sábado, 12 de julho de 2025
A Democracia no Educação Superior
Todos aguardam que o atual Ministro da Educação, Ciência e Inovação retome o impulso reformador que caraterizou o seu curto mandato anterior. Na educação básica e secundária, já atingimos um abandono precoce comparável ou melhor do que a média europeia. O desafio é agora melhorar a qualidade porque se sabe que o importante não é o número de anos de escolarização, mas o que se aprende na escola. Tendo a União Europeia adotado como indicador o teste internacional PISA, a proposta é recuperar as perdas registadas desde 2015. O objetivo é simples, mas obriga à inversão das políticas de abolição de exames, já iniciada, e de baixa ambição curricular, que levaram às perdas já verificadas no desempenho dos jovens de 15 anos.
No superior, assume-se a revisão do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) de 2007, uma iniciativa arriscada num parlamento ainda muito segmentado. Neste início de legislatura, as condições políticas são favoráveis, aproveitando o impulso das recentes eleições legislativas e o “estado de graça” de um ministro muito popular no anterior governo. O ponto mais discutido no espaço simplista da ágora é a eleição do Reitor e, contudo, a realidade é mais complexa. Interessa posicionar o conceito de autonomia prevalecente na Europa e as alternativas para a escolha dos gestores de topo, reitores universitários e presidentes de institutos politécnicos estatais.
A autonomia universitária foi constitucionalizada em Portugal e em Espanha aquando da saída de longas ditaduras, mas nada obriga a que essa autonomia seja levada ao limite de uma autarcia em que toda a gestão de topo é selecionada dentro das instituições, respondendo aos interesses dos professores, alunos e funcionários ativos em cada momento. De facto, esta opção pela autogestão deu excelentes resultados quando foi introduzida em 1976 para recuperar o governo das universidades dos excessos do período revolucionário. Trinta anos depois, toda a comunidade académica estava cansada das ineficácias do sistema e aceitou sem grandes reações a introdução de um Conselho Geral com representação externa para assumir a definição da orientação estratégica da instituição, eleger o Reitor/Presidente e acompanhar a sua ação governativa. Foi um passo importante para nos aproximar dos modelos anglo-americanos. Mas foi um passo demasiado prudente ao dar a representação maioritária às corporações internas e é pena que não haja agora coragem para dar o passo seguinte. Os poucos representantes externos são convidados pelos eleitos internos, que esperam que eles sigam delicadamente os interesses de quem os convidou. Assim acontece na maioria dos casos. As eleições internas transformam-se quase sempre numa espécie de primárias em que cada aspirante a reitor/presidente movimenta os seus peões para vir a garantir uma decisão favorável. E nada impede que, no seio do Conselho Geral, se venham a comprar alguns votos com promessas de favores pessoais, desde a abertura de concursos até lugares de vice-reitor. Pretende-se agora corrigir estas patologias criando um colégio muito alargado para a eleição do reitor/presidente. E chama-se a isto um reforço da democracia.
Na tradição anglo-americana, os Conselhos de Curadores atuam como guias estratégicos das instituições e, não só elegem o reitor, como escrutinam o governo corrente da universidade. Sendo a grande maioria das universidades criadas e financiadas pelos estados federados norte-americanos ou pelos governos das “nações” britânicas, cabe-lhes definir as grandes orientações e a nomeação dos curadores. Estes conselhos têm a função de afastar o governador e o congresso estatal da interferência na vida corrente da universidade, mas este poder político democraticamente eleito não perde a capacidade de definir em cada momento o que vê como interesse público ou bem comum e atuar consequentemente. Mandatos bastante longos e desencontrados dos curadores dão vida e memória própria a este conselho. Na grande maioria dos países do continente europeu, o governo retém um poder de intervenção nos órgãos de governo de topo e na escolha dos reitores, apesar de não intervir na gestão corrente. Isto é autonomia de governo sem prejudicar a prossecução do interesse público. Muito naturalmente, a autogestão das universidades e politécnicos portugueses leva a que respondam aos próprios interesses, principalmente dos docentes. Os alunos têm os seus próprios interesses de iniciar uma carreira política, tendo acesso aos financiamentos e outras receitas das associações de estudantes. O interesse público é secundário. A oferta educativa é gerada pelo mercado da procura estudantil e assim se aproxima dos interesses deste público. Também não espanta que, para o Conselho Geral, as propinas sejam sempre demasiado elevadas e que o financiamento estatal seja sempre demasiado curto.
A Espanha mantém um processo de eleição de reitor com votação de toda a comunidade universitária, professores, alunos e funcionários, com pesos definidos para cada um destes grupos. Uma consequência natural é a total partidarização (e sindicalização) do processo. Nenhum professor tem os meios para organizar uma campanha eleitoral que chegue aos milhares de professores e funcionários e às dezenas de milhar de alunos. Em Portugal, a partidarização dos processos eleitorais internos tem-se tornado mais visível. Um grande alargamento do colégio eleitoral vai agravar o processo. E note-se a contradição aparente de ser a maioria política atual e inverter um caminho aberto para a responsabilização externa que foi iniciado por uma maioria socialista. Autonomia não significa autogestão e concordaremos que autogestão não é democracia.
In Público, 12 de julho de 2025
No superior, assume-se a revisão do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) de 2007, uma iniciativa arriscada num parlamento ainda muito segmentado. Neste início de legislatura, as condições políticas são favoráveis, aproveitando o impulso das recentes eleições legislativas e o “estado de graça” de um ministro muito popular no anterior governo. O ponto mais discutido no espaço simplista da ágora é a eleição do Reitor e, contudo, a realidade é mais complexa. Interessa posicionar o conceito de autonomia prevalecente na Europa e as alternativas para a escolha dos gestores de topo, reitores universitários e presidentes de institutos politécnicos estatais.
A autonomia universitária foi constitucionalizada em Portugal e em Espanha aquando da saída de longas ditaduras, mas nada obriga a que essa autonomia seja levada ao limite de uma autarcia em que toda a gestão de topo é selecionada dentro das instituições, respondendo aos interesses dos professores, alunos e funcionários ativos em cada momento. De facto, esta opção pela autogestão deu excelentes resultados quando foi introduzida em 1976 para recuperar o governo das universidades dos excessos do período revolucionário. Trinta anos depois, toda a comunidade académica estava cansada das ineficácias do sistema e aceitou sem grandes reações a introdução de um Conselho Geral com representação externa para assumir a definição da orientação estratégica da instituição, eleger o Reitor/Presidente e acompanhar a sua ação governativa. Foi um passo importante para nos aproximar dos modelos anglo-americanos. Mas foi um passo demasiado prudente ao dar a representação maioritária às corporações internas e é pena que não haja agora coragem para dar o passo seguinte. Os poucos representantes externos são convidados pelos eleitos internos, que esperam que eles sigam delicadamente os interesses de quem os convidou. Assim acontece na maioria dos casos. As eleições internas transformam-se quase sempre numa espécie de primárias em que cada aspirante a reitor/presidente movimenta os seus peões para vir a garantir uma decisão favorável. E nada impede que, no seio do Conselho Geral, se venham a comprar alguns votos com promessas de favores pessoais, desde a abertura de concursos até lugares de vice-reitor. Pretende-se agora corrigir estas patologias criando um colégio muito alargado para a eleição do reitor/presidente. E chama-se a isto um reforço da democracia.
Na tradição anglo-americana, os Conselhos de Curadores atuam como guias estratégicos das instituições e, não só elegem o reitor, como escrutinam o governo corrente da universidade. Sendo a grande maioria das universidades criadas e financiadas pelos estados federados norte-americanos ou pelos governos das “nações” britânicas, cabe-lhes definir as grandes orientações e a nomeação dos curadores. Estes conselhos têm a função de afastar o governador e o congresso estatal da interferência na vida corrente da universidade, mas este poder político democraticamente eleito não perde a capacidade de definir em cada momento o que vê como interesse público ou bem comum e atuar consequentemente. Mandatos bastante longos e desencontrados dos curadores dão vida e memória própria a este conselho. Na grande maioria dos países do continente europeu, o governo retém um poder de intervenção nos órgãos de governo de topo e na escolha dos reitores, apesar de não intervir na gestão corrente. Isto é autonomia de governo sem prejudicar a prossecução do interesse público. Muito naturalmente, a autogestão das universidades e politécnicos portugueses leva a que respondam aos próprios interesses, principalmente dos docentes. Os alunos têm os seus próprios interesses de iniciar uma carreira política, tendo acesso aos financiamentos e outras receitas das associações de estudantes. O interesse público é secundário. A oferta educativa é gerada pelo mercado da procura estudantil e assim se aproxima dos interesses deste público. Também não espanta que, para o Conselho Geral, as propinas sejam sempre demasiado elevadas e que o financiamento estatal seja sempre demasiado curto.
A Espanha mantém um processo de eleição de reitor com votação de toda a comunidade universitária, professores, alunos e funcionários, com pesos definidos para cada um destes grupos. Uma consequência natural é a total partidarização (e sindicalização) do processo. Nenhum professor tem os meios para organizar uma campanha eleitoral que chegue aos milhares de professores e funcionários e às dezenas de milhar de alunos. Em Portugal, a partidarização dos processos eleitorais internos tem-se tornado mais visível. Um grande alargamento do colégio eleitoral vai agravar o processo. E note-se a contradição aparente de ser a maioria política atual e inverter um caminho aberto para a responsabilização externa que foi iniciado por uma maioria socialista. Autonomia não significa autogestão e concordaremos que autogestão não é democracia.
In Público, 12 de julho de 2025
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