NOTÍCIAS DE
PENAFIEL | QUINTA-FEIRA, 13 ABRIL 2017
Esta semana
entrevistamos José Ferreira Gomes. Natural da freguesia de Bustelo, este Penafidelense,
apaixonado pela sua terra, é, desde 1985, Professor Catedrático
de Química na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Doutorado, em
1976, em Química Teórica pela Universidade de Oxford foi, em 2009,
cabeça de lista do PPD/PSD pelo Distrito de Bragança,
tendo vindo a tornar-se Deputado à Assembleia da República na
XI legislatura. De 1998 a 2006 foi Vice-Reitor da Universidade do Porto. De 27
de julho de 2013 a 29 de outubro de 2015 foi Secretário de Estado
do Ensino Superior. É, desde 6 de março de 2017, Presidente do
Conselho Geral da Universidade da Beira Interior.
Em traços gerais como classificaria o
ensino em Portugal?
Estamos marcados por um atraso na
percentagem dos nossos jovens que terminam o ensino secundário. A prática na
Europa, e já bem enraizada no século XX, é que a grande maioria dos jovens se
mantém na escola até aos 18 anos, mesmo nos países em que não é obrigatório
frequentar a escola até essa idade. O problema em Portugal é que a filosofia
dominante na segunda metade do século XX, em especial no período pós 1974, foi
uma filosofia de via única. A política oficial recaiu na valorização do Liceu
muito vocacionado para uma via puramente académica, abandonando todas as
alternativas. Em Penafiel, à semelhança do que aconteceu no restante país, o
Colégio do Carmo foi comprado pelo Estado. O sistema antigo, muito assente na
iniciativa privada, foi absorvido por um sistema público de via única. Não
existia alternativa para os jovens a quem um percurso mais académico não diz
muito. Este foi uma grande falha do sistema educativo. Em 2010, pouco mais de
50% dos jovens com mais de 18 anos obtinham o diploma final do ensino
secundário. Este atraso combate-se criando vias de ensino profissionalizantes.
O que aconteceu em Penafiel, a escola técnica ser fechada e integrada no ciclo
preparatório (via única), aconteceu em todo o país. Foi feito com a melhor das intenções,
mas, ao bloquear uma via mais profissionalizante no percurso educativo,
acabamos por expulsar da escola muitos jovens não encontram ali as respostas
adequadas às suas necessidades. À medida que o ensino se torna quase universal,
é necessário encontrar ofertas muito diversas que respondam às diferentes
necessidades e anseios dos alunos e das famílias. Nos últimos anos, tem havido
alguma recuperação. Mesmo nos chamados “anos da troika” houve uma grande
diminuição do abandono escolar. Na primeira vintena de anos deste século houve
um esforço no sentido de tentar recuperar uma certa diversificação do ensino.
No ensino superior aconteceu um processo algo semelhante: para poder acolher um
número crescente de jovens este está em franca diversificação.
Como avalia, até ao momento, a actual
direcção governativa no ministério da educação?
No ensino superior a postura de
diversificação impulsionada com a criação dos cursos de Técnicos Superiores
Profissionais, TeSP, em 2014 manteve-se com este Governo. Apesar de algumas
resistências tem-se avançado rapidamente nesse sentido. No ensino básico e
secundário existe uma oscilação ideológica muito prejudicial. Existe uma
corrente ideológica, ainda muito forte e condicionante, que defende e impõe a
existência de um modelo único de escola, de uma proposta única para todos os
jovens. Esta visão tem a intenção de não perpetuar diferenças que vêm de trás,
resultantes dos enquadramentos sociais de partida. O resultado já verificado é
que esta opção acaba por afastar muitos jovens da escola ou torna-la
irrelevante. Temos experiência de cinquenta anos disso em Portugal. Alguns
“tiques” das reformas dos últimos tempos vão no sentido da excessiva
uniformização. Quando se fala em reduzir os exames a um programa mínimo, isso
significa que vão ser reduzidos os incentivos a que um grande número de jovens
seja mais ambicioso que esse programa mínimo. O efeito é que os jovens com uma
estrutura familiar mais exigente vão optar por um percurso diferente fora do
sistema público. Com esta tendência escolar de diminuição da exigência para que
quase todos possam cumprir o programa, aquela faixa com menor possibilidade de
escolha vai ficar mais limitada. Uma estratégia com a intenção de proteger os
mais frágeis socialmente acaba por prejudica-los por não terem opção a uma
escola empobrecida. Temos que criar as condições para que as escolas ofereçam
um acompanhamento mais personalizado aos alunos, ajudando os professores a
acompanhar uma massa de alunos naturalmente diversa, mas reduzir a exigência é
contraproducente para muitos jovens que veem, assim, o seu percurso académico e
profissional tornar-se mais restrito e limitado.
Quais as principais dificuldades que
sentiu enquanto Secretário de Estado do Ensino Superior?
A minha experiência como Secretário de
Estado do Ensino Superior decorreu num período de enorme contenção financeira
da parte do Estado, até por imposição externa, e com alguma redução orçamental
para as instituições do ensino superior público. No essencial, esta situação
ainda se mantém. No entanto, considero que não foi esse o espartilho mais
difícil de gerir. O dinheiro por si só não resolve os problemas. No entanto, é
verdade que o nosso Ensino Superior público é relativamente barato em relação
às médias da OCDE. Para podermos ter resultados comparáveis com as médias
europeias temos, também, que ter orçamentos comparáveis. Na Irlanda, no período
da troika, houve uma redução de 30% no número de docentes, algo que em Portugal
não aconteceu. Entre nós, essa redução foi muito pequena e, atualmente, o rácio
docente/discente, em Portugal, é igual à média da UE. Portanto, excluído o
factor financeiro que considero que foi gerível, a maior dificuldade que senti
prendeu-se com a resistência à reforma. Isto foi muito claro na criação dos
TeSP mas também na construção de um modelo de financiamento por objetivos. O
nosso sistema educativo está a atingir uma fase que considero ser de
maturidade. O número de alunos no ensino superior estabilizou em 2000, é um
número que compara muito bem com o verificado noutros países (maior do que em
Espanha por exemplo). Existiu e existe um problema social relevante que se
prende com o desemprego de licenciados, não é um problema novo, mas que se
agravou nos anos da crise. Pensemos que as Primaveras Árabes, que tanta
esperança provocaram no Norte de África e no Médio Oriente, resultaram,
primariamente, de uma grande frustração por parte dos jovens, muitas vezes
licenciados por instituições de qualidade duvidosa, que não encontraram respostas
no mercado de trabalho face a um crescimento muito rápido na frequência no
ensino superior. Sociedades cujas economias não se encontrem em rápido
crescimento não permitem satisfazer as expectativas dos jovens. O objetivo da
política e dos governos, é fazer as pessoas felizes. A felicidade não se cria
gerando expectativas que não podem ser realizadas. Manter as expectativas altas
é fantástico, mas sem descolar da realidade. Respondendo à sua questão, a maior
dificuldade que senti foi a resistência às reformas que considero serem
necessárias no sentido de promover uma maior diferenciação no ensino que
permita uma resposta adequada e satisfatória a todos os alunos. Não deixando
ninguém para trás.
Como avalia a situação actual no seu
concelho natal, Penafiel?
Penafiel teve uma grande importância no
passado, difícil de compreender hoje em dia. A segunda metade do século XVIII é
marcante, mas o crescimento já fora rápido no século anterior. Se a subida a
cidade é um “acidente” da política do Marquês de Pombal contra o Bispo do
Porto, a verdade é que isso traduziu-se num impulso para a economia, para uma
certa manufatura artesanal que existia na altura e uma dinâmica comercial muito
forte. A feira de S. Martinho tinha uma importância verdadeiramente nacional.
Era um espaço de excelência onde os artesãos estabeleciam o seu comércio. Essa
importância perdeu-se durante a segunda metade do século XIX. Terminada a
guerra civil, Penafiel não conseguiu dar o salto da industrialização, ainda que
modesta, que outras regiões deram. As indústrias de fiação de tecidos, tão
típicas em concelhos vizinhos, não foram capazes de se implantar em Penafiel.
Manteve o pendor agrícola, mas a agricultura perdeu o seu peso relativo na
economia nacional ao longo de todo o século XX. Existem alguns casos de sucesso
de propriedades agrícolas que souberam dar a volta e apresentar produtos de
qualidade para a exportação, mas são poucos e insuficientes.
Presentemente, a realidade de Penafiel é
indissociável do facto de ser um concelho muito próximo do Porto. Pode ser um
centro de desenvolvimento complementar ao Porto, potenciado pelas boas vias de
comunicação existentes. Penafiel pode ser, ainda, um centro de comércio
importante em toda a região do Tâmega e Sousa. Numa época de rápido processo de
diversificação dos destinos turísticos, a Rota do Românico deve ser potenciada
ao nível nacional e internacional. Numa região muito alargada, Penafiel tem a
vantagem competitiva de ser, dentro da rede concelhia do Liberalismo, aquele
que se centra numa cidade que vinha já do século XVIII. A proximidade do Porto
e os serviços que o Porto oferece, sem as pressões urbanas típicas das grandes
cidades, são sempre aspectos muito positivos a considerar e procurados por
empresas modernas. Dito isto, uma região é sempre o resultado daquilo que as
suas populações forem. Uma estratégia de desenvolvimento da terra tem,
forçosamente, que estar associada à correspondente estratégia educacional. Aí
Penafiel tem que recuperar algum atraso nomeadamente no referente ao abandono
escolar precoce, ainda relativamente elevado. Penafiel tem que ter uma
estratégia de fixação de vias profissionais e educacionais adaptadas à
realidade económica da região. Cerca de 60% dos jovens, média nacional, não vai
frequentar a universidade. Esses necessitam de respostas, de âmbito regional,
ao nível de um ensino profissional ajustado às suas necessidades, às
necessidades da economia local e à estratégia de desenvolvimento. Esta ligação
entre a oferta educativa e a estratégia de desenvolvimento está a ser feita com
a criação dos TeSP mas tem de ser reforçada e ser corrente também nas opções
profissionais terminais do secundário. Há aqui oportunidades para Penafiel já
que a rede de oferta desta nova fileira de ensino superior vai ser mais densa e
mais ajustada às necessidades regionais.
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