quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O Ensino Superior Politécnico em Portugal

Resumo 
A função do ensino superior politécnico é cada vez mais reconhecida nas sociedades modernas onde a participação no ensino superior se aproxima ou ultrapassa já os 50% da coorte jovem. A recomposição do mercado de trabalho de graduados que tem ocorrido nos países desenvolvidos e também chegou já a Portugal cria novas oportunidades para os licenciados pelas instituições politécnicas na medida em que o cariz profissionalizante é mais valorizado pelos empregadores, pelos estudantes e pelas famílias. São discutidas várias estratégias que poderão ser seguidas para tornar mais transparente para todos os parceiros a natureza das várias ofertas de ensino superior, passando pelos mecanismos de acesso, pela proximidade das atividades profissionais e pelas atividades de investigação desenvolvidas pelos docentes e envolvendo estudantes.

Argumentário
A natureza binária do nosso ensino superior significa que temos dois tipos de instituições, classificadas como universitárias e politécnicas. Como na generalidade dos países, em Portugal o ensino superior desenvolveu-se a partir da velha universidade medieval, a Universidade de Coimbra (Lisboa, 1290) por (1) crescimento orgânico com mais alunos e novos cursos, pela (2) criação de novas universidades seguindo um modelo e perseguindo objetivos similares e pela (3) assunção de novas áreas de educação e formação anteriormente lecionadas no ensino não superior; adicionalmente, (4) algumas escolas de ensino não superior foram transformadas em instituições de ensino superior que se pretenderam de tipo novo para manter uma forte vocação profissionalizante e (5) foram criadas novas instituições deste último tipo. A Universidade de Coimbra manteve-se como única instituição com o estatuto de universidade em todo o império português até ao fim da monarquia, com excepção da universidade jesuíta de Évora, de 1557 a 1757. Com a expulsão dos jesuítas, Coimbra retomou o seu estatuto único e o Marquês de Pombal pôs todo o seu empenho e força política para a sua modernização. A rede pública de institutos politécnicos foi, no essencial estabelecida no início da década de 1980, na sequência dos apoios externos solicitados ao FMI e ao Banco Mundial.
Assim chegamos aos nossos dias com um sistema binário cujas limitações todos conhecemos, ao ponto de haver muitos observadores independentes que não reconhecem as diferenças ou o interesse público de manter e reforçar a diferenciação. Deve reconhecer-se que, em termos de visão estratégica, o ensino politécnico esteve quase sempre esquecido pelos decisores políticos ao longo de toda a sua história. (1) As marcas próprias do ensino politécnico foram sempre mantidas nos instrumentos legislativos fundamentais mas não foram criados mecanismos de acompanhamento e de verificação da sua aplicação. (2) Não foram criadas políticas públicas de desenvolvimento das instituições politécnicas em contraponto às políticas de desenvolvimento da investigação científica mais focadas na instituição universitária. (3) Se não foram desenvolvidas práticas suficientemente diferenciadas do ensino universitário e politécnico, também não foi bem estabelecido que áreas do saber deveriam estar em cada um dos dois subsistemas. (4) A carreira docente do ensino superior politécnico público acabou por convergir (em 2009) para um modelo muito próximo do universitário, vindo a dificultar o espaço de diferenciação. Por esta enumeração sumária deve concluir-se que a diferenciação entre o ensino universitário e politécnico não é impedida mas faltam os estímulos para que a diferença seja cultivada e percebida pelos estudantes, famílias e empregadores. A necessidade de diferenciação aumenta à medida que a população atinge níveis mais elevados de educação (ver figura[3]). Passámos de cerca de 2% da população maior de 15 anos com um grau superior em 1970 para 15,8% em 2015 e pode prever-se que atinja os 30% em 2050. Temos já hoje 40% da coorte de 20 anos no ensino superior e, com a introdução dos TeSP, a taxa de acesso saltará de imediato cerca de 5% para crescer depois a um ritmo mais alto pelo acesso de estudantes com o secundário profissional.
Embora alguns institutos politécnicos admitam mais estudantes em concursos locais do que pelo Concurso Nacional de Acesso, a enorme visibilidade deste concurso dá uma imagem negativa, de segunda classe, das licenciaturas politécnicas porque as primeiras preferências estudantis expressas neste concurso vão em geral para cursos universitários e sobram sempre muito mais vagas no ensino politécnico para serem depois preenchidas pelos concursos locais. É difícil compreender a existência de dois tipos de percursos educativos que se pretendem com objetivos diferentes e manter um único concurso de acesso que usa os mesmos critérios para seriar candidatos a universidade e a institutos politécnicos. Havendo objetivos diferentes e, presumivelmente, sendo necessárias competências e capacidades algo diferentes, deveriam ser usados instrumentos de seriação diferentes.
A oferta de ensino superior disponível aos estudantes que terminam o secundário deverá tornar-se mais compreensível para os candidatos e as famílias. Esquematicamente, é hoje composta por três tipos de educação superior.
  • TeSP, cursos de Técnico Superior Profissional. Melhor sintonizado com a via profissional do secundário, caracteriza-se pela entrada mais rápida no mercado de trabalho. Tem a duração de 2 anos, incluindo já um estágio profissional de 6 meses que deve preparar o estudante para a ocupação imediata do posto de trabalho.
  • Licenciatura politécnica[4]. Um ciclo de estudos de 3 anos com cariz profissionalizante que deve habilitar o estudante a entrar imediatamente no mercado de trabalho.
  • Mestrado Integrado ou Licenciatura universitária. O Mestrado Integrado tem a duração de 5 (ou 6) anos e habilita o estudante para um setor profissional específico depois de lhe dar uma formação básica e setorial próximas da fronteira dos conhecimentos. A Licenciatura universitária dá a formação básica numa área do conhecimento, habilitando o estudante a prosseguir estudos de Mestrado numa área conexa. Completados os 3 primeiros anos de um Mestrado Integrado, o estudante pode requerer o diploma de Licenciado que demonstra a posse de conhecimentos e compreensão numa determinada área de formação e as competências de aprendizagem ao longo da vida com elevado grau de autonomia[5].
Cada tipo de educação superior deve ocorrer num ambiente propício a uma experiência estudantil rica e focada nos objetivos desse ciclo de estudos. É isso que é exigido aos institutos politécnicos ao criarem TeSP, tal como as escolas politécnicas existentes em algumas universidades devem oferecer um ambiente de aprendizagem e uma experiência educativa próprios, bem diferenciados dos universitários.
Diplomas em 2014/15[6]
E. S. Universitário
E. S. Politécnico
Total
CET
1 003
4 058
5 061
Licenciatura
27 757
19 423
47 180
Mestrado
20 664
4 020
24 684
Doutoramento
2 351
0
2 351
Total
51 775
27 501
79 276


Os dados relativos aos diplomas concedidos pelas instituições de ensino superior em 2014/15 sugerem que a grande maioria (75%) dos estudantes que completam uma licenciatura universitária seguem para mestrado enquanto apenas 20% dos licenciados no politécnico seguem para mestrado. Esta conclusão pode ser precipitada (ou, pelo menos, exagerada) porque muitos licenciados politécnicos seguem para um mestrado universitário e muito poucos farão o percurso inverso. Esta análise abre a porta à discussão do objetivo do mestrado. Se no universitário, parece razoável pensar que assuma a função de complemento de formação mais focado que a licenciatura numa área profissional mais ou menos alargada, no politécnico a função terá de ser diferente porque a licenciatura já deve ser profissionalizante. Teremos de imaginar objetivos de aprofundamento e de especialização para a licenciatura politécnica, o que parece ser em geral confirmado pela oferta atual das instituições. Esta visão dos objetivos das licenciaturas e dos mestrados, universitários e politécnicos, pode fundamentar-se na legislação, em especial no regime de graus e diplomas (Decreto Lei nº 74/2006). No entretanto, essa fundamentação não é suficientemente explícita para que a A3ES (Agência de Avaliação e de Acreditação do Ensino Superior) tenha encontrado justificação para induzir uma diferenciação clara e bem compreensível entre os graus académicos do ensino universitário e do ensino politécnico.
Ao contrário da maioria dos países com sistemas binários, em Portugal, os docentes do ensino politécnico têm uma missão de investigação, mais exatamente, “realizar atividades de investigação, de criação cultural ou de desenvolvimento experimental” nos termos do seu Estatuto de Carreira[7] no setor estatal. O resultado é termos hoje a maioria dos docentes em dedicação exclusiva, o que criou uma importante bolsa de investigadores. Note-se que, no sistema estatal, temos cerca de 10 000 docentes universitários e cerca de 6 000 politécnicos. O Sistema de Ciência e Tecnologia (SCTN) construído nos últimos 30 anos, desde a nossa adesão à então CEE, sempre ignorou qualquer especificidade do ensino politécnico, encorajando os seus docentes a concorrer em associação ou em competição com os seus colegas universitários. Esta opção não poderia senão enfraquecer a diferenciação que a legislação do ensino superior procura afirmar.

Conclusões
Reconhece-se a necessidade de manter e reforçar a diversidade dos tipos de ensino superior atualmente existentes. O ambiente educativo criado pelas instituições deverá acompanhar e apoiar essa diversidade, o que recomenda a manutenção do sistema binário que existe em Portugal desde 1980 (depois de o caminho ter sido apontado em 1973).
Reconhece-se que a diferenciação institucional e a sua percepção por estudantes, famílias e empregadores é muito frouxa e só políticas activas de estímulo desta diferenciação permitirão que se atinja o objetivo sempre reafirmado.
De entre as áreas de atuação onde políticas de diferenciação devem ser consideradas parecem muito importante as seguintes.
  • Clarificação da diferenciação entre as licenciaturas universitárias e politécnicas;
  • Revisão dos mecanismos gerais de acesso às licenciaturas politécnicas e às licenciaturas ou mestrados integrados universitários que devem usar indicadores diferentes para medir o potencial do candidato para ter sucesso no ciclo de estudos a que se candidata;
  • Criação de mecanismos de apoio à investigação científica ou[8] “criação, transmissão e difusão da cultura e do saber de natureza profissional, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação orientada e do desenvolvimento experimental”.
O Ensino Superior Politécnico em Portugal
Apresentado no Encontro Nacional dos Politécnicos, FNAEESP, Valença, 29/out/2016
José Ferreira Gomes[2]
Universidade do Porto


[1] Apresentado no Encontro Nacional dos Politécnicos, FNAEESP, Valença, 29/out/2016.
[2] Página pessoal em http://www.fc.up.pt/pessoas/jfgomes/ e blog em http://maissuperior.blogspot.pt/.
[4] Nº 3 do Artº 8º do Decreto Lei nº 74/2006: No ensino politécnico, o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado deve valorizar especialmente a formação que visa o exercício de uma atividade de caráter profissional, assegurando aos estudantes uma componente de aplicação dos conhecimentos e saberes adquiridos às atividades concretas do respetivo perfil profissional.
[5] Art.º 5º do Decreto Lei nº 74/2006. 
[6] Elaborado a partir dos dados RAIDES15 da DGEEC, http://www.dgeec.mec.pt/np4/EstatDiplomados/ em 11 de outubro de 2016.
[7] Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico na redação que lhe foi dada pela revisão feita pelo Decreto-Lei nº 207/2009 de 31 de Agosto.
[8] No Artº 7º do regime jurídico das instituições de ensino superior, Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro.

sábado, 22 de outubro de 2016

Prémios Nobel 2016 - Fisica e Química

Física: Descobertas teóricas sobre as fases topológicas da matéria e as transições de fase topológicas,
David J. Thouless, F. Duncan M. Haldane and J. Michael Kosterlitz,
nascidos na Escócia, Inglaterra e Escócia, respetivamente.
Química: Desenho e síntese de máquinas moleculares,
JeanPierre Sauvage, Sir J. Fraser Stoddart and Bernard L. Feringa,
nascidos na França, Escócia e Holanda, respetivamente.

Mais uma vez, os prémios Nobel da Física e da Química vêm mostrar como o trabalho de investigação científica desinteressado que apenas responde à curiosidade humana no que ela pode ter de mais ambicioso, pode conduzir ao progresso do bem-estar da humanidade. Estas descobertas mostram os desafios apaixonantes que se mantêm em aberto para os físicos e confirmam que o sonho é o limite do que um químico pode fazer. O prémio Nobel da Física distinguiu o trabalho teórico, usando métodos matemáticos avançados para estudar estados da matéria diferentes do que nos é normalmente mais acessível. Supercondutores, superfluidos e filmes magnéticos são palavras que estão já próximo da nossa linguagem comum, mas que traduzem comportamentos estranhos por exigirem condições físicas de observação distantes das vigentes na nossa área de experiência direta à superfície da Terra. São desenvolvimentos em que o trabalho experimental no laboratório e o trabalho teórico com o uso de novos conceitos matemáticos ocorrem em paralelo. Os resultados ou conjeturas teóricas carecem de confirmação experimental, mas os resultados experimentais aguardam frequentemente uma interpretação teórica para que possam ser plenamente explorados. A topologia é uma área da matemática que estuda as propriedades do espaço que são preservadas sob uma deformação contínua, podemos dobrar ou esticar, mas não cortar ou colar. O interesse atual depende não só das aplicações já concretizadas, mas também da esperança de que estes materiais possam ser usados em eletrónica de novas gerações e até em futuros computadores quânticos. 

O prémio da Química reconhece a realização do velho sonho de comandarmos os movimentos das moléculas e de que estas realizem certas tarefas pela aplicação de energia. O comité Nobel distingue o passo inicial de Sauvage, em 1983, ao conseguir ligar duas moléculas em anel num chamado catenano (ver figura acima). É o facto de as duas partes se poderem mover, uma em relação à outra, que lhes permite executar uma tarefa. O rotaxano foi preparado por Stoddart em 1991. O passo final de criação do chamado motor molecular foi dado por Feringa em 1999. (Figuras adaptada de https://www.nobelprize.org.)

A figura mostra o automóvel de tração às 4 rodas preparado pelo grupo de Feringa em 2014. Com os 4 motores a funcionar como rodas, o chassis do automóvel avança no plano. Este dispositivo está hoje no estado em que os motores elétricos estavam na década a seguir às descobertas de Ampère e Faraday do electromagnetismo por volta de 1820, sendo impossível prever as suas aplicações futuras. Os chamados motores moleculares abrem possibilidades que hoje estão para além da ficção científica. 

José Ferreira Gomes, Editor-chefe
Revista de Ciência Elementar, Vol. 4, N. 2-3, pag. 4 (2016)
http://rce.casadasciencias.org/ 


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A Universidade Júnior – Um exercício de motivação

Foi-me pedido para descrever como foi possível montar uma estratégia de motivação da universidade para lançar uma iniciativa de acolhimento de alunos do básico e secundário que, logo no primeiro ano (2006), teve mais de 4000 jovens ocupados pelo menos uma semana de 40 horas durante o mês de Julho. O sucesso desta Universidade Júnior (https://universidadejunior.up.pt/) depende da adesão voluntária de centenas de docentes sem qualquer remuneração adicional.

A universidade é uma organização de peritos onde, naturalmente, cada docente/investigador persegue os seus interesses pessoais. Tradicionalmente, havia alguma disciplina na função de ensino que tinha de ser coordenada entre todos os docentes, mas uma total liberdade na definição dos objetivos individuais de investigação e na reunião dos meios necessários ao sucesso do percurso escolhido. Nos últimos decénios, a sociedade vem solicitando a universidade para a satisfação de necessidades sociais cada vez mais complexas e mantém-se em aberto a definição do melhor modelo organizacional para atingir objetivos tão diversos e até contraditórios. É bem conhecida a resistência dos docentes/investigadores a responderem a solicitações dos órgãos de direção porque sentem maior estímulo para alinharem a sua estratégia com os valores da sua disciplina do que com os que são assumidos como estratégicos para a instituição. À falta de meios para assegurar que uma estratégia definida centralmente é aceite e assumida por toda a instituição, a liderança vê-se obrigada a identificar as grandes linhas de evolução do universo dos seus docentes/investigadores e assumir como suas essas tendências.
A autonomia que a generalidade dos estados concedeu às universidades na segunda metade do século XX é, apesar da roupagem que pode assumir nos diferentes contextos sociais e políticos nacionais, uma autonomia funcional. Tem por único objetivo a melhor prossecução dos objetivos nacionais, reconhecendo o Estado que a gestão burocrática se tornou demasiado ineficaz. Analogamente, a autonomia de que cada agente beneficia internamente na sua relação com a organização tem de ser também entendida como uma autonomia funcional que produzirá melhores resultados do que uma impossível microgestão das múltiplas funções solicitadas a cada membro.
A orientação estratégica efetiva da universidade é feita por estímulos. O mais importante é o mecanismo de financiamento, estando as organizações universitárias muito bem treinadas na construção de respostas que maximizem o seu benefício. Na maioria dos casos, estes estímulos financeiros não têm reflexo num prémio salarial mas apenas nos meios humanos e materiais que permitem mais atividade e maior reconhecimento nacional e internacional dessa atividade.

Foi-me pedido para descrever como foi possível montar uma estratégia de motivação da universidade para lançar uma iniciativa de acolhimento de alunos do básico e secundário que, logo no primeiro ano (2006), teve mais de 4000 jovens ocupados pelo menos uma semana de 40 horas. O sucesso desta Universidade Júnior (https://universidadejunior.up.pt/) depende da adesão voluntária de centenas de docentes sem qualquer remuneração adicional. Algumas centenas de monitores são recrutados e treinados para acompanhar os jovens durante as suas 40 horas de permanência na universidade. As atividades oferecidas têm a componente lúdica necessária à motivação de jovens adolescentes em férias (Julho), sem desvalorizar uma prática escolar que é vista pelos docentes universitários como de motivação dos jovens para optarem pela sua área do conhecimento. As famílias têm de ver na experiência dos seus filhos um valor acrescentado que justifique o esforço logístico e financeiro (inscrição de 50€ para uma semana de atividades, no primeiro ano). Aos municípios próximos do Porto, foi proposta uma parceria em que eles apoiariam a participação de alguns dos seus jovens e, em muitos casos, responsabilizar-se-iam pelas deslocações pendulares diárias. Para os jovens de mais longe, foi criado um programa residencial complementar que é ativado entre as 17 horas de um dia e as 9 horas do dia seguinte com atividades lúdicas, refeição e dormida. Conseguiu-se o apoio do Exército que, como retorno, apenas pode esperar uma imagem positiva junto das centenas de participantes.


O sucesso da iniciativa que se mantém com ligeiras afinações por mais de 10 anos depende da motivação (não financeira) de vários parceiros que vêm de alguma forma satisfeito um interesse próprio. A dimensão do programa não poderia ser menor porque teria de ser comparável com o número de novos estudantes que anualmente são admitidos na Universidade do Porto. Para satisfazer as várias fases etárias, desde os 11 aos 17 anos, foram criados programas diferentes, todos ocupando as 40 horas semanais, mas exigindo tempos de atenção muito diferentes. Para os mais jovens, todos os dias há atividades novas decorrendo em ambiente diferente e até em locais diferentes da cidade. Os mais velhos têm já um objetivo mais exigente, um projeto que vão desenvolver ao longo de toda a semana.


Também se procurou satisfazer o diferente grau de motivação dos jovens, oferecendo escolas (normalmente de 2 semanas) com a natureza e a ambição de uma verdadeira Escola de Verão com aulas teóricas e práticas e o desenvolvimento de um pequeno projeto a ser defendido no último dia. Uma oferta diversificada consegue servir os interesses e as idades dos jovens com experiências pessoais diferentes. Os docentes assumem a coordenação de um programa de atividades e a formação de um monitor que põe todo o empenho e a disponibilidade para, frequentemente, a sua primeira experiência de “trabalho”. Os jovens encontram um espaço de aprendizagem em ambiente lúdico e o convívio com novos colegas em pequenas turmas de cerca de 14 alunos para 2 monitores. Este rácio permite o apoio individual nas atividades e o acompanhamento pessoal próximo que evita o risco de acidentes. Uma pequeníssima equipa profissional de montagem de todo o programa ao longo de vários meses e o apoio jovem no programa de alojamento são também a chave do sucesso.



A Universidade Júnior – O sucesso pela motivação dos parceiros
Apresentado na VII Jornadas Empresariais das Fundações AEP e Serralves, 20 de outubro de 2016, Auditório de Serralves, “Iniciativa e Realização”

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Ciência para todos

A Revista de Ciência Elementar está pensada como veículo de diálogo da comunidade de língua portuguesa interessada na Ciência e no seu ensino ou divulgação. O público alvo é primariamente o conjunto dos professores do ensino básico e secundário e todos os seus alunos, dos zero aos 18 anos! A Ciência é o sistema de compreensão do mundo. Como tal, fornece as ferramentas de que todos precisamos para compreender, apreciar e usar o ambiente em que nos é dado viver. O conhecimento científico resulta da acumulação do conhecimento que foi sendo adquirido pela observação, pela experimentação, pela crítica, pela identificação e correção de erros. Conhecemos documentação escrita desde 3000 a.C. na Mesopotâmia e desde 1500 a.C. no Rio Amarelo. A nossa civilização atual depende do conhecimento acumulado desde estas primeiras civilizações urbanas onde as mais valias extraídas da agricultura sedentária permitiram o ócio criador de cultura. Este número permite a troca de experiências muito ricas que devem estimular todos os leitores a ver melhor o mundo que nos rodeia e guiar os outros, especialmente os seus alunos, a criarem hábitos de observação crítica e aberta ao reconhecimento do erro e à sua correção. Jorge Canhoto faz a ligação entre a moderna clonagem de plantas e os métodos antiquíssimos de seleção e melhoramento. Numa linguagem simples mas rigorosa, explica-nos estas técnicas e permite-nos compreender a diferença entre um embrião zigótico e um embrião somático e a razão porque os nossos lavradores usaram estes últimos desde sempre. Luís Vítor Duarte leva-nos ao Faroeste Americano para nos ajudar a ver as paisagens exóticas mais surpreendentes. Nas suas palavras, estes lugares (ou, pelo menos, as suas imagens) satisfazem a nossa ânsia de experienciar sensações e permitem-nos ver a geologia como deve ser vista, “ao vivo e a cores”! Esta ânsia é comum a adultos e a jovens, a professores e a alunos. Todos partilhamos a curiosidade pelo desconhecido, todos nos encantamos com a surpresa. Mas podemos aprender a ir mais longe no encantamento pela beleza da paisagem e temos de aprender a ver mais fundo para apreciar melhor essa beleza. Luís Vítor Duarte explica-nos como a natureza pode moldar aquelas formas impressionantes. Esta compreensão só pode reforçar o nosso encantamento! Somos depois levados por Patrícia Costa a uma visita guiada ao Museu da ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico do Porto), uma escola de engenharia com fortíssimas raízes na história do ensino em Portugal. É herdeira da Escola Industrial do Porto, criada em 1852 por Fontes Pereira de Melo como instrumento para os “melhoramentos materiais” com que quis transformar o país. Tem um espólio valiosíssimo que evidencia o esforço de modernização do país na segunda metade do século XIX. As experiências partilhadas no “Gosto de Ensinar” são particularmente ricas e dão excelentes pistas para o trabalho dos professores que no dia a dia motivam os seus alunos de todas as idades para a forma como a Ciência enriquece a nossa forma de ver o mundo. Hélder Pereira leva-nos a bordo do JOIDES para percebermos o desafio de conhecer o mar numa recriação que se quer mais profissional e determinada mas igualmente bem sucedida das viagens exploratórias do interior africano de Capelo e Ivens no último quartel do século XIX. Manuela Lopes mostra como a paisagem na nossa vizinhança imediata pode servir de laboratório escolar para uma multiplicidade de observações, experimentações e aprendizagens. Cornélia Castro e Paulo Sanches partilham atitudes inovadoras para a sala de aula de Física e Química. A exploração das competências digitais dos mais jovens põe um desafio de adaptação ao professor que Cornélia Castro discute. A percepção das escalas espaciais e temporais é particularmente difícil e Paulo Sanches sugere uma forma simples de chegar aos mais jovens. Finalmente, a comprovada competência pedagógica de Carlos Corrêa leva-nos a revisitar conceitos de Química cujo uso corrente procura ultrapassar ou evitar a dificuldade conceptual, convidando os professores a uma reflexão mais aprofundada. 

José Ferreira Gomes, Editor-chefe
Revista de Ciência Elementar, ISSN 2183-1270
http://rce.casadasciencias.org/, Vol. 4 (2016), Nº 1, p. 5

domingo, 2 de outubro de 2016

Ensino Superior: Diversidade ou Hierarquização



Aparece inserido no último Estado da Educação do Conselho Nacional de Educação (http://www.cnedu.pt/content/noticias/CNE/Estado_da_Educacao_2015_versao_digital.pdf), um artigo muito oportuno de Hugo Figueiredo com o título "O sistema de ensino superior português à entrada da idade adulta: diversidade ou hierarquização". Conclui que "O sistema de ensino superior /.../ Deverá igualmente saber agora transformar o potencial científico que tem vindo a acumular em melhorias efetivas de produtividade promovendo, nomeadamente, maior articulação entre instituições de ensino superior e atores externos, sejam empresas ou mesmo outras entidades do setor público e terceiro setor. As estratégias de diversificação, nos moldes que fomos defendendo ao longo deste texto, poderiam ter um papel importante a desempenhar na resposta a ambos os desafios. Por um lado, na promoção de uma massificação de níveis de ensino superior assente em novos perfis de competências, com o potencial de reduzir desencontros de expectativas e gastos desnecessários de recursos. Por outro, na promoção de novos perfis de missão para as instituições de ensino superior, assentes em maior ligação ao meio, que podem em si mesmo ter um papel importante na criação de mecanismos de feedback no reconhecimento do valor dessa diversidade e aumento de procura destas instituições por parte de alunos e empregadores." Mas alerta logo de seguida que "O sistema de ensino superior português é já hoje, contudo, caracterizado por um elevado nível de hierarquização e desigualdade. A questão que se coloca é a de sabermos se esse nos parece um cenário inevitável, em vista dos vários incentivos que existem hoje presentes no sistema, ou se pretendemos promover um cenário alternativo de maior diversidade."
Portugal tem ainda uma desigualdade relativamente elevada em função do nível educativo (Education at a Glance, 2016), apesar de ter vindo a baixar ao longo dos anos.
Esta realidade pode ser vista como um atraso no desenvolvimento social e está muito provavelmente ligada à massificação tardia do nosso ensino superior e ao atraso ainda existente na universalização do secundário. Apesar desta tendência (ver fig. 7 do artigo citado de Hugo Figueiredo),nos anos mais recentes, os diplomados do 2º ciclo do ensino superior estão a segurar bem o seu prémio salarial. A opção do legislador de 2006, ao adotar a designação tradicional de licenciatura associada às antigas profissões (medicina, direito, engenharia, professorado) para o novo primeiro ciclo de 3 anos, pode ter causado alguma confusão que se mantém ainda no mercado de trabalho. O espaço ocupado pela nova licenciatura (de 3 anos) está ainda mal definido. Note-se que Portugal foi o único país europeu onde se optou por esta desvalorização do antigo padrão de educação superior! A França, de onde veio o impulso inicial para o que veio a ser conhecido como processo de Bolonha, manteve as designações anteriores, apenas adotando o termo "master" para o que ainda é apresentado como Bach+5, isto é diploma do secundário com 5 anos de educação superior. Assim conseguiu realizar o objetivo inicial do ministro Claude Allègre (1998) de garantir uma compreensão internacional dos seus graus académicos, especialmente dos concedidos pelas Grandes Écoles. Na Espanha, foi adoptada uma nova designação, simplesmente "grado", para evitar confusão com a antiga licenciatura que era semelhante à portuguesa (de 4 a 6 anos).
Numa interpretação excessiva e ineficaz da liberdade de construção do percurso educativo individual, evitou-se a diferenciação entre as (novas) licenciaturas focadas na continuação de estudos e as que assumem a entrada no mercado de trabalho como primeiro objetivo. Criou-se o conceito de mestrado integrado para as profissões universitárias mais tradicionais (com o Direito auto-excluído),  mas apenas nas universidades mais reconhecidas. Todas as outras licenciaturas universitárias ficam na situação ambígua de aparecerem como terminais com vista ao mercado de trabalho embora se acene quase sempre com o mestrado como complemento relevante. Os antigos bacharelatos politécnicos foram transformados em licenciaturas que se pretendem profissionalizantes pela missão atribuída às instituições mas sem uma etiqueta diferenciadora que as valorize no mercado de trabalho. Ao esconder a diversidade, valoriza-se uma hierarquização que é reforçada pelo peso da história institucional. Chegamos assim a uma diferenciação institucional que é mal compreendida por quase todos (http://www.fc.up.pt/pessoas/jfgomes/documentos/2011+/10ThesisHE(19Out12).pdf) e mal querida por muitos; a licenciaturas que ninguém sabe bem que objetivos assumem, nem estudantes ou famílias, nem  empregadores. E as instituições universitárias ou politécnicas evitam toda a palavra que possa clarificar esta ambiguidade pelo temor de que se estejam a desvalorizar aos olhos dos seus públicos.
Teríamos muito a ganhar se tornássemos muito claro que um diplomado com o secundário pode escolher uma de três vias de educação superior, dependendo da sua urgência de entrada no mercado de trabalho (e da suas preferências mais académicas ou mais vocacionais):
  1. um percurso de cerca de 3 semestres complementado com um 4º semestre de estágio de inserção profissional (TeSP) que o habilita para um posto de trabalho concreto;
  2. um percurso de 6 semestres que pode incluir estágio (Licenciatura Politécnica) que lhe permite a entrada num percurso profissional específico;
  3. um percurso de 10 (a 12) semestres que pode incluir estágio (Mestrado Integrado ou Licenciatura Universitária seguida de Mestrado) que lhe deve permitir a escolha de um percurso profissional.
Teríamos opções claras com a segurança de que o percurso pode ser ajustado em qualquer altura. Neste ponto as nossas instituições falham. Falham no secundário porque um aluno que queira mudar de via tem de o fazer a suas expensas, sem apoio da escola. Falham no superior porque, nem as universidades nem os institutos politécnicos, oferecem apoios à reorientação do percurso educativo nem dão a necessária ajuda para que o estudante possa construir o seu percurso individual com seriedade e sucesso. Em contrapartida, a flexibilidade formal é total e a mudança de percurso é quase sempre autorizada e até facilitada pelas instituições que aspiram a ter mais estudantes. Mudança de percurso sem apoio personalizado significa um alto risco de insucesso ou, e ainda mais pernicioso para o sistema educativo no seu todo, conduz a um facilitismo que mantém as boas estatísticas sem nunca ser evidenciado pelos reguladores. Os danos aparecem mais tarde na frustração do diplomado e no descrédito perante o público.
A disponibilidade de percursos de mais rápida profissionalização oferece também a possibilidade da reorientação profissional de ativos que viram esta utilidade dos TeSP logo no seu primeiro ano de implementação. De facto, um Mestrado deve ser visto como a especialização de um licenciado já profissionalizado (no politécnico) ou como um aprofundamento com eventual componente profissionalizante (no universitário). Seria desvalorizar este segundo ciclo se viesse a ser usado como instrumento de requalificação de ativos sem a especialização ou o aprofundamento esperado de um ciclo de estudos pós-licenciatura.


Na banda esquerda da menor diferenciação salarial (na figura acima) estão alguns países apreciados pelas menores desigualdades sociais. Apesar dos aspetos negativos e até dolorosos do abaixamento progressivo do prémio salarial dos diplomados, isto significa também o caminho para uma menor desigualdade e permite esperar uma melhor aceitação social de diversidade do ensino superior sem que isso seja percebido como uma hierarquização. É também em alguns daqueles países que a diversidade do ensino superior, oferecendo pelo menos os três tipos de percurso descritos acima, é mais bem aceite e está mais bem enraizada. Portugal é conhecido pela forte carga social (será ainda um privilégio?) associado ao uso do título de doutor ou engenheiro. Se a relevância social desta marca era compreensível quando menos de 5% detinham o título, ela é hoje ridícula quando nos aproximamos de 40% para as coortes jovens. O ensino superior manterá o seu mérito social pelo valor da experiência educativa que proporciona. Infelizmente, conhecem-se casos em que a etiqueta é procurada apenas pela marca social, o que tem levado a comportamentos desprestigiantes de algumas instituições de ensino superior.
Tem sido discutido na literatura (http://ejournals.bc.edu/ojs/index.php/ihe/article/view/8580/7712; https://www.brookings.edu/opinions/the-role-of-education-in-the-arab-world-revolutions/) o papel da educação na chamada primavera árabe, a série de protestos e revoluções iniciados em 2010 no norte de África e no Médio Oriente. Podendo haver perspectivas diferentes sobre a relação de causalidade, há acordo sobre algumas consequências do rápido crescimento da oferta educativa, especialmente na área da sua qualidade e relevância. Acresce que a economia não acompanhou a expansão do sistema educativo criando situações de frustração generalizada dos jovens cujas qualificações formais não permitiram construir um percurso profissional digno levando at grandes bolsas de desemprego. Muitos estudos recentes de organismos internacionais chamam a atenção para a necessidade de manter um equilíbrio entre a economia e a educação, especialmente no que diz respeito à expansão da educação superior e da sua relevância para a sociedade onde está integrada.
A manutenção ou até o reforço da diversidade exige que se mantenha um sistema plural mas é necessário que a sua percepção pública seja vista como tal. Historicamente, o subsistema politécnico é muito mais recente e é ignorado frequentemente no discurso público. Isso pode ser um sinal de que é percebido como estando num nível hierárquico diferente do universitário. Ao mesmo tempo, há sinais frequentes de uma deficiente perceção da diferença entre a sua missão e a das universidades. Entre os factores responsáveis por esta realidade poderemos identificar falhas de regulação e inexistência de políticas públicas de desenvolvimento da sua missão diferenciada. Entre as falhas de regulação, deve ser mencionada a falta de instrumentos legais que desenvolvam a sua missão, para além dos textos legais básicos, nomeadamente a Lei de Bases da Educação e o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). Se a missão de criação de conhecimento nas universidades se tem desenvolvido em função das políticas científicas desenvolvidas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), nunca existiu uma política diferenciada para o sistema politécnico. Não é fácil porque não há padrões internacionalmente aceites do que seja a excelência na investigação aplicada ou orientada ou das "atividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico (IC&DT) baseadas na prática e orientadas para a inovação nos setores produtivo e social", na formulação do recente concurso aberto pela FCT para "Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico em Institutos e Escolas Politécnicas". E não está garantido que esta dificuldade se resolva com a definição proposta, "Por atividades de I&D baseadas na prática entende-se investigação e desenvolvimento original que procura gerar novos conhecimentos através de uma prática, intervenção ou ação. Incluem-se as metodologias habitualmente designadas como action research, reflective practice, problem based learning e outras relacionadas com a aprendizagem baseada na participação." Será interessante ver como os painéis de avaliação vão interpretar estes objetivos, que ênfase vai ser dada à faceta didática e de desenvolvimento profissional associados a estes termos. Em Portugal, os docentes do ensino politécnico têm sido sempre incentivados a concorrer a projetos de investigação da FCT em competição com os docentes universitários e outros investigadores e são muitas vezes avaliados pelo sucesso na criação e transferência de novo conhecimento. Na generalidade dos países europeus e da América do Norte, os docentes das instituições de ensino superior não universitárias não têm mandato de investigação neste sentido da criação de novo conhecimento pelo que não é ainda claro que objetivo está a ser proposto agora em Portugal a estes docentes com uma carreira docente muito semelhante à universitária.