quarta-feira, 5 de abril de 2017

A ciência portuguesa está de boa saúde?

A ciência portuguesa está de boa saúde?

Seria anacrónico continuar a avaliar a saúde da ciência portuguesa apenas pelo número de artigos publicados. Este é um indicador inicial de atividade, mas nunca um objetivo. Infelizmente, no nosso caso, o indicador é bom, mas o objetivo está muito longe de atingido. Os nossos trabalhos têm ainda pouco impacto e há um enorme atraso na capacidade de valorizar o trabalho científico produzido.
A Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) acaba de publicar as estatísticas da produção científica portuguesa em 2015 e a comparação com a dos nossos parceiros europeus. (Estes são os dados mais recentes porque há um atraso considerável entre a publicação nas revistas de circulação internacional e a sua referenciação nas duas bases de dados internacionais disponíveis para este fim, a Web of Science e a Scopus.) A DGEEC utiliza a Web of Science. Teremos ultrapassado em 2015 pela primeira vez a média da União Europeia do número de artigos científicos publicados por milhão de habitantes!  Tínhamos ultrapassado já a Alemanha em 2014, a Espanha em 2013 e a Grécia, a França e a Itália em 2012. Os cientistas portugueses merecem os parabéns por este feito e têm de partilhar esta alegria com a sociedade portuguesa que lhes criou as condições para chegarem, neste aspeto, ao convívio da Europa. Uma novidade absoluta na nossa história!
Estamos bem na comparação com os países do sul da Europa: estando Portugal marginalmente acima da média da União, a Espanha fica-se pelos 91%, a França e a Itália nos 84% e a Grécia nos 75%. Dos países forçados a recorrer a auxílio financeiro externo, fomos o único a não perder cota de produção. Mesmo a Irlanda, que tem um sistema científico particularmente eficiente, não conseguiu evitar uma queda que se manifesta a partir de 2010. (Note-se que, no caso irlandês, os cortes foram feitos em 2008 com uma quebra do pessoal docente universitário de mais de 20%.) Estes resultados vêm comprovar que foi de facto possível proteger o sistema científico durante o período de intervenção externa e que a visão alternativa de que o sistema científico estaria a sofrer gravemente não passou disso mesmo, de um facto alternativo que não sobrevive à verificação independente!
Mas a celebração não deve obscurecer uma realidade mais complexa. Em especial, temos de reconhecer que, se o número de artigos publicados já atingiu um nível confortável, o impacto destes artigos na comunidade internacional é ainda limitado. Segundo os últimos dados disponibilizados pela DGEEC que se referem às publicações em 2010-14, estamos abaixo da média da União Europeia em quase todas as áreas com a exceção de 6 das 22 consideradas pela Web of Science. Sinal desta realidade é a posição modesta de Portugal na seriação pelo número de publicações entre as 10% mais citadas. O quadro síntese do European Innovation Scoreboard 2016 evidencia a nossa posição confortável (acima da média europeia) no número de doutorados anuais e um baixo desempenho em publicações de grande impacto. A generalidade dos indicadores relacionados com a presença das empresas e o emprego em áreas inovadoras fica muito aquém das médias.
Fig. Portugal ocupa a 4ª posição no número de novos doutorados anuais e a 29ª de 36 países no emprego em atividades de conhecimento intensivo. [http://ec.europa.eu/growth/industry/innovation/facts-figures/scoreboards_pt]
Estes dados apontam muito claramente o que a ciência portuguesa conseguiu depois de 30 anos de esforço e deixam pistas para a definição das políticas de consolidação. Indicadores manifestamente positivos são o número de publicações e o número de novos doutorados; temos de progredir no impacto (medido pelo número de citações) das publicações e em tudo que se relacione com a valorização dos resultados da investigação.
Se o país conseguiu proteger o investimento público em I&D, o mesmo não aconteceu com o investimento privado que baixou consideravelmente. Quem tenha observado o desaparecimento de grandes empresas nas áreas de telecomunicações e financeiras não ficará surpreendido com aqueles resultados. O aparecimento de pequenas empresas de base tecnológica não terá ainda permitido a retoma do investimento privado em I&D, talvez por elas serem ainda muito dependentes dos fundos públicos.
A formação doutoral continua muito fechada dentro da investigação académica e poucos serão os jovens doutorandos que imaginam um futuro profissional no setor privado. Embora tenhamos um setor público de ensino superior bem equipado com pessoal doutorado, mesmo acima de outros países mais ricos, a penetração no setor empresarial privado é ridiculamente baixa. Talvez por culpas dos dois lados. De um lado, os doutorados não saberão apresentar-se a um empregador privado e demonstrar o seu valor potencial para a empresa; do outro, os gestores empresariais não saberão o que poderão ganhar com uma tal contratação. Esta realidade é bem compreensível se atendermos a que muitas empresas de pequena ou média dimensão só muito recentemente começaram a contratar licenciados (ou mestres).
Não tenhamos dúvida de que o retorno do investimento que o país tem feito na formação doutoral depende de criarmos condições para que a maioria dos novos doutores ponham o seu saber e competências a render no setor privado. Assim acontece nos países que fizeram este caminho mais cedo. Se cerca de 50% dos nossos jovens chegam já ao ensino superior e talvez uns 80% destes saiam com um diploma, não é exagerado termos 2,5% da coorte a seguir até ao doutoramento. Mas temos de saber orientar essa formação avançada para atividades fora do setor público e fora do setor de ensino superior. Será aí que a maioria vai construir o seu percurso profissional e vai obter o retorno do enorme investimento inicial feito num longo percurso educativo.
O aumento do impacto da ciência que se faz entre nós exige uma reforma do SNCT (Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia). O que temos vem dos anos de 1980 quando dávamos os primeiros passos e a atividade científica era quase desconhecida nas nossas universidades. Seria imperdoável que hoje não mantivéssemos a sustentabilidade das nossas instituições de ensino superior e não fôssemos muito seletivos na escolha dos melhores para assumirem as responsabilidades como docentes de carreira e assim levarem o país a outro patamar na sua capacidade de inovação social e empresarial. Infelizmente os sinais legislativos mais recentes vão numa direção muito diferente.
[Dados estatísticos em http://maissuperior.blogspot.pt/2017/04/a-ciencia-portuguesa-esta-de-boa-saude.html]
Publicado em 05abr2017 http://observador.pt/opiniao/a-ciencia-portuguesa-esta-de-boa-saude/



segunda-feira, 3 de abril de 2017

Mais de 11 500 alunos frequentam cursos superiores profissionais

TRÊS PERGUNTAS A JOSÉ FERREIRA GOMES
“Politécnicos de Lisboa e Porto não estão a cumprir a sua missão”


O ex-secretário de Estado do Ensino Superior José Ferreira Gomes critica os dois maiores institutos do país por não terem apostado nos cursos técnicos superiores profissionais (TeSP), lançados por si em 2014. As mudanças introduzidas pelo actual Governo também lhe merecem reservas. Estes cursos não podem ser ‘desnaturados’, avisa.
Qual é a mais-valia de um curso TeSP para os estudantes? Será a alta empregabilidade destes cursos. Ainda não a conseguimos avaliar, porque os TeSP estão ainda no seu início, mas nestes cursos um aluno sai mais rapidamente para o mercado de trabalho e com uma garantia de emprego muito mais alta do que a de um licenciado. Isto acontece porque estes cursos estão muito sintonizados com o mercado de trabalho local. Por outro lado, o ensino secundário tornou-se obrigatório e, dentro de pouco tempo, 30 a 40% dos estudantes que terminam o secundário terão feito um curso profissional. Pela natureza dos seus percursos, nem todos estes alunos vão querer fazer uma licenciatura. Os TeSPp são uma solução excelente para aqueles que terminam o ensino profissional e querem ir um pouco mais longe. Um curso profissional prepara para um posto de base no mercado de trabalho, enquanto o TeSP prepara para uma posição de direcção intermédia.
Era possível ter feito as coisas de forma diferente para evitar o arranque a “meio-gás” dos Tesp em 2014/15? O decreto-lei foi aprovado com algum atraso, mas também houve — e ainda há — resistências de algumas instituições. O número de inscritos que agora é conhecido é excelente e vai ao encontro do que tínhamos projectado, que são cerca de 10 mil diplomados por ano. Mas este número podia ser maior. Lisboa e Porto são as duas cidades onde se concentra a maior parte da procura no ensino superior, mas onde, nos TeSP, a oferta se centra quase só nas instituições privadas. Os politécnicos de Lisboa e Porto [o do Porto tem TeSP fora da cidade, no pólo de Felgueiras] não estão a cumprir a sua missão como instituições públicas. Quando o fizerem, os números serão ainda melhores.
O actual Governo facilitou o acesso dos diplomados dos TeSP a uma licenciatura. Concorda com a mudança? É uma alteração que pode desnaturar estes cursos. Os TeSP não devem ser vistos pela população como uma ponte para o ensino superior. Se assim for, perdem a sua natureza e torna-se pouco útil o estágio que faz parte da formação e que serve para a aproximação do estudante com o mercado de trabalho. É correcto que um estudante que termina um TeSP possa passar a uma licenciatura, mas tornar isso o normal é mau. Por um lado, nem todos estes estudantes vão estar devidamente preparados para entrar numa licenciatura, e, por outro, a sociedade portuguesa precisa destas qualificações intermédias. Se visse passar mais de 20% dos diplomados dos TeSP para licenciaturas, seria motivo de preocupação.

domingo, 2 de abril de 2017

A ciência portuguesa está de boa saúde - Dados estatísticos

Recolhem-se aqui alguns dados estatísticos de apoio ao texto em http://maissuperior.blogspot.pt/2017/04/a-ciencia-portuguesa-esta-de-boa-saude_5.html
e em http://observador.pt/opiniao/a-ciencia-portuguesa-esta-de-boa-saude/

1. Publicações científicas na União Europeia
2. Dados recolhidos do  European Innovation Scoreboard
3. Quadro sumário do European Innovation Scoreboard 2016

1. Publicações científicas na União Europeia

Extraído de

Número de publicações* indexadas na Web of Science por milhão de habitantes** nos vários países da União Europeia: 2005, 2010 e 2015
Web of Science (Science Citation Index - SCI)
Consultado em 02-abril-2017
2005 2010 2012 2013 2014 2015
Alemanha 1,0346 0,9999 0,9818 0,9681 0,9600 0,9652
Áustria 1,2436 1,2868 1,2666 1,2723 1,2977 1,3323
Bélgica 1,4086 1,4235 1,4206 1,4297 1,4440 1,4280
Bulgária
Chipre 0,4207 0,7129 0,8552 0,9342 0,9396 0,9311
Croácia
Dinamarca 1,8903 1,9689 2,1025 2,1391 2,2691 2,3580
Eslováquia 0,4141 0,4831 0,4695 0,4619 0,4835 0,4761
Eslovénia 1,1741 1,3573 1,5038 1,4681 1,4092 1,3696
Espanha 0,8124 0,8894 0,9255 0,9222 0,9290 0,9106
Estónia 0,6281 0,8408 0,9206 1,0040 1,0612 0,9573
Finlândia 1,7661 1,6590 1,6334 1,6397 1,7334 1,6975
França 0,9739 0,9194 0,8465 0,8364 0,8196 0,8391
Grécia 0,8247 0,8961 0,8033 0,7649 0,7503 0,7475
Holanda 1,6101 1,6625 1,7407 1,7322 1,7293 1,6580
Hungria 0,5600 0,4796 0,5038 0,4990 0,5165 0,5353
Irlanda 1,5549 1,6762 1,6794 1,6664 1,6363 1,5723
Itália 0,8239 0,8338 0,7979 0,8174 0,8083 0,8397
Letónia 0,1629 0,1748 0,2252 0,2310 0,2423 0,2760
Lituânia 0,3056 0,4965 0,5413 0,5089 0,5463 0,5460
Luxemburgo 0,4416 0,9077 1,1116 1,3043 1,4482 1,3419
Malta 0,1780 0,2599 0,3903 0,4643 0,4619 0,5187
Polónia 0,4185 0,4780 0,4691 0,4693 0,4881 0,5462
Portugal 0,5800 0,8074 0,8997 0,9538 0,9685 1,0034
Reino Unido 1,4123 1,2915 1,3447 1,3444 1,3161 1,2398
República Checa 0,6545 0,8026 0,7896 0,7809 0,8479 0,8918
Roménia
Suécia 2,1086 1,9152 1,9389 1,9564 1,9889 1,9820
Total - Rom-Croá - Bulg 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000

Quadro com o número de publicações por milhão de habitantes, relativo à média da União Europeia (excluindo a Bulgária, a Croácia e a Roménia por não haver dados para todo o período.)




2. Dados recolhidos do  European Innovation Scoreboard
Portugal ocupa a 4ª posição no número de novos doutorados anuais e a 29ª de 36 países no emprego em atividades de conhecimento intensivo. 




3. Quadro sumário do European Innovation Scoreboard 2016:


domingo, 26 de fevereiro de 2017

Precários da Ciência



Não podemos aceitar propostas de “concursos à medida” que prometem, anos mais tarde, novos “concursos à medida”. Não é honesto por não dar iguais oportunidades a todos. Com esse caminho, vamos incentivar a mediocridade.

O Governo tem-se desmultiplicado em estudos, propostas e anúncios de contratação de investigadores para resolver o problema da precariedade dos investigadores. Se, por um lado promete resolver quase tudo e quase de imediato, pelo outro vai avisando que se trata de um problema europeu... Para bom entendedor, fica o aviso. A solução final foi um decreto-lei (57/2016) dito de “estímulo ao emprego científico” que logo exigiu uma longa série de FAQs (Frequently Asked Questions) divulgadas pela FCT para serem retiradas da visão pública quando se tornaram incómodas. (Que segurança podem ter os investigadores com a informação que veem publicada na página da FCT?)
Todos temos consciência de que os incentivos à formação de doutorados criaram em Portugal o hábito saudável de muitos jovens prosseguirem a sua educação superior para além do mestrado. Quando temos já uns 2% da coorte a chegar a doutoramento (ou mais de 10% dos mestres) exige-se uma mudança de mentalidade. O doutoramento deixou de ser um primeiro passo para uma vida académica (de docente ou investigador) para ser uma última etapa educativa com vista à entrada na vida profissional ativa a um nível mais elevado e com expectativa de uma remuneração melhor. Assim acontece nos países que passaram mais cedo por esta fase do seu desenvolvimento, mas não se regista nenhum esforço estruturado para dizer isto aos nossos jovens. Não há nenhum esforço consistente para que o “ciclo de estudos” que conduz ao doutoramento seja reorientado no sentido de abrir aos seus graduados novos percursos profissionais. A sociedade nunca recrutara doutorados (fora do espaço do ensino superior e dos Laboratórios do Estado) e mantém-se o desencontro entre as expectativas dos recém-doutorados e dos seus potenciais empregadores.
Como poderemos esperar resolver o problema da inserção dos doutorados com propostas que substituem uma forma de precariedade por outra que não lhes permite a afirmação plena do seu potencial?  Temos de lhes dar uma oportunidade real de mostrarem que são a elite intelectual e disciplinada de que o país precisa para retomar um ritmo de crescimento económico que satisfaça a expectativa de sermos parte ativa de uma Europa de sucesso.
Na esfera pública ou dependente de financiamento público, é preciso ter a coragem de reformular o nosso modelo institucional, começando por um mecanismo de avaliação que sirva de guia estratégico às instituições. Feito isso, poderemos criar condições para que as universidades ofereçam contratos permanentes a muitos dos investigadores que lá trabalham hoje, fazendo concursos sérios para escolherem os melhores. Não podemos aceitar propostas de “concursos à medida” que prometem, anos mais tarde, novos “concursos à medida”. Uma tal proposta não é honesta por não dar iguais oportunidades a todos os que estarão disponíveis para dar o seu melhor esforço às nossas instituições. A ser seguido esse caminho, vamos incentivar a mediocridade e agravar de forma definitiva o “inbreeding” de que nos queixamos há decénios.

[In Jornal Sol, 24 de fevereiro de 2017]

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Emprego científico ou pirâmide insustentável?



Muitos dos bolseiros atuais com mais de três anos de pós-doc deveriam beneficiar imediatamente de um programa de contratação como docentes de carreira para afirmação plena na vida académica.

O Decreto-Lei nº 57/2016 começa por se propor a nobre missão de estimular a contratação de doutorados para logo estabelecer, "desde já, a obrigatoriedade de abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados nas instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, em que os bolseiros de pós-doutoramento exerçam funções há mais de três anos, seguidos ou interpolados." Rapidamente se chegou à conclusão de que esta boa intenção ia ter um custo que não poderia ser suportado pelas universidades nem pelas instituições privadas sem fins lucrativos que vivem no seu perímetro nem a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) poderia acudir a todas as dificuldades. Sem vacilar, o Governo segue em frente e a dá uma ajuda com uma peculiar lista de FAQs e tenta limitar os danos com uma lista bolseiros doutorados financiados diretamente pela FCT há mais de três anos consecutivos à data de 1 de setembro de 2016 onde exclui aqueles que tiveram interrupções da bolsa. Tão sério e nobre objetivo vale bem uma ou duas dezenas de milhões de euros. Só que rapidamente todos se dão conta de que isto só adia o problema por três ou seis anos e que é preciso ir mais longe.  O Bloco e o PCP chamam o decreto-lei ao Parlamento e agora o próprio Governo anuncia e o PS submete uma emenda que não só elimina a exclusão criativa da FCT dos bolseiros com três anos interpolados mas vai mais longe e mandata as instituições para, seis meses antes do termo do hexénio de contrato, abrirem um novo "procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior". Em resumo, os pós-doc  com três anos de bolsa vão ter um concurso à medida para um contrato de seis anos e, no termo deste, têm já garantido um novo contrato à medida para integração na carreira de investigação ou na carreira docente.
Temos um plano em que um pequeno (relativamente) desvio da utilização imediata de fundos de investigação para transformar contratos de bolseiro em contratos de trabalho vai criar uma bola de neve em que os cerca de 2500 doutorados anualmente têm a legítima expectativa de ter direito a uma bolsa de pós-doc de três anos a que se segue um contrato de trabalho de seis anos e finalmente um contrato de investigador ou docente em funções públicas! Havendo hoje perto de 15000 docentes doutorados nas universidades e politécnicos públicos (e um número residual de investigadores) propõe o Governo o crescimento exponencial futuro por tempo ilimitado à taxa de 15% ao ano! Todo este otimismo enquanto declara que o orçamento do ensino superior não poderá crescer e o orçamento público da investigação rebenta já por todas as costuras face às pressões anunciadas regularmente.
Não é honesto alguém prometer aquilo que não pode dar! Dificilmente pode dar no muito curto prazo mas seguramente não pode honrar no médio prazo. A situação de muitos bolseiros que se arrastam ao longo de anos e até de decénios com bolsas e contratos a três ou seis anos é injusta, improdutiva e desnecessária. Numa sociedade estabilizada como já é a nossa, o destino maioritário de um doutorado não é a vida académica. O doutoramento é o 3º ciclo da educação superior com vista à realização pessoal do estudante e à satisfação das necessidades da sociedade. Só uma fração irão exercer funções no sistema público de ensino superior e de I&D. Todos sabemos isto e temos de construir um percurso educativo e de inserção pós-doutoramento que tenha em vista esta realidade. Assim acontece na generalidade dos países desenvolvidos; assim vai acontecer entre nós. Infelizmente, não somos o único país onde a inserção de doutorados fora da academia se está a dar a um ritmo mais lento do que a sua graduação com a consequência de uma pressão doentia para o prolongamento de pós-docs ou contratos de trabalho sem perspetivas de permanência.
O rácio docente discente em Portugal é já hoje muito próximo da média da OCDE  (e da UE15) pelo que não é de esperar um crescimento rápido no futuro. Se contabilizarmos todos os doutorados em atividade, muitos departamentos universitários têm rácios próximos dos praticados em Oxford ou Princeton. Temos de dar a alguns destes doutorados que já deram provas da sua competência e competitividade científica internacional as condições para afirmação plena na vida académica. Isto só se consegue com lugares de docente de carreira com a intenção de reforçar o desempenho científico desse departamento. Muitos dos bolseiros atuais com mais de três anos de pós-doc deveriam beneficiar imediatamente de um programa de contratação deste tipo. Isso exige um ajuste do modelo de gestão do sistema científico que tem sido seguido. Mas a estabilização dos investigadores que já deram provas da sua competência exige esse esforço.

Publicado em Observador, 24 de janeiro de 2017
http://www.fc.up.pt/pessoas/jfgomes/