sexta-feira, 11 de outubro de 2024
A Novíssima Agenda Educativa
Nos anos mais recentes, tivemos notícia da queda de Portugal nas avaliações internacionais da aprendizagem dos alunos. Depois da pandemia tivéramos a boa notícia de que, mesmo sem aulas presenciais, tudo correra bem. Isto foi a verdade oficial até chegarem as comparações internacionais que mostraram que todos os países tinham tido impactos negativos e que Portugal, com um período de encerramento das escolas muito longo, tinha piores resultados. Programas de recuperação foram anunciados, mas todos os sinais vão no sentido de mostrar que o seu sucesso é muito limitado. Em 2023/24, dezenas de milhar de alunos estiveram sem professor de algumas disciplinas durante todo o ano escolar. A realidade da falta de jovens professores para compensar as aposentações dos mais velhos irrompeu como grande surpresa, ainda que estivesse anunciada há bastantes anos. Note-se que isto acontece enquanto, no último decénio, as escolas secundárias públicas perdem 26 mil alunos e as privadas ganham 8 mil. E que o ganho das escolas privadas neste decénio não se dá na via regular (ou científico-humanística) dirigida à preparação do acesso ao ensino superior que se mantém quase constante.
No ano de 2022/23, a percentagem de alunos da via científico-humanística do ensino secundário a frequentar escolas privadas foi de 11% na média nacional, com 20% na Grande Lisboa e na Área Metropolitana do Porto; em Lisboa, cidade e concelho, chegava a 30%. Para os alunos da via profissional no setor privado, a média nacional chega a 41% e é de 64% para os “cursos de aprendizagem”, “planos próprios” e “CEF”, chegando esta última a perto de 90% na Região Norte. Dez anos antes estas percentagens eram de 21% e 6,5%, com 12% para a Região Norte. A realidade é que a escola pública segurou os alunos da via científico-humanística, enquanto excluía aqueles que optavam pelas vias profissionalizantes. A bandeira política de defesa intransigente da "escola pública" como escola inclusiva e promotor social interessa apenas para a via mais académica focada na preparação para o ensino superior. Parece que o valor social da "escola pública" diminui à medida que nos afastamos da via mais académica ou que envolvemos jovens socialmente mais frágeis. De facto, a defesa de uma "escola pública" inclusiva, exclui os mais frágeis.
A avaliação das políticas educativas seguidas no ciclo político de 2015 a 2024 permite discernir (i) um primeiro objetivo de reduzir o conteúdo curricular e fazer desaparecer os exames no ensino básico e secundário e (ii) um segundo objetivo de garantir o eterno crescimento quantitativo do ensino superior e da ciência. Num primeiro tempo, estes objetivos aparecem como muito benevolentes para estudantes (e jovens cientistas) e também para os docentes (e investigadores seniores) e para as lideranças das respetivas instituições educativas. Ao fim de quase uma década, a bondade destas políticas é posta em dúvida por todos os parceiros, pelos estudantes que anteveem um futuro de frustração no mercado de emprego, e pelas instituições cujos líderes começam a sentir o desencanto de um caminho fácil, mas sem destino. Até a chegada da pandemia de COVID19 foi saudada como (iii) uma oportunidade para acelerar uma benéfica transição tecnológica definitiva da vida em sala de aula que foi aclamada pelos impactos positivos que teria na aprendizagem. Infelizmente, todas estas expectativas chocaram rapidamente com uma realidade bem diferente, caindo por terra o mundo virtual que fora construído.
Nas comparações internacionais, a aprendizagem no ensino básico iniciou uma trajetória descendente depois de uma subida sustentada ao longo de perto de 20 anos. Dificilmente encontraremos outra causa senão as alterações no currículo e o abandono de exames considerados como relevantes por alunos, pais e professores. Apesar de termos uma despesa pública elevada (quando medida em percentagem do PIB), os resultados são desanimadores.
A falta de professores a algumas disciplinas foi recebida como grande surpresa depois de ter sido reduzido o número de alunos por turma e de terem sido extintos alguns contratos de associação com escolas privadas, o que levou ao desemprego professores pela falência de entidades privadas. E, convém lembrar que estas medidas foram justificadas pelo excesso de capacidade do setor estatal, mesmo aceitando que o custo para o estado iria subir porque o custo por turma contratada era menor do que o custo de uma turma no sistema estatal. Temos agora de enfrentar a real falta de professores. A imagem da profissão é muito negativa pela presença quase diária nos meios de comunicação social, jornais, rádio e TV, do desencanto dos profissionais e, principalmente, dos seus responsáveis sindicais. Neste ambiente, quem poderá optar por se juntar à classe, mesmo sabendo que não há desemprego nem risco de extinção do posto de trabalho. E que os salários são, no início da carreira, um pouco menores do que a média europeia, medida pelo PIB per capita, mas que no fim da carreira são confortavelmente mais elevados.
Seguramente, a vida nas escolas estatais é dificultada pela primazia dos direitos dos alunos e dos seus pais e pela obrigação de reter na sala de aula mesmo aqueles que já desistiram da escola. E o acompanhamento dos percursos alternativos, profissional ou de "educação e formação", é muito diferente do percurso dito "regular" do antigo liceu. E a muito criticada, mas plenamente adotada, "Nova Gestão Pública" da vida escolar exige o registo minucioso de todo o percurso de professores e alunos destruindo, a tradicional autonomia do professor enquanto profissional responsável e respeitado. As principais críticas dos professores ao seu dia-a-dia na escola referem-se justamente a toda esta burocracia, mas não se vê ainda como haverá coragem para suavizar estes processos burocráticos que apenas funcionam como defesa da escola e do professor contra eventuais acusações de má prática.
No ensino superior, mantém-se o paradigma do crescimento, ainda que esteja a receber coortes mais reduzidas pela queda da natalidade. No acesso, alargou-se um sistema de cotas, primeiro para candidatos provenientes da via profissional (ainda que esta não se proponha preparar os jovens para o acesso direto a uma licenciatura) e depois para os beneficiários da Ação Social. Em qualquer destes casos a cota definida é arbitrária e não se propõe um acompanhamento para avaliar se estes candidatos se vão integrar bem no seu percurso no ensino superior ou vão ser vítimas frustradas pela sua impreparação.
Depois de um pico de 2500 doutoramentos em 2013/14, este número tem oscilado entre 2100 e 2300 nos anos mais recentes. Estes números estão bastante acima da capacidade de absorção destes graduados. Analisando os números oficiais de doutorados em atividade em Portugal, cerca de um terço dos graduados anualmente estarão a sair para o estrageiro. Mesmo assim, o número restante é muito superior às necessidades de renovação de pessoal no sistema académico (entre 500 e 1000 anualmente). Compreende-se assim a pressão exercida pela Comissão Europeia para evitar o financiamento de bolsas de doutoramento por fundos estruturais, pressão já exercida no ciclo de financiamento anterior e agora repetida. No ciclo anterior o resultado foi uma pequena diminuição no número de bolsas financiadas; agora, o governo português teve de aceitar que cerca de metade das bolsas fossem concedidas para projetos desenvolvidos em ambiente não académico. Esta opção pode ser muito positiva, se a qualidade da formação doutoral for bem acompanhada, muito para além dos requisitos formais da A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior). Ou muito negativa se deixar passar para a sociedade a ideia de que um doutorando é um estagiário sem custo salarial e que a carta doutoral não garante uma competência superior.
Curiosamente, a realidade espanhola, com 11259 doutorados em 2022, é muito próxima da portuguesa, feita a correção para a diferença de população. Como em Portugal e noutros países, há problemas de estabilização destes doutorados em carreiras científicas dentro do setor académico ou empresarial. Para isso, o número de doutorados anuais é excessivo e o problema ainda é agravado pela imigração da América de língua espanhola. Mais de 50% dos doutorados em atividade no país estão fora da investigação. Em conclusão, a taxa de emprego é alta, mas fora do seu setor de especialização e aquém das suas expectativas. Deve notar-se que o número de doutores formados anualmente hoje pode ser maior que o número de licenciados há 50 anos. Não se pode estranhar que muitos vão ocupar funções profissionais anteriormente ocupadas por simples licenciados. Se o grau académico funcionar como sinalizador da competência e das potencialidades do graduado, então o doutorado de hoje estará apto a servir nos mais diversos postos dentro da economia. Mas, para que não haja frustração do empregador e do doutorado em busca de emprego, é necessário que a formação doutoral seja repensada.
Esta breve resenha da evolução recente do nosso sistema educativo deixa pistas para a definição de uma nova agenda focada na qualidade da experiência educativa e na preocupação de que o percurso educativo contribua para a futura felicidade do educando e evite o risco de frustração.
Reitor da Universidade da Maia
In: O Economista - Anuário da Economia Portuguesa · 1 out 2024,
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