segunda-feira, 29 de abril de 2019

UBI, ano 32


É dia de anos. Dia de festa para celebrar os anos passados e de luz para encontrar o futuro. Homenageamos os que deram o seu melhor ao longo de uma vida profissional dedicada. Homenageamos os mais promissores como exemplo para todos. De todos os distinguidos, permitam-me uma palavra dirigida àqueles a quem foram hoje impostas as insígnias doutorais. É o grau académico mais alto, o culminar de uma longa formação académica em que foi elaborada e discutida uma tese. Nesta formulação, a universidade e a vossa presença na universidade terão cumprido a 3ª das funções do ensino superior no enunciado de Ortega y Gasset (1930), (a) a transmissão de cultura, (b) o ensino das profissões (intelectuais) e (c) a investigação científica e a educação de novos cientistas. Para Ortega e Gasset, cultura é o sistema de ideias de cada época e a universidade atual não deve, não pode abandonar a sua função original de transmitir a cultura, a cultura deste nosso tempo, a cultura relevante neste nosso tempo. Não chega a competência técnica em cada uma das disciplinas e subdisciplinas, mas é necessário atender ao sistema de ideias deste tempo e fundamentá-lo na nossa história. Só compreendendo de onde vimos, poderemos abrir caminho, construindo, mas também prevenindo o futuro.
As condições de funcionamento do ensino superior alteraram-se drasticamente. Em Portugal como noutros países europeus, temos hoje cerca de 2% da população a chegar ao doutoramento e 40% a obter uma licenciatura.  Há 50 anos, tínhamos cerca de 2% a chegarem a licenciatura. Aquando do nascimento da UBI, estávamos na fase de mais rápido crescimento da procura de ensino superior em Portugal. Vista retrospetivamente, a primeira década de vida foi de procurar dar resposta a uma procura que parecia ilimitada e pouco criteriosa. Com o aproximar do ano 2000 tudo mudou e esse crescimento exponencial que se mantivera ao longo de quase todo o século XX termina abruptamente. Esgota-se a capacidade de o ensino secundário científico-humanístico produzir mais diplomados, avolumando-se o insucesso e o abandono daqueles que não estavam talhados para o velho liceu.
Em 1836, no preâmbulo do decreto com que pretende criar um liceu em cada sede de distrito, Passos Manuel diz que representa o primeiro protesto oficial contra a instrução secundária exclusivamente clássica e formal e estabelece como objetivos (algo irrealistas):
a) Dar aos alunos uma educação nobre, própria de cavalheiros, formando-os moral e intelectualmente;
b) prepará-los para a vida prática, isto é, proporcionar-lhes uma cultura completa e adaptada à nova sociedade industrial e científica e orientá-los para o desempenho de funções produtivas, isto é, para as carreiras técnicas;
c) habilitá-los para frequentar as escolas superiores.
O sonho de Passos Manuel teve uma vida curta e a realidade foi surgindo em formato diferente e a passo muito, muito lento.
Os primeiros liceus abriram apenas em Lisboa (1839), Porto e Coimbra (1840). Com a reforma de 1844, abriram-se liceus em Évora e Braga (1845), e poucos anos depois em Santarém, Viseu, Angra do Heroísmo, Funchal, Portalegre, Castelo Branco, Viana do Castelo, Aveiro e Vila Real (1849/50). A abertura de novos liceus públicos era muito lenta. No princípio do século XX, construíram-se três novos liceus em Lisboa. No liceu do Porto, por exemplo, no ano letivo de 1842/43, apenas um único aluno se matriculou. No ano letivo anterior, nenhum o fez. Em 1910 existiam em Portugal 25 liceus oficiais (públicos).
Passos Manuel queria ultrapassar a escola jesuíta que fechara já em 1759 com a expulsão da Companhia, deixando o país completamente desprotegido. Destruída a rede educativa pública mais importante que cobria todo o país e o ultramar, só muito lentamente se começou a pensar em alternativas. O progresso fora pouco até 1807 e o caos dos 27 anos seguintes não permitiu grande avanço. Passados 77 anos sobre o encerramento dos colégios, Passos Manuel tenta criar liceus sem ter professores nem alunos. Depois, a Regeneração viu o progresso nos chamados “melhoramentos materiais” dando pouca atenção à educação.
Veiga Simão faz, em 1973, a única reforma educativa da nossa história que foi pensada, discutida e legislada com alguma serenidade e coerência. Mais de dois anos passaram entre o seu anúncio inicial e a legislação que lhe deu corpo. Apesar de todo o acidentado percurso político subsequente, a rede de ensino superior que hoje temos não se afasta muito desse sonho inicial. Toda a reforma teve a preocupação de manter uma oferta diversificada a nível básico e secundário e a nível superior. No básico e secundário, a diversidade será em breve abandonada e a controvérsia mantém-se até aos dias de hoje com a consequência de que temos um abandono escolar precoce ainda elevado. No superior, a ideia de um sistema binário foi retomada por volta de 1980, mas teve sempre um percurso difícil e está hoje em vias de ser, de facto, abandonada.
A Covilhã é escolhida para centro de ensino superior na reforma de Veiga Simão (há 45 anos!) e recebeu os seus primeiros estudantes em 1975, mas veio a definir-se como universidade a partir de 1986, passada a crise financeira de 1979-1983. Implantou-se em plena fase de explosão da procura estudantil. Viveu as dificuldades do nascimento e uma adolescência e juventude de sonhos quase todos realizados. Cabe-nos hoje consolidar uma vida adulta em que se quer afirmar na região, no país e no mundo, especialmente no mundo lusófono.

Estamos no primeiro ano deste segundo mandato do Reitor António Fidalgo. Ele propõe-se “tornar a Universidade mais Universidade”,
·      Dando um novo alento à vida académica
·      Envolvendo mais estudantes, docentes e funcionários
·      Estimulando mais o estudo
·      Dinamizando espaços comuns
·      Reformando serviços
·      Comprometendo mais a universidade com a região e
·      Tornando-a mais cosmopolita.
Os desafios são grandes num período de forte ajuste a novas condições externas. O número de candidatos nacionais satisfazendo os altos padrões do Concurso Nacional de Acesso vai diminuir, mesmo que o ensino secundário continue o seu trabalho de atrair à via científico-humanística uma percentagem crescente da coorte. A gestão da mobilidade estudantil dentro do nosso retângulo continental dificilmente pode ser explorada a favor da Covilhã sem a existência de fortes políticas públicas. As dificuldades acrescidas da mobilidade para Lisboa e Porto podem ser relevantes, mas não serão suficientes. São necessários estímulos que, em termos macro-económicos, serão compensados pela ocupação do território e pelo seu crescimento económico. Para a universidade, resta a possibilidade de aumentar o número de candidatos internacionais. O trabalho desenvolvido nos últimos anos foi intenso e o sucesso merece ser aqui registado. Os riscos políticos de cada região obrigaram a trabalhar em simultâneo várias geografias. É um trabalho muito exigente porque cada região, cada país tem requisitos próprios e cabe à UBI saber adaptar a sua oferta às necessidades dessas regiões. Temos de ser nós a ir ter com os clientes e compreender até que ponto podemos satisfazer as suas necessidades. A UBI tem sabido fazê-lo e é isso que explica um sucesso muito acima da média. Temos condições para oferecer uma experiência educativa agradável aos jovens que nos procurem de longe e muito competitiva face às alternativas. A UBI tem mostrado que já sabe fazê-lo, mas tem de reinventar todos os dias a sua estratégia.
Se a primeira condição de sucesso está na sua oferta educativa de 1º e 2º ciclo, não poderá descurar o 3º ciclo e uma política de investigação determinada. Nesta área, a estratégia da universidade e do seu reitor é importante, mas o sucesso depende muito mais do trabalho autónomo de cada um dos professores e investigadores. Também aqui, estar do outro lado da serra poderá representar uma barreira a ultrapassar, mas não há desculpa para não ir mais longe. E os resultados estão aí. Em produção científica (um indicador muito incompleto, mas é o melhor que temos – Scimago Institution Ranking – a UBI tem subido regularmente para ocupar o seu lugar imediatamente atrás das 6 maiores universidades da corda do Minho a Lisboa. O lugar não está garantido e todos são chamados a contribuir.
Os últimos 20 anos foram de contração do financiamento público do ensino superior e de crescimento do financiamento da investigação em grande dependência das transferências comunitárias. Vivemos hoje tempos de turbulência e incerteza quanto ao lugar reservado para as universidades e para o seu pessoal docente e, muito especialmente, para o seu pessoal de investigação. A tensão acumulada num sistema científico oportunístico e não planeado levou a uma situação de alto risco para as pessoas e as instituições. Com uma pressão orçamental crescente e um provável declínio dos financiamentos comunitários, entramos numa era de enorme risco para o status quo que conhecemos, mas também de oportunidades. É responsabilidade de todos estarmos alerta para sabermos aproveitá-las.
Mas o País vai pedir que o financiamento da investigação se traduza em resultados sentidos no bem-estar de todos os portugueses. E os investigadores da UBI têm de ter isto em consideração e ser capazes de usar os seus contributos inovadores de nível internacional para produzir resultados económicos para a região e para o país. Nesta área, o desafio é enorme porque a fragilidade do tecido económico é reconhecida no país e, muito especialmente nas regiões do interior. Vamos provar que estamos à altura do desafio!

Covilhã, 30 de abril de 2018
Discurso do Presidente do Conselho Geral na celebração do dia da UBI