Celebramos hoje o 33º
aniversário da Universidade da Beira Interior, efeméride que vem recordar todo
um processo que se iniciou há quase meio século com a criação do ensino superior
na Covilhã e, depois, com a criação do ensino universitário. Interessa hoje
celebrar a consolidação conseguida e encontrar o caminho de sucesso para o
futuro.
Desde 1979 que temos o
encargo do serviço de ensino universitário na Beira Interior. Os anos mais
recentes têm sido difíceis. A posição de benjamim do sistema universitário não
justificou o afeto que outros pais dispensam aos seus mais novos. Pelo
contrário, a UBI foi forçada a uma entrada demasiado precoce na dura realidade
da idade adulta. A tendência das Finanças para trabalharem com orçamentos
históricos tem sido inimiga da UBI que cresceu e se afirmou depois da maior
onda de crescimento da procura de ensino superior. Esta realidade agravou-se
pelas dificuldades orçamentais decorrentes do crescimento anémico da economia
desde 1995. Esta realidade levou a sucessivos estrangulamentos no funcionamento
do ensino superior que atingiram a UBI de uma forma particularmente dura.
Ainda há dias, no
âmbito do debate eleitoral espanhol, se assinalava[1]
que nos últimos 10 anos o número de estudantes de 1º e 2º ciclo estagnou, só
crescendo (em 53%) o número de matriculados no equivalente aos nossos cursos
TeSP que hoje são já 35% dos estudantes matriculados no ensino superior. E as
universidades esperam a confirmação das promessas de todos os partidos de que
possam recuperar as quebras orçamentais do último decénio para o ensino e para
a investigação. Também o Presidente Macron[2],
no seu esforço de apaziguar a revolução amarela, promete criar condições para
aumentar a frequência universitária, mas destaca apenas a chamada educação ao
longo da vida e os ciclos curtos de dois anos.
Em Portugal
reconhecemos o desinteresse dos profissionais ativos pela chamada educação ao
longo da vida, mas ainda não temos um modelo que pareça servir bem esse
público. Terão de ser formações mais compactas porque os ativos não têm a
disponibilidade para estar na universidade a tempo inteiro, pelo menos por
períodos longos. E terão de ser formações mais próximas do exercício
profissional porque eles terão uma ideia muito clara do que procuram, seja para
uma requalificação ou para uma mudança de percurso profissional. Estas
condicionantes implicam o envolvimento de muitos formadores externos, não
académicos e implica o desenho de programas de formação mais curtos. Nalguns
casos, o ciclo curto de TeSP ou o mestrado podem atingir este objetivo, desde
que especialmente desenhados para tal; noutras situações, serão programas mais
curtos e ainda mais pragmáticos. Teremos de ver o que está a ser feito com
sucesso no mercado nos grandes centros e em áreas mais avançadas neste caminho
como é o caso da gestão. Mas temos de estar preparados para nos abrirmos mais e
trazer competências do exterior que tornem a formação imediatamente e
visivelmente útil. Isto que estou a defender para a educação ao longo da vida,
não deixa de ser verdade, em grau diferente, para os ciclos de estudos
conferentes de graus, 1º, 2º, ou 3º ciclo. Temos de expor os nossos estudantes
à realidade do exercício profissional e temos de mostrar às empresas e aos
profissionais o que a universidade lhes pode oferecer através dos novos
licenciados, mestres ou doutores.
As fortes constrições
externas não têm impedido o reforço da afirmação nacional e internacional da
UBI. Podemos contar com uma evolução orçamental favorável nos próximos anos,
mas temos de esperar que as pressões orçamentais decorrentes de programas de
emprego sem outro objetivo que não seja o próprio emprego não se tornem
dominantes e acabem por prejudicar as instituições menos afetadas por essas
medidas. Se o futuro financiamento seguir para as instituições que hoje estão a
ser obrigadas a fazer mais contratos deste tipo, a UBI estaria do lado
perdedor. Teremos de pugnar por um sistema de financiamento menos dependente de
uma componente histórica anterior à afirmação da UBI, mas também garantir o
dinamismo para criar atividade de investigação e transferência de conhecimento
que permita fixar na Covilhã mais pessoal.
A universidade nasceu
na Europa para formar os quadros superiores da Igreja e do Estado, adicionando
a formação das profissões liberais do direito e da medicina. Assim se manteve quase
até aos nossos dias. Só a explosão do pós-segunda guerra mundial abriu a universidade
à formação de pessoal para todos os setores de atividade e, principalmente, para
as organizações não estatais. É também da experiência de sucesso no esforço da
segunda guerra que decorre a decisão dos estados de assumirem um papel
crescente na investigação científica de cariz académico. Este impulso da
política norte-americana, primeiro de reintegração na vida civil dos soldados
desmobilizados e depois da competição técnico-militar, veio lentamente a
contagiar a Europa e, depois, o resto do mundo. Portugal seguiu este caminho,
sempre com um passo atrasado e só no início da década de 1990 encontrou o seu
lugar no quadro de uma Europa em integração social e económica. Assim
chegamos a um ensino superior que acolhe mais de 50% da coorte jovem para completar
um percurso educativo mais longo. Assim vamos construindo um ensino
superior mais diversificado que oferece percursos com objetivos muito
diferentes a jovens com ambições e sonhos também diferentes. Assim
exigimos ao ensino superior contributos mais variados, desde ensinar as bases
do conhecimento e da iniciação profissional, até lançar os estudantes no
caminho da inovação de produtos e processos.
No nosso afã de
perseguir as estatísticas de participação no ensino e da contagem de “papers”,
damos menos atenção ao desacerto entre as competências (skills em inglês) exigidas pela nossa sociedade e os resultados do
nosso sistema educativo. Este desacerto não tem sido muito evidenciado porque a
OCDE lança um olhar distante e responde (apenas) às encomendas dos seus
membros. Mas temos de ser realistas e constatar os dois grandes problemas do
nosso sistema educativo. De um lado, a excessiva faixa de jovens que sai
do sistema escolar com 18 anos e nenhuma certificação. (E não falemos de
algumas cerificações de utilidade duvidosa e desajustada da procura de mão de
obra.) Serão uns 20 ou 30% da coorte jovem que escapa às preocupações do
sistema educativo! Do outro, dentro do ensino superior, temos também
desajustes evidentes. Procuramos melhorar a qualificação dos portugueses, mas,
apesar de estarmos em pleno emprego, temos uma excessiva emigração jovem de
diplomados em muitas áreas. (A taxa de emigração de diplomados é análoga à dos
não qualificados!) O setor da nossa economia em maior expansão é o turismo, mas
muitos dos nossos licenciados em turismo escolhem a emigração! A mobilidade,
especialmente dentro do espaço da União Europeia, é um dado adquirido e a nossa
posição marginal (geográfica e economicamente) não nos dá esperança de ficarmos
do lado dos ganhadores. Mas temos de olhar para o problema na sua realidade
crua. O sistema educativo existe para servir os portugueses. Temos de ser mais
exigentes e atenuar o défice de mobilidade intraeuropeu e, especialmente, de
diplomados.
Vem esta digressão a
propósito do esforço que também a UBI tem de fazer dentro do quadro regulatório
em que vive para ocupar um lugar dianteiro em todas as suas áreas de serviço.
No ensino, é reconhecido o ambiente de trabalho sério que os estudantes aqui
encontram e este terá de ser um esforço permanente de todos, professores e
estudantes, mas também de gestores universitários e de funcionários. Na
investigação, o desafio de manter a UBI na 1ª liga nacional com alguma incursão
mais frequente no seio dos campeões europeus exige estratégias internas de
apoio e estímulo que terão de ser repensadas e reforçadas. Todo o ambiente,
desde as salas de aula aos espaços de investigação e de serviços, tem de ser de
estímulo à inovação. Esta é uma área onde todos temos de trabalhar para que as
instituições e os nossos diplomados sejam mais criativos e mais abertos à
mudança para seu benefício e para benefício da nossa sociedade.
Estudos sobre os
salários dos diplomados portugueses mostram que já é necessário ter um
mestrado, isto nas grandes médias, porque haverá certamente enormes diferenças
entre áreas de conhecimento e entre áreas profissionais. No Reino Unido, num
estudo oficial muito recente, a conclusão era semelhante (e note-se que lá não
houve processo de Bolonha!) e o governo veio explicar que “desde 2008 os jovens
graduados têm encontrado emprego em lugares de nível baixo ou médio de
qualificação devido à falta de oportunidades de alta qualificação”[3]. Esta
realidade oferece oportunidades às instituições que souberem satisfazer melhor
esta ligação entre um 1º ciclo de ensino superior e o mercado de trabalho.
Tipicamente, um 2º ciclo próximo da realidade da nossa economia sem deixar de
criar condições para um desenvolvimento posterior. Para algumas áreas de
educação e formação, o fim dos mestrados integrados (nunca bem explicado) vai
oferecer novos desafios, quer no desenho das licenciaturas, quer na
sintonização dos mestrados à ambição dos candidatos e à realidade do mercado de
trabalho. Não haverá dúvida que a competição por estes candidatos a 2º ciclo
vai ser muito dura e que a natureza universitária desta oferta educativa vai ser posta à prova.
Uma enorme vantagem de
vivermos numa universidade é que o ritual da vida se repete cada ano,
garantindo a perenidade da juventude. Cada nova geração chega com novos sonhos
e novas exigências, insatisfeita com o que os mais velhos vêm como sucesso de
batalhas passadas. Cabe à universidade oferecer cada ano aos seus novos
estudantes um desafio que os mereça. Mas a universidade é uma comunidade de
professores, investigadores e funcionários que se constitui em função de
objetivos sociais centrados nos seus estudantes. Cada ano temos de renovar o
voto de que iremos trabalhar melhor no sentido de satisfazer esses objetivos
que são os nossos, sabendo que não chega satisfazer os objetivos do ano passado
porque uma nova geração chegou e traz consigo a novidade que nos exige a todos.
Covilhã, 30 de abril de
2019
Discurso do Presidente do Conselho Geral na celebração do dia da UBI
[2] Conferência de imprensa de 25 de abril de 2019.
[3] The Department for Education analysis said this
fall provides some indication that “since 2008 young graduates have
increasingly found employment in medium- or low-skill roles, potentially due to
the absence of high-skill opportunities” , https://www.universityworldnews.com/post.php?story=20190426133619461
Sem comentários:
Enviar um comentário