Com a publicação do Estado da Educação
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) voltou às primeiras páginas da
imprensa (Público, 26 de novembro de 2019) a discussão do nosso aparente atraso
na qualificação superior da população residente na faixa de 30 a 34 anos. O
objetivo de 40% fixado há uma década parecia atingível, mas vamos ficar
bastante longe. Em 2018 estaríamos nos 33,5%. Um escândalo! E o CNE reclama
“uma atenção e um esforço” suplementares, “designadamente uma reapreciação das
condições de acesso ao ensino superior”.
O programa de governo aponta novamente
este objetivo (40%) como o grande desiderato das políticas a prosseguir no
ensino superior nos próximos 4 anos. Agora é que vai ser! Quando os políticos
querem, os números serão forçados a satisfazer essa vontade soberana.
E, contudo, o número de estudantes
inscritos no ensino superior mantém-se em alta apesar da demografia desfavorável.
A percentagem da coorte a aceder ao ensino superior continua a crescer de forma
robusta. O número de licenciados continua a manter-se bem acima dos 40% da
coorte, acima do objetivo português e do objetivo da União Europeia. Algo não
bate certo.
A solução apontada pelo CNE de facilitar o
acesso direto a licenciatura aos alunos que terminem o secundário pela via
profissional tem sido objeto de uma forte campanha pelo Conselho Nacional de
Acesso ao Ensino Superior (um órgão de representação de universidades e politécnicos,
públicos e privados) e só não terá sido apoiada pelo Governo por saber que o
acesso é o único tema do superior que demite ministros... A Agência de Avaliação
e de Acreditação do Ensino Superior tem manifestado preocupações quanto à
qualidade académica dos estudantes já hoje admitidos em algumas licenciaturas e
aponta o precedente da autorização de concursos locais para o acesso dos
maiores de 23 anos (que provocou uma súbita explosão do número de estudantes
admitidos por esta via em muitas instituições, especialmente em institutos
politécnicos e universidades privadas). Se vingar a posição dos que defendem a
criação de um novo canal de acesso por concurso local para os diplomados
profissionais do secundário, estaremos a optar por uma visão do interesse público
diferente da que outros parceiros europeus vêem. Por um lado, temos já (relativamente)
mais jovens licenciados do que a Espanha, a França ou a Alemanha, não sendo
talvez esta a nossa maior carência. Por outro, ingleses e alemães estão a fazer
um esforço grande para reforçar e tornar mais atrativas as vias vocacionais no
secundário e no superior. Na Inglaterra, com a criação de um novo tipo de
instituições de ensino superior não universitário; na Alemanha, com a criação
de novos títulos académicos, a licenciatura profissional (Bachelor Professional no original alemão – nível 6) e mestrado profissional
(Master Professional – nível 7) para
dar sequência ao perfil de formação já existente no nível 5 do Quadro Nacional
de Qualificações (geprüfte
Berufsspezialist). O Parlamento Alemão justifica esta lei inovadora pelo
receio de que demasiados jovens (mais de 50%) possam optar pelos percursos académicos
bem estabelecidos nas universidades ou nos politécnicos em prejuízo da
capacidade de manufatura da Alemanha.
O problema português é bem diferente do identificado pelo Governo quando
assume como grande objetivo do ensino superior para a legislatura os 40% de diplomados
(30 a 34 anos). Apesar de parecer bem ao nosso alcance, este objetivo tem-nos
escapado por erros na oferta educativa superior que tem criado frustração nos
diplomados que não conseguem satisfazer as suas expectativas e se sentem
obrigados a emigrar. Nos últimos 30 anos recuperamos o nosso atraso, mas não
conseguimos ajustar os perfis educativos oferecidos aos jovens à nossa realidade
(atual e de futuro próximo), criando assim frustração e uma forte emigração de
diplomados jovens. Este é o escândalo. O Instituto Nacional de Estatística
regista uma emigração de 31600 pessoas em 2018, dos quais 40% têm (pelo menos)
o grau de licenciado. É sabido que o fluxo de imigração mais que compensa esta
saída, mas é maioritariamente não qualificado. Em resumo, o nosso sistema
educativo está a estimular a emigração qualificada enquanto esta é compensada
por uma imigração menos qualificada. Esta é a realidade que difere muito do
discurso político oficial. A maioria dos países com políticas de imigração bem estabelecidas
dão preferência aos mais qualificados. Portugal cria condições para que os seus
melhores jovens qualificados emigrem. Estará o CNE a recomendar que continuemos
a frustrar os sonhos dos nossos jovens?
Sem comentários:
Enviar um comentário