quinta-feira, 9 de maio de 2019

O facilitismo chega às licenciaturas!








A imprensa[1] tem dado eco à inovação proposta pelo governo para uma nova via verde de acesso a licenciaturas: Anuncia-se que “o acesso ao superior já não implica exames”! Seria injusto, dizem, exigir aos alunos da via profissional exames de disciplinas que eles não tiveram. Como estes alunos optaram por um caminho que lhes dá acesso imediato à vida ativa, mas não lhes dá os conhecimentos básicos necessários para o ensino superior, opta-se por lhes oferecer um percurso alternativo onde esse desconhecimento será escondido: um concurso local que torna esta realidade invisível.
O critério de acesso deve ser a avaliação do potencial do candidato para ter sucesso no curso a que se propõe. A utilização dos resultados de uma via académica do secundário é a base da decisão em quase todos os países europeus. As classificações obtidas são uma medida imperfeita do potencial, mas não há melhor. Nos Estados Unidos, onde não há um currículo nacional único, a alternativa usada na admissão ao ensino superior é um teste geral (menos dependente de conhecimentos curriculares concretos) a que milhões de jovens se submetem anualmente. Uma avaliação local, caso a caso, é feita em muitas universidades como complemento àquele filtro inicial, mas com críticas frequentes de favorecimento a determinados candidatos ou grupos de candidatos. Exames de entrada específicos para os cursos mais competitivos também se tornaram mais comuns nos últimos anos.
O outro grande argumento é o atraso na taxa de qualificação dos portugueses residentes na faixa dos 30 a 34 anos, mas esconde-se que este atraso está a ser deprimido pela emigração dos graduados e os números apresentados não dizem a verdade toda. O Senhor Primeiro Ministro dizia há dias que não queria que todos os portugueses fossem doutores ou engenheiros, mas não é esta a política do seu governo. Pelos últimos números (2018, provisório), Portugal[2] terá 33,1% dos jovens de 30 a 34 anos com uma licenciatura. (Não há ainda diplomados de ciclos curtos elegíveis para esta contagem nos 30 a 34 anos.) Comparemos com os nossos vizinhos: Em Espanha[3] a taxa de diplomados é de 41,9%, mas apenas 28% com uma licenciatura. Os outros 14% saem com um diploma profissional superior equivalente ao nosso TeSP, Técnico Superior Profissional. Em França[4], 45,5% têm um diploma, mas apenas 32% saem do sistema educativo com licenciatura, enquanto que 13% obtêm o equivalente a um TeSP. E note-se que, quer em Espanha quer em França, a transição do ciclo curto para a licenciatura é possível, mas pouco frequente e difícil, muito mais difícil do que em Portugal.
A preocupação política nestes países é atenuar a frustração dos jovens licenciados que estão desempregados, subempregados ou só encontram emprego em área distante da sua formação. Como estes cursos mais curtos têm melhor empregabilidade do que muitas licenciaturas, a política oficial é aumentar a frequência destes ciclos curtos. Assim foi definido há dias pelo Presidente Macron na sua conferência de imprensa[5] de conclusão do debate nacional de resposta à crise dos coletes amarelos. Também o ministro inglês do ensino superior explicava recentemente a elevada taxa de subemprego de licenciados com a dificuldade de a economia criar suficientes empregos de alta qualificação nos últimos dez anos. E definiu[6] já a localização de 12 Institutos de Tecnologia com a oposição a criticar pela insuficiência da proposta. Esta nova rede de instituições fora já anunciada em 2016 com o objetivo de oferecer formação até ao nível 5, equivalente aos TeSP.
Nos últimos 10 anos, Portugal teve a maior quebra da OCDE[7] no prémio salarial dos licenciados. Num recente estudo inglês[8] financiado pelo governo, mostrou-se que a obtenção de um curso em certas áreas e em certas universidades inglesas tem um efeito negativo no salário médio dos jovens de 29 anos. Apesar de ainda ter um efeito positivo muito significativo no rendimento, na saúde e noutros aspetos da vida das pessoas, observa-se em muitos países uma tendência mais igualitária com diminuição do prémio salarial.
Sem a emigração de diplomados que continua muito elevada, já estaríamos a atingir o objetivo dos 40% de licenciados em 2020. O Governo adota agora a medida errada. Em lugar de incentivar a frequência dos cursos TeSP onde temos um enorme atraso, vai alimentar o facilitismo no acesso a licenciaturas para as quais estes alunos não estão preparados. Há já hoje sinais preocupantes de qualidade em licenciaturas onde a maioria dos estudantes não entra pelo concurso nacional de acesso com os padrões de exigência a terem de se adaptar à realidade dos candidatos aceites. A situação vai piorar com uma baixa do reconhecimento dos graus académicos no mercado de trabalho, prejudicando os socialmente mais frágeis. Para os outros, a rede social acabará por abrir as portas certas, bloqueando a ascensão social dos que dizem estar a defender.
A frequência de cursos TeSP tem crescido a bom ritmo para se tornar a opção de 10% da coorte jovem a breve prazo, aproximando-nos dos nossos parceiros e satisfazendo as necessidades de quadros intermédios bem reconhecida na nossa economia. A alternativa proposta pelo governo é esvaziar os cursos de TeSP para alimentar licenciaturas de má qualidade e imprestáveis no mercado de emprego.
Uma versão abreviada foi publicada no Jornal Público em 9 de maio de 2019



[2] Pordata, transcrevendo dados (2018, provisórios) da União Europeia, Diplomados do ensino superior, incluindo graduados e diplomados de ciclo curto na faixa de 30 a 34 anos: Portugal 33,1%; Espanha 41,9%, França 45,5%. https://ec.europa.eu/education/sites/education/files/document-library-docs/volume-1-2018-education-and-training-monitor-country-analysis.pdf, consultado em abril de 2019.
[3] OCDE, Education at a Glance 2018, first time graduates in short cycle.
[4] Les diplomes des sortans du système éducatif français em 2015: 13% Bac+2 et 32% Bac +3, 5, 8 = 45% um diplome. https://www.education.gouv.fr/cid57111/l-education-nationale-en-chiffres.html; https://www.letudiant.fr/educpros/actualite/de-plus-en-plus-de-diplomes-de-l-enseignement-superieur.html, consultado em abril de 2019.
[5] Presidente Macron, Conferência de Imprensa, 25 de abril de 2019.
[6] BBC News, 10 de abril de 2019, 'Institutes of Technology' to boost skills training, https://www.bbc.com/news/education-47866292, consultado em abril de 2019.
[8] Institute of Fiscal Studies, The impact of undergraduate degrees on early-career earnings, https://www.ifs.org.uk/publications/13731, consultado em abril de 2019.


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