É dia de anos. Dia de
festa para celebrar os anos passados e de luz para encontrar o futuro.
Homenageamos os que deram o seu melhor ao longo de uma vida profissional
dedicada. Homenageamos os mais promissores como exemplo para todos. De todos os
distinguidos, permitam-me uma palavra dirigida àqueles a quem foram hoje
impostas as insígnias doutorais. É o grau académico mais alto, o culminar de
uma longa formação académica em que foi elaborada e discutida uma tese. Nesta
formulação, a universidade e a vossa presença na universidade terão cumprido a 3ª
das funções do ensino superior no enunciado de Ortega y Gasset (1930), (a) a transmissão de cultura, (b) o ensino
das profissões (intelectuais) e (c) a investigação científica e a educação de
novos cientistas. Para Ortega e Gasset, cultura
é o sistema de ideias de cada época e a universidade atual não deve, não
pode abandonar a sua função original de transmitir a cultura, a cultura deste nosso
tempo, a cultura relevante neste nosso tempo. Não chega a competência técnica
em cada uma das disciplinas e subdisciplinas, mas é necessário atender ao
sistema de ideias deste tempo e fundamentá-lo na nossa história. Só
compreendendo de onde vimos, poderemos abrir caminho, construindo, mas também
prevenindo o futuro.
As condições de
funcionamento do ensino superior alteraram-se drasticamente. Em Portugal como
noutros países europeus, temos hoje cerca de 2% da população a chegar ao
doutoramento e 40% a obter uma licenciatura.
Há 50 anos, tínhamos cerca de 2% a chegarem a licenciatura. Aquando do
nascimento da UBI, estávamos na fase de mais rápido crescimento da procura de
ensino superior em Portugal. Vista retrospetivamente, a primeira década de vida
foi de procurar dar resposta a uma procura que parecia ilimitada e pouco
criteriosa. Com o aproximar do ano 2000 tudo mudou e esse crescimento exponencial
que se mantivera ao longo de quase todo o século XX termina abruptamente.
Esgota-se a capacidade de o ensino secundário científico-humanístico produzir
mais diplomados, avolumando-se o insucesso e o abandono daqueles que não
estavam talhados para o velho liceu.
Em 1836, no preâmbulo
do decreto com que pretende criar um liceu em cada sede de distrito, Passos
Manuel diz que representa o primeiro
protesto oficial contra a instrução secundária exclusivamente clássica e formal
e estabelece como objetivos (algo irrealistas):
a) Dar aos alunos uma educação nobre, própria de
cavalheiros, formando-os moral e intelectualmente;
b) prepará-los para a vida prática, isto é,
proporcionar-lhes uma cultura completa e adaptada à nova sociedade industrial e
científica e orientá-los para o desempenho de funções produtivas, isto é, para
as carreiras técnicas;
c) habilitá-los para frequentar as escolas superiores.
O sonho de Passos
Manuel teve uma vida curta e a realidade foi surgindo em formato diferente e a
passo muito, muito lento.
Os primeiros liceus
abriram apenas em Lisboa (1839), Porto e Coimbra (1840). Com a reforma de 1844,
abriram-se liceus em Évora e Braga (1845), e poucos anos depois em Santarém,
Viseu, Angra do Heroísmo, Funchal, Portalegre, Castelo Branco, Viana do Castelo,
Aveiro e Vila Real (1849/50). A abertura de novos liceus públicos era muito
lenta. No princípio do século XX, construíram-se três novos liceus em Lisboa.
No liceu do Porto, por exemplo, no ano letivo de 1842/43, apenas um único aluno
se matriculou. No ano letivo anterior, nenhum o fez. Em 1910 existiam em
Portugal 25 liceus oficiais (públicos).
Passos Manuel queria
ultrapassar a escola jesuíta que fechara já em 1759 com a expulsão da
Companhia, deixando o país completamente desprotegido. Destruída a rede
educativa pública mais importante que cobria todo o país e o ultramar, só muito
lentamente se começou a pensar em alternativas. O progresso fora pouco até 1807
e o caos dos 27 anos seguintes não permitiu grande avanço. Passados 77 anos
sobre o encerramento dos colégios, Passos Manuel tenta criar liceus sem ter
professores nem alunos. Depois, a Regeneração viu o progresso nos chamados
“melhoramentos materiais” dando pouca atenção à educação.
Veiga Simão faz, em
1973, a única reforma educativa da nossa história que foi pensada, discutida e
legislada com alguma serenidade e coerência. Mais de dois anos passaram entre o
seu anúncio inicial e a legislação que lhe deu corpo. Apesar de todo o
acidentado percurso político subsequente, a rede de ensino superior que hoje
temos não se afasta muito desse sonho inicial. Toda a reforma teve a
preocupação de manter uma oferta diversificada a nível básico e secundário e a
nível superior. No básico e secundário, a diversidade será em breve abandonada
e a controvérsia mantém-se até aos dias de hoje com a consequência de que temos
um abandono escolar precoce ainda elevado. No superior, a ideia de um sistema
binário foi retomada por volta de 1980, mas teve sempre um percurso difícil e
está hoje em vias de ser, de facto, abandonada.
A Covilhã é escolhida
para centro de ensino superior na reforma de Veiga Simão (há 45 anos!) e
recebeu os seus primeiros estudantes em 1975, mas veio a definir-se como
universidade a partir de 1986, passada a crise financeira de 1979-1983. Implantou-se
em plena fase de explosão da procura estudantil. Viveu as dificuldades do
nascimento e uma adolescência e juventude de sonhos quase todos realizados.
Cabe-nos hoje consolidar uma vida adulta em que se quer afirmar na região, no
país e no mundo, especialmente no mundo lusófono.
Estamos no primeiro ano
deste segundo mandato do Reitor António Fidalgo. Ele propõe-se “tornar a
Universidade mais Universidade”,
·
Dando um novo alento à vida
académica
·
Envolvendo mais estudantes,
docentes e funcionários
·
Estimulando mais o estudo
·
Dinamizando espaços comuns
·
Reformando serviços
·
Comprometendo mais a universidade
com a região e
·
Tornando-a mais cosmopolita.
Os desafios são grandes
num período de forte ajuste a novas condições externas. O número de candidatos
nacionais satisfazendo os altos padrões do Concurso Nacional de Acesso vai diminuir,
mesmo que o ensino secundário continue o seu trabalho de atrair à via
científico-humanística uma percentagem crescente da coorte. A gestão da
mobilidade estudantil dentro do nosso retângulo continental dificilmente pode
ser explorada a favor da Covilhã sem a existência de fortes políticas públicas.
As dificuldades acrescidas da mobilidade para Lisboa e Porto podem ser
relevantes, mas não serão suficientes. São necessários estímulos que, em termos
macro-económicos, serão compensados pela ocupação do território e pelo seu
crescimento económico. Para a universidade, resta a possibilidade de aumentar o
número de candidatos internacionais. O trabalho desenvolvido nos últimos anos
foi intenso e o sucesso merece ser aqui registado. Os riscos políticos de cada
região obrigaram a trabalhar em simultâneo várias geografias. É um trabalho
muito exigente porque cada região, cada país tem requisitos próprios e cabe à
UBI saber adaptar a sua oferta às necessidades dessas regiões. Temos de ser nós
a ir ter com os clientes e compreender até que ponto podemos satisfazer as suas
necessidades. A UBI tem sabido fazê-lo e é isso que explica um sucesso muito
acima da média. Temos condições para oferecer uma experiência educativa
agradável aos jovens que nos procurem de longe e muito competitiva face às
alternativas. A UBI tem mostrado que já sabe fazê-lo, mas tem de reinventar
todos os dias a sua estratégia.
Se a primeira condição
de sucesso está na sua oferta educativa de 1º e 2º ciclo, não poderá descurar o
3º ciclo e uma política de investigação determinada. Nesta área, a estratégia
da universidade e do seu reitor é importante, mas o sucesso depende muito mais
do trabalho autónomo de cada um dos professores e investigadores. Também aqui, estar
do outro lado da serra poderá representar uma barreira a ultrapassar, mas não
há desculpa para não ir mais longe. E os resultados estão aí. Em produção
científica (um indicador muito incompleto, mas é o melhor que temos – Scimago Institution Ranking – a UBI tem
subido regularmente para ocupar o seu lugar imediatamente atrás das 6 maiores
universidades da corda do Minho a Lisboa. O lugar não está garantido e todos
são chamados a contribuir.
Os últimos 20 anos
foram de contração do financiamento público do ensino superior e de crescimento
do financiamento da investigação em grande dependência das transferências
comunitárias. Vivemos hoje tempos de turbulência e incerteza quanto ao lugar
reservado para as universidades e para o seu pessoal docente e, muito especialmente,
para o seu pessoal de investigação. A tensão acumulada num sistema científico
oportunístico e não planeado levou a uma situação de alto risco para as pessoas
e as instituições. Com uma pressão orçamental crescente e um provável declínio
dos financiamentos comunitários, entramos numa era de enorme risco para o
status quo que conhecemos, mas também de oportunidades. É responsabilidade de
todos estarmos alerta para sabermos aproveitá-las.
Mas o País vai pedir
que o financiamento da investigação se traduza em resultados sentidos no
bem-estar de todos os portugueses. E os investigadores da UBI têm de ter isto
em consideração e ser capazes de usar os seus contributos inovadores de nível
internacional para produzir resultados económicos para a região e para o país.
Nesta área, o desafio é enorme porque a fragilidade do tecido económico é
reconhecida no país e, muito especialmente nas regiões do interior. Vamos
provar que estamos à altura do desafio!
Covilhã, 30 de abril de
2018
Discurso do Presidente do Conselho Geral na celebração do dia da UBI
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