares sofre deste problema
e a correção que tem sido quase sempre usada de lhe sobrepor uma gestão mais
política das decisões finais ou dos processos de recurso tira-lhe o rigor, a
honestidade e a transparência que são exigidos para que produza os efeitos aqui
propostos. Para que a avaliação do desempenho científico da universidade possa
ser usada na gestão interna, é necessário que cada (pequeno) departamento
compreenda bem qual foi o seu contributo e como uma decisão sua pode vir a
afetar o resultado numa avaliação futura. Assim acontece nos países de
referência, mas não é o caso da experiência conhecida em Portugal.
Neste texto centramos a discussão na universidade, mas uma inflexão
política semelhante poderia ser aplicada aos institutos politécnicos.
Secretário de Estado do Ensino Superior no XIX Governo e do Ensino
Superior e da Ciência no XX Governo
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