Depois da extinção de
exames ao longo do ensino básico e secundário, assistimos agora à bem
orquestrada campanha contra os exames finais do secundário. E foi agora
anunciado (Público, 25 de março) que teremos um novo canal de acesso ao
superior para diplomados pela via profissional que foge àqueles exames.
Baixando a exigência e a
seriedade do sistema de certificação do sistema educativo estamos a destruir a
sua função de ascensor social e a alimentar o nepotismo. Os mais bem
relacionados ganharão. Os mais frágeis e marginais estarão condenados à
marginalidade definitiva. É esta a opção que vemos crescer nos dias de hoje.
Será este o resultado desejado?
O sistema de certificação académica existe
para dar pública prova da competência que determinada pessoa deve possuir para
o exercício de determinadas funções, seja a licença para o ensino ou para o
exercício da medicina. Há séculos que cabe ao Estado dar esta certificação,
direta ou indiretamente, e tem de o fazer de modo a garantir que é merecida a
confiança que o público deposita nos seus professores ou nos seus médicos.
É esta certificação exigente que sempre
permitiu a ascensão social na Igreja, no Estado e na sociedade àqueles que se
distinguiam no seu percurso educativo até à certificação final como licenciados
para o exercício profissional. Hoje, cresce o receio larvar de que os títulos
académicos já não tenham o valor “de antigamente”. Como em qualquer mercado, o
mercado de trabalho também depende da lei básica da economia, do balanço entre
a oferta e a procura. E a massificação do acesso à educação e ao ensino
superior tem naturalmente efeitos relevantes. Ninguém duvidará de que os padrões
de exigência se mantêm e que o médico de hoje se distingue mais do que outrora
do conhecimento médico do leigo. Isto porque de médico e louco todos temos um
pouco. O aumento da oferta educativa é uma exigência das economias modernas
para evitar que funcione como estrangulamento do crescimento económico. A
manutenção de padrões elevados de exigência na certificação é necessária para
que o público não desvalorize o título e venha a optar por um leigo bem-falante
com pretensões a competência não certificada. Um grande estudo estatístico
recente concluiu que, em Inglaterra, certos cursos e certas universidades
tinham um impacto salarial negativo aos 29 anos. O escândalo ainda não abateu,
mas temos de compreender o que se está a passar para evitar que os diplomas se
desvalorizem de facto ao ponto de os jovens abandonarem ou deixarem de sentir
que o esforço vale a pena. O sucesso do país e o sucesso das universidades e
institutos politécnicos que hoje conhecemos depende de serem bem conduzidos por
este caminho estreito de crescimento da oferta educativa e da participação
estudantil, mantendo o prestígio social e o reconhecimento da competência dos
seus diplomados.
Este argumento é muito simples e transparente,
mas não parece bem assimilado quando vemos a ligeireza com que se tomam algumas
decisões com forte impacto no nosso sistema educativo. Depois da extinção de
exames ao longo do ensino básico e secundário, assistimos agora à bem
orquestrada campanha contra os exames finais do secundário. E foi agora anunciado
(Público, 25 de março) que teremos um novo canal de acesso ao superior para
diplomados pela via profissional que foge àqueles exames. Argumenta-se que
seria injusto propor-lhes exames sobre matérias que eles não estudaram, ainda
que possam ser muito importantes para o percurso que se propõem seguir no
ensino superior. A solução é simples. No lugar do exame geral, vamos fazer um
exame em privado de modo que não seja muito visível que vamos admitir a cursos
universitários e politécnicos candidatos que estão muito longe de estar
preparados para isso. Dir-se-á que vão chumbar depois como acontece em França,
por exemplo. Mas não é esse o caso em Portugal onde a experiência está feita.
Havendo já alguns grupos de candidatos que podem entrar pela porta lateral, não
consta que as instituições onde eles dominam tenham maior insucesso ou abandono
(nem seria justo porque foram as próprias instituições a decidirem da sua
admissão). Só quando chegam ao mercado de trabalho é que temos empregadores a
queixarem-se ou a tomarem a decisão racional de optarem por outros. E os
preteridos vão engrossar a fila dos que são prejudicados pela proposta encantatória
de uma falsa certificação.
Temos instituições de ensino superior em
dificuldade para manterem cursos que deixaram de ser atrativos ou para simplesmente
sobreviverem face à queda demográfica, mas não pode ser este o caminho para
salvar as aparências no curto prazo e para desacreditar todo o sistema no médio
prazo. Temos certamente de oferecer pontes de ajuste de opções educativas que
podem ser repensadas, mas temos de fazer isto com seriedade e sem oferecer um
facilitismo destruidor.
E que tem isto a ver com o nepotismo? Uma
organização bem gerida e focada nos resultados, seleciona o seu pessoal com
base nas competências demonstradas e tendo em vista as tarefas propostas. Isso
exige um bom sistema de certificação de competências. Falhando este, voltamos a
velha prática de escolher os colaboradores entre os mais próximos de modo a
satisfazer expectativas legítimas, se não for público e notório que outros
fariam melhor. É este o caminho que estamos a trilhar. Baixando a exigência e a
seriedade do sistema de certificação do sistema educativo estamos a destruir a
sua função de ascensor social e a alimentar o nepotismo. Os mais bem
relacionados ganharão. Os mais frágeis e marginais estarão condenados à
marginalidade definitiva. É esta a opção que vemos crescer nos dias de hoje.
Será este o resultado desejado?
José Ferreira Gomes, Versão abreviada in Público, 8 de abril de 2019
Obrigado pela reflexão, muito oportuna. Os nossos governantes estão mais interessados no voto fácil. Depois os exigentes terão o dobro do trabalho para equilibrar a justiça social. Sinais dos tempos!
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