O
Orçamento de Estado para 2019 estabelece uma redução das propinas pagas pelos
estudantes do ensino superior (1º ciclo, mestrado de continuação e mestrado
integrado) a partir de setembro de 2019. É uma boa notícia para os estudantes
e, especialmente, para as famílias que pagavam um valor anual que, conforme as
instituições variava entre 870€ e 1063,46€. Esta redução representa a oferta de
um café diário a cada estudante. Para as instituições significa a perda de uma
receita anual de cerca de 40 M€, de acordo com as receitas de propinas
previstas nos orçamentos submetidos pelas universidade e institutos politécnicos
ao Ministério das Finanças e aprovados pela Assembleia da República. A
felicidade de muitos consegue-se assim com pouco dinheiro.
O
Governo entusiasmou-se com a ideia e anuncia agora a intenção de prosseguir
nesta linha até extinguir as propinas, provavelmente, para todos os estudantes e
para todos os ciclos de estudos em data não especificada. Não se sabe se os
internacionais também serão atingidos pela benesse. Se há razões para dar esta
prenda aos nacionais, também é fácil construir um argumento racional para o
fazer aos internacionais que se deslocaram até ao nosso país. No total, a perda
de receita seria de “apenas” 339 M€ anuais. Não chega a 0,16% do PIB, uma
quantia que não pesará muito no défice, se não for coberta por um pequeno
aumento de impostos, talvez no IVA ou no ISP que, sendo pago direta ou
indiretamente por todos os portugueses, não será muito sentido por ninguém. São
uns míseros 33 € por cada português!
Receita
de propinas orçamentadas pelas instituições de ensino superior para 2019
Porque
terão então governos de várias cores políticas lutado para instituir uma lei de
partilha de custos do ensino superior entre os estudantes e todos os
portugueses? Porque estaríamos a pedir aos estudantes para pagarem cerca de 25%
do custo da sua educação superior (esquecendo o investimento em edifícios
escolares, cantinas, residências, etc)? De facto, só o pedíamos a 75% dos
estudantes porque os outros beneficiavam de bolsa de ação social cobrindo pelo
menos as propinas. Tem direito a este apoio um estudante filho único em que o
pai e a mãe aufiram um salário de 861 € ou menos. Note-se que este valor é
superior à mediana dos salários em Portugal. Uma família mediana tem direito a
bolsa de estudos. Havendo ainda situações delicadas, porque terá o governo
permitido que a despesa executada com bolsas de ação social tenha vindo a
diminuir desde 2015?
É
falso que tenhamos um grande atraso no acesso ao ensino superior. É verdade que
temos emigração de diplomados pelo ensino superior. (Apesar da baixa do
desemprego, temos uma taxa de emigração de diplomados análoga à taxa de emigração
de não qualificados.) É falso que condição económica seja uma barreira
estatisticamente significativa à entrada no ensino superior. Mas é verdade que
as condições económicas determinam o insucesso/abandono do ensino secundário
que é altíssimo. A percentagem de jovens que terminam o secundário pela via
científico-humanística está alinhada com outros países, e continua a subir. A
via profissional foi assumida muito tardiamente e está ainda muito longe do objetivo
de diplomar metade da coorte jovem. Este é o nosso enorme atraso. Deixamos que
perto de 30% dos nossos jovens terminem a escolaridade obrigatória sem um
diploma que lhes permita continuar estudos ou entrar no mercado de trabalho.
Com a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, não podemos abandonar tantos
jovens à futura marginalidade económica e, provavelmente, social.
Ao
longo da vida deste governo diminuiu a despesa executada anualmente pela Fundação
para a Ciência e a Tecnologia; diminuiu a transferência para as instituições, não
compensando totalmente os aumentos de encargos impostos por lei; diminuiu a
despesa com Ação Social. Tudo isto aconteceu numa fase de expansão das
economias europeias. Quando começam a ser visíveis os sinais de esgotamento
desta fase expansionista, este mesmo Governo dá-se conta que pode aumentar a
despesa com o ensino superior em mais de 30%, isentando de propinas os
estudantes oriundos de agregados familiares com salários acima da mediana
nacional. E faz isto, repito, sem que haja sinais de que haja abandono
significativo no ensino superior por razões económicas. E dá estas benesses
enquanto continua a ignorar a iniquidade social do nosso ensino secundário!
Obrigada por decifrar o que outros tentam camuflar. ..como diria alguém conhecido, "evidence-based"!
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