Portugal tem hoje uma participação no ensino
superior próxima da média europeia e da OCDE. A não ser atingido o alvo de 40%
da população residente de 30 a 34 anos com um diploma do ensino superior em
2020, a diferença é explicada pelo atraso na criação dos ciclos curtos (de TeSP,
Técnico Superior Profissional) e pela emigração jovem que se mantém a um nível
elevado. Ao nível secundário, a situação é diferente, o atraso é manifesto e esse
problema mantém-se fora das preocupações políticas do momento. De facto, a via
científico-humanística do secundário tem uma participação próxima e uma
qualidade comparável à observada noutros países; já a via profissional é ainda
muito desigual, não havendo qualquer avaliação externa do que se aprende e do
sucesso dos diplomados por esta via. Ainda mais grave é a enorme faixa de perto
de 30% da coorte que falha a obtenção de um diploma do secundário para
prosseguimento de estudos ou entrada na vida ativa.
Figura 1. Fechada a rede escolar da Companhia de Jesus (1759)
e com os 30 anos de guerra destruidora seguidos de uma Regeneração pouco
interessada na educação, Portugal acumulou um enorme atraso na alfabetização da
sua população. Nos países do centro e norte europeu, a alfabetização era quase
universal nos finais do século XIX.
Num olhar retrospetivo, não podemos deixar de
registar os grandes marcos históricos do nosso atraso económico, social e educacional.
O século XIX foi de grande divergência económica e social em Portugal (e também
em Espanha). A estratégia de terra queimada das guerras napoleónicas foi muito
destrutiva e a independência do Brasil (e da América espanhola) exigiu uma
reorganização da economia que foi muito dolorosa e, no essencial, falhou. O
atraso da alfabetização foi-se acentuando em toda a Europa do sul, de Portugal
a Espanha, sul de Itália, Balcãs e Grécia. Em Portugal, a expulsão da Companhia
de Jesus em 1759 levou consigo quase toda a organização educativa. O Marquês de
Pombal não foi capaz de reorganizar a educação básica como aconteceu, p. ex.,
em França depois da Revolução. Mais tarde, situação política só veio a
estabilizar depois da vitória liberal em 1834, mas a educação não foi assumida
como prioridade, tendo a Regeneração preferido os chamados “Melhoramentos
Materiais”, na realidade a construção de linhas férreas e de algumas estradas.
Sinal desta realidade é que só o testamento de um “brasileiro”, o Conde de
Ferreira, veio a pontuar a paisagem portuguesa pela construção de 91 escolas
primárias já em finais do século e que se mantiveram a sua relevância até aos
nossos dias. A universalização do ensino primário (hoje, 1º ciclo do ensino
básico) só foi conseguida pelo fim da década de 1950, um resultado já atingido
em finais do século XIX na generalidade dos países do centro e norte da Europa.
O grande marco de alargamento da escolaridade foi a reforma de Veiga Simão (1971-73)
que, de um lado, alongou a escolaridade obrigatória para além dos 4 anos e do
outro criou novas universidades fora das três cidades tradicionais. Na
realidade, o ensino superior manteve o seu ritmo de crescimento de cerca de 6%
ao ano ao longo de todo o século XX. Mas o marco final da recuperação foi
conseguido nos 15 anos finais (já com a forte ajuda comunitária) quando se deu
uma verdadeira explosão com a transferência de quase todos os jovens que
terminam o secundário (via científico-humanística) para licenciaturas do ensino
superior. Pelo caminho, tinha sido estabilizada uma rede de institutos politécnicos
que fora pensada por Veiga Simão, mas só começou a chegar ao território com a
ajuda do Banco Mundial na sequência das primeiras quase roturas de pagamentos
(1977-1983).
Figura 2. O número de estudantes inscritos no ensino superior
estagnou a partir de 2000, com especial impacto no setor privado que tinha
crescido aquando da explosão da procura entre 1985 e 1995.
O número de estudantes do ensino superior
estagnou a partir do virar do século em consequência da queda demográfica e da
estabilização da percentagem da coorte que completa a via
científico-humanística do secundário. Mantendo-se as condições atuais, este
número terá uma quebra acentuada nos próximos anos, à medida que se faz sentir
o impacto da quebra da natalidade que passou de 120 000 nascimentos há 18 anos
para cerca de 85 000 nos anos mais recentes. A estabilização da rede de ensino
superior à dimensão atual exige que a taxa de participação jovem subisse dos
cerca de 40% atuais para perto de 60%. Como não esperam que a via
científico-humanística consiga este resultado (apesar de vir a subir lentamente
a sua capacidade de atração de mais jovens), muitos vêm na via profissional a
tábua de salvação para a estabilidade das suas instituições. Para apreciar esta
perspetiva de evolução convém olhar ao que está a ocorrer noutros países com
quem gostamos de nos comparar. Para isso, teremos de responder a questões sobre
a natureza do ensino secundário e do ensino superior que desejamos ter no
futuro previsível.
A chave do crescimento da participação e do
sucesso no ensino secundário e no ensino superior tem sido, em todos os países,
a sua diversificação. São oferecidas diversas vias com objetivo e ambição
académica muito diferentes, permitindo-se ao aluno a escolha, enquanto se
oferece apoio para as transições quando haja expectativa de sucesso. Portugal
tem falhado porque insistiu por demasiado tempo numa via (quase) única de
ensino secundário e titubeou na estabilização do sistema binário. Só em 2014 foram
introduzidos os ciclos curtos profissionalizantes, os cursos de TeSP. A
recuperação do abandono precoce só foi possível neste século quando se deu mais
força à via profissional e podemos estar de novo a atrasar-nos na ponta final
desta aproximação da Europa por termos desistido dos formatos mais vocacionais
e até do ensino dual. Temos hoje de esconder que perto de 30% dos nossos jovens
de 18 anos ainda saem do seu percurso educativo obrigatório sem um diploma que
lhes abra a porta para o prosseguimento de estudos ou para a entrada no mundo
do trabalho.
Outros países seguiram uma política de
estabilidade que surpreende. Na Califórnia, foi estabelecido em 1960 que 12,5%
dos jovens diplomados pelo ensino secundário deveriam poder entrar na California State University, a sua rede
de universidades de investigação e que 27,5% adicionais deveriam ter lugar na State University of California, a rede
de universidades estaduais de baixa intensidade de investigação. Sessenta anos
depois, estas cotas indicativas mantêm-se na lei e na prática. Todos os outros
diplomados podem optar por um curso de 2 anos num dos Community Colleges espalhados por todo o estado e um número
crescente destes tem sido incentivado a escolher um percurso de preparação para
transferência para uma das universidades. Em Espanha e França, o objetivo de
40% de diplomados (de 30 a 34 anos em 2020) não está em dúvida, mas mais de 20%
da coorte entra e diploma-se num curso de ensino superior de 2 anos em
instituições diferentes das universidades. Ainda em França, as instituições de
ensino superior de elite fazem uma seleção muito apertada dos candidatos depois
de um curso preparatório de 2 anos (pós-secundário) lecionados em liceus. Pouco
mais de 40% da coorte termina o secundário pela via académica que dá uma
razoável garantia de sucesso no ensino superior. Os diplomados por outra via
(profissional ou tecnológica) podem aceder livremente a uma universidade, mas
têm ali um enorme insucesso, com mais de 80% a abandonar.
O prémio salarial dos licenciados é ainda muito
elevado em Portugal, maior do que na generalidade dos países da OCDE, embora
haja sinais fortes de que esta situação se estará a alterar rapidamente para os
mais jovens. Se a administração pública mantém estruturas de carreira bastante
rígidas, a maioria dos diplomados têm hoje de optar pelo setor privado onde as
escalas salariais são mais flexíveis e as diferenças entre os níveis educativos
menores e, certamente, não garantidas. Embora frustrante para quem escolhe um
percurso educativo longo na expectativa de uma diferenciação salarial elevada,
esta nova realidade aproxima-nos de outros países onde a massificação educativa
foi anterior e as diferenças salariais são menores. Pelo menos, estão menos
correlacionadas com a extensão do percurso educativo.
Com a chamada reforma de Bolonha, Portugal optou
por degradar o tradicional título de Licenciado (até então atribuído depois de
4 a 6 anos de estudos) atribuindo-o aos novos diplomados de 1º ciclo de 3 anos.
A razão política desta escolha terá sido o desejo de prestigiar o novo ciclo
inicial, abandonando a tradicional designação de Bacharel que tivera uma
antiquíssima tradição na universidade portuguesa, mas fora depois usada para
formações universitárias curtas de 3 anos. Mas a realidade do mercado não
obedece aos piedosos desejos dos políticos e temos já hoje uma realidade em que
o prémio salarial dos licenciados é baixíssimo e só os mestres são (ainda)
comparáveis com os antigos licenciados, embora com sinais de fragilização.
Figura 3. Número de alunos a terminarem cada ciclo do ensino
básico e secundário e de diplomados no ensino superior [Dados DGEEC, 2018].
Notem-se as flutuações consideráveis interanuais que resultam do tipo de exames
e do reconhecimento de competências. Não sendo possível uma estimativa rigorosa
da população da coorte interessada em cada nível educativo, os valores têm de
ser tomados como indicativos.
O nosso ensino secundário terá de rapidamente
criar condições para acolher e acompanhar todos os jovens até aos 18
anos. Outros países conseguiram-no! Isso vai obrigar a criar percursos mais
diferenciados que dêem resposta aos muitos jovens que hoje abandonam. Teremos
de aspirar a que todos terminem o seu percurso educativo com um diploma que
lhes abra as portas do mercado de trabalho (ou de continuação de estudos). A
aprendizagem profissional outrora feita informalmente tem de ser incorporada no
percurso educativo, um passo que está a ser dado pelas nossas escolas, ainda
que mais lentamente do que o desejável. Não será a culpa das escolas, mas a
consequência de bloqueamentos políticos que atrasaram de decénios esta
transformação. Acresce que o recurso a fundos comunitários (muito para além do
razoável) tem permitido financiar confortavelmente algum do ensino profissional
e a maioria dos estudantes empurrados para percursos alternativos fora do
sistema público, nem sempre com uma qualidade proporcionada ao custo.
Porto, 3/dezembro/2018
Educação: Que tem falhado?
Apresentado na Universidade Portucalense (Porto), 28 de novembro de 2018
Apresentado na Universidade Portucalense (Porto), 28 de novembro de 2018
José Ferreira Gomes
Universidade do Porto
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