O governo publicou recentemente um relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior elaborado por um grupo de trabalho liderado pelo Prof. João Guerreiro. Antes de avançar para uma discussão de propostas inovadoras numa área tão sensível socialmente e tão importante para o futuro dos nossos jovens, interessa analisar bem e compreender os elementos recolhidos no relatório apresentado. É um trabalho extenso e de grande valor, mas poderá deixar algumas dúvidas ou prestar-se a interpretações incorretas da realidade atual em Portugal e nos países nossos parceiros mais imediatos.
A. Quadro 1: População (30-34 anos) com formação superior.
Na leitura deste
quadro deve ter-se em atenção que, na média da OCDE, 22% dos estudantes que
recebem um primeiro diploma de ensino superior o fazem com um ciclo curto e
que esta percentagem é de 37% em Espanha, 8% no Reino Unido, 19% na Dinamarca,
52% na Áustria, 27% na Austrália e 41% nos Estados Unidos. (Education at a
Glance 2016. Note-se que, devido à recente alteração da classificação ISCED,
nem todos os países adaptaram já a sua recolha de dados.) Como, até à criação dos
TeSP em 2014, não havia nenhum diploma de ciclo curto de ensino superior em Portugal
a nossa posição irá ter uma significativa alteração quando o impacto da criação
destes cursos se fizer sentir na faixa etária dos 30-34 anos. Esta simples correção será de pelo menos 5% na fase inicial.
B. Quadro 8: Jovens que frequentam o 12º ano e terminam o ensino secundário
A percentagem de uma coorte
de 18 anos que termina o secundário vem a subir lentamente, tendo passado de 62% em
2011 para 74% em 2015. Metade desta subida deve-se aos cursos
científico-humanísticos (CH) que passaram de 34% para 40%, uma subida de 1,5% ao
ano. De acordo com a
OCDE (Education at a Glance 2016, com dados de 2014), a média da taxa de
diplomatura do secundário é de 85% na OCDE e 86% na UE22, sendo 74% em Espanha.
O nosso valor de 40% (ou 41% como consta na tabela da OCDE) para os cursos
gerais compara com 54% na OCDE e 49% na UE22, sendo de 53% em Espanha, 54% em
França e 48% na Alemanha. O nosso valor de 34% para as vias vocacionais fica
muito abaixo dos 46% para a média da OCDE e 50% para a UE22, mas próximo dos
29% de Espanha. Acresce que os cursos profissionais têm crescido muito
lentamente. Daqui parece poder-se concluir que é de esperar que a via CH continue a crescer lentamente mas de uma forma sustentada, enquanto algumas da vias mais vocacionais crescem rapidamente para satisfazer a maioria dos jovens que hoje são obrigados a manter-se na escola até aos 18 anos.
C. Figura 2: Alinhamento das classificações internas
As classificações internas atribuídas ao longo do percurso escolar e as classificações das disciplinas com exame são usadas de diversas formas para formar a classificação de candidatura ao ensino superior na seriação feita no Concurso Nacional de Acesso (CNA). Para os alunos internos da via CH, a classificação final de uma disciplina com exame é formada pela média da classificação interna (peso de 70%) e da obtida no exame (30%).
Nas disciplinas com exames, vários estudos
da DGEEC têm detetado desvios sistemáticos significativos e persistentes entre as classificações
internas e as de exame, com uma tendência (crescente até 2014) para divergência
positiva em várias escolas da região do Porto. Apesar de poder estar já a ocorrer
uma correção desta divergência pelo simples facto de ela ter sido divulgada e de ter havido uma intervenção da Inspeção Geral da Educação, é
óbvia a dificuldade decorrente da utilização de classificações internas para a
seriação nacional dos estudantes.
As variações entre
as distribuições das classificações dos exames nacionais em anos diferentes são também muito significativas e tornam a sua comparação injusta (ou impossível). A
comparação entre as distribuições das classificações de 1ª e 2ª chamadas são
ainda mais difíceis porque, para além da provável variação da “dificuldade” do
teste proposto há ainda uma variação da população que se apresenta. De facto, a
população estudantil que se apresenta à 1ª e à 2ª chamada é diferente porque a
escolha do aluno pela 1ª ou pela 2ª chamada não é aleatória. Daqui resulta que a comparação não pode ser
feita. Apesar do esforço de calibração dos testes que é provavelmente feito
pelo IAVE, uma boa calibração não é possível com testes públicos onde as
perguntas não podem ser repetidas.
É impossível
estabelecer critérios “justos” para a seriação de alunos que tenham seguido
vias diferentes do ensino secundário. Não se pode dizer se os critérios usados
para os candidatos oriundos dos Cursos Artísticos Especializados ou dos Cursos
Profissionais são ou não justos e tem havido alterações à medida que as pressões
dos grupos de interesse se manifestam. O mesmo se pode dizer dos alunos
oriundos de sistemas de ensino secundário estrangeiros, especialmente relevantes
para as escolas estrangeiras a oferecer educação secundária em Portugal e para os alunos dessas escolas que se candidatam a cursos muito competitivos.
Para os
contingentes especiais, estamos provavelmente a admitir implicitamente um
regime de excepção com provável vantagem relativa, mas assumida como tal.
D. Anexo 10.2: Prosseguimento de estudos dos alunos dos cursos profissionais
Os mapas mostram, especialmente, o maior dinamismo dos institutos politécnicos de algumas regióes do país a cativar por todos os meios alunos que
terminem o secundário, também pela via profissional.
E. Anexo 10.3: Normalização das classificações dos exames (Matemática A)
A tabela é
sintomática do efeito da normalização proposta e de algumas consequências não explicitadas. Em 2014, cerca de 63% dos alunos tiveram uma classificação negativa. Perto de metade destes passaria a ter nota positiva se fosse adoptada a normalização proposta. 2015 foi um ano "melhor" mas, ainda assim, 1/3 dos 46% com nota negativa passariam a positiva pela normalização. Este exercício é feito tendo especialmente em vista o acesso às engenharias (e a alguns cursos científicos). Na
outra disciplina relevante para estas áreas, a Física & Química, a situação deve ser similar. O resultado da intercessão dos resultados destas duas disciplinas é
que uma normalização deste tipo irá produzir sempre um grande aumento do número de
candidatos potenciais às engenharias e uma
diminuição do número de candidatos a outros cursos. O resultado será uma
deslocação de candidatos de politécnicos para universidades.
Infelizmente, não é discutida a aplicação da normalização à 1ª e à 2ª chamada de uma mesma disciplina.
Presumivelmente, defende-se a normalização dos resultados de cada prova mas não
está provado que as populações que se apresentam às duas chamadas sejam
homogéneas (amostras aleatórias de um mesmo universo.) Provavelmente, iríamos
favorecer os que se apresentam a 2ª chamada e teríamos muito mais alunos a optar pela 2ª
chamada.
Uma boa calibração entre diferentes testes exigiria que estes não fossem divulgados como acontece nos testes “americanos”. Nestes, apenas são divulgados os posicionamentos relativos, depois de feitas as correcções estatísticas mas sempre com grandes universos de candidatos que se possam considerar estatisticamente homogéneos.
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