Senhor
Ministro
Assume a enorme responsabilidade de reencontrar uma orientação
estratégica para o ensino superior e a ciência portuguesa. Permita-me que ponha
à sua consideração alguns dos muitos problemas que estão à vista de todos, mas
nem todos querem ver.
No Ensino Superior, temos o problema de não atingir em 2020 o
objetivo de 40% de diplomados (de 30 a 34 anos), mesmo depois de atingirmos uma
taxa elevada de acesso. O problema não é já de quantidade, mas de qualidade e
de estratégia. Comparando com os nossos vizinhos espanhóis e franceses, o nosso
atraso está nos TeSP (cursos de Técnico Superior Profissional) onde temos
poucos estudantes e a perversão de muitos serem orientados apenas para a
continuação de estudos (em licenciatura), o que deveria ser a exceção. Chegamos
assim à contradição de termos poucos diplomados e muitos licenciados, mais que os
nossos parceiros! A consequência imediata deste forte desequilíbrio entre a
estratégia de educação e formação e a nossa realidade social é que temos uma
enorme emigração de licenciados. Fazemos um grande esforço no ensino superior,
mas o benefício social desse investimento vai para o centro e norte da Europa.
Esta a razão para não atingirmos o objetivo dos 40% dos diplomados. No mandato
que agora inicia, não chega aumentar o contingente de estudantes que chega ao
ensino superior. Terá de fazer o trabalho mais fino e difícil de assegurar a
sua qualidade académica e o ajuste às necessidades da sociedade. Se não o
fizer, será o responsável pela frustração de muitos dos nossos jovens
diplomados que se sentem subaproveitados ou empurrados para a saída. Temos de
dizer claramente a universidades e a institutos politécnicos o que esperamos
deles, o que a nossa sociedade espera deles. Sim, temos de melhorar o
financiamento das instituições e criar um novo quadro transparente de distribuição
da dotação orçamental disponível, mas não podemos deixar de criar uma nova
estratégia de qualificação.
Na Ciência, não vai ter um problema menor. Na legislatura
anterior, assistimos a uma permanente busca de protagonismo mediático. Esta
atividade febril teve consequências graves. Os investigadores nunca tiveram um
ambiente de trabalho estável e previsível nos seus objetivos, no calendário de
concursos e na disponibilização dos financiamentos aprovados. A Fundação para a
Ciência e a Tecnologia, já há muito em dificuldades, atingiu a loucura. O
sistema tem de ser repensado de alto a baixo. O modelo desenhado na década de
1980 não aceita mais retoques porque está demasiado longe da nossa realidade e
da prática europeia. Há 40 anos, demos a iniciativa aos mais novos e a
universidade mudou, o país mudou. Os jovens de hoje esperam a nossa confiança
para que possam correr os riscos da sua geração e levar o sistema a um novo
patamar de qualidade.
A sociedade tem hoje o direito de nos pedir o retorno do
investimento feito, mas o sistema continua a funcionar em circuito fechado.
Publicam-se mais artigos, mas o seu impacto académico internacional é baixo e o
seu impacto social e económico fica muito longe do que temos direito a esperar.
Todo o ruído desta última legislatura decorreu como se pudéssemos insistir nos
mesmos erros. Esse caminho esgotou-se! Temos de separar bem o que é
investigação académica (tendo o céu por limite!) e o que é a investigação em
busca de novos processos e produtos para melhorar a nossa sociedade. Temos de
responsabilizar as universidades pelos seus resultados e pela seleção dos
melhores para os atingirem. Temos de responsabilizar os institutos politécnicos
pela definição do seu caminho com um mandato claro. Mas o sistema científico
não se esgota nas instituições de ensino superior e outros agentes merecem que
o seu espaço seja estabilizado e que a sua missão seja clarificada.
Senhor Ministro, tem um pesado caderno de encargos, mas é muito
urgente que inicie a recuperação do marasmo, ainda que febril, em que caiu a legislatura
anterior. E não se poderá desculpar com um Parlamento dividido. Há muito
trabalho que pode ser feito, que tem de ser feito com este Parlamento. As
instituições de ensino superior esperam a sua orientação; várias gerações de
jovens investigadores esperam que lhes dê as condições para que o seu esforço
seja plenamente produtivo.
José
Ferreira Gomes
Universidade
do Porto
In: Público, 22 de outubro de 2019