Resumo
O
nosso maior atraso está hoje no insucesso/abandono no ensino secundário (cerca
de 30%) e na (ignorada) iniquidade no acesso. A via científico-humanística
abrange uma percentagem da coorte (mais de 40%) análoga à de outros países. A
criação tardia dos cursos TeSP deprime o indicador de diplomados nos 30-34 anos
que passará para mais de 45% quando o seu impacto chegar aos 30 anos. Até 2030,
apesar da quebra demográfica, o acesso a licenciaturas via CNA sofrerá uma
queda inferior a 5%, que será mais do que compensada pelo prosseguimento de
diplomados TeSP.
O formato adotado para esta mesa redonda (Convenção CRUP, 07jan2018) não permite
mais que o alinhamento telegráfico de algumas ideias que me parecem mais
importantes sobre a situação atual e sobre o que deveriam ser as prioridades da
política de acesso ao ensino superior.
1.
Equidade
no acesso. Portugal tem
um problema de equidade no acesso ao ensino superior, mas este é um tema fora
das prioridades políticas e ausente das estratégias das instituições de ensino
superior (IES). Todos os estudos mostram uma iniquidade no acesso, quer olhemos
para a distribuição dos jovens matriculados no ensino superior, quer façamos a
análise por instituição ou por área de educação e formação. Grupos sociais mais
frágeis ficam claramente aquém do que poderia ser o seu desempenho (potencial) no
ensino superior. Mesmo dentro de um quadro regulatório relativamente rígido, as
IES poderiam trabalhar para melhorar a equidade social no acesso aos seus
cursos. Tanto ou mais importante, seria o apoio aos estudantes admitidos para
atenuar o insucesso e abandono dos mais vulneráveis. Deve ser objetivo do
sistema de ensino superior levar cada jovem ao limite do seu potencial sem
deixar ninguém para trás, nem um dos mais frágeis, nem um dos mais ambiciosos
intelectualmente.
2.
Satisfação
das necessidades sociais.
Se quantitativamente nos aproximamos dos nossos pares europeus na participação
no ensino superior, o crescimento recente parece denotar alguns desajustes
entre áreas de educação e formação oferecidas ou preferidas pelos candidatos e
a realidade do mercado de trabalho. O facto de a emigração jovem ser semelhante
para todos os níveis educacionais pode ser sinal dessa realidade. Poderá ser
necessário repensar a oferta tendo em vista a nossa realidade para evitar a
frustração que parece já presente em alguns diplomados. Tenha-se atenção ao
impacto salarial negativo do ensino superior em algumas instituições ou de
algumas áreas educativas, segundo um recente estudo independente inglês.
Figura 1. Rendimento salarial aos 29 anos dos jovens
ingleses que optaram pelo ensino superior.
Outro problema
decorre da necessária coesão territorial onde o sistema de ensino superior tem
de trabalhar no reforço dos estímulos para a mobilidade de jovens para as
instituições situadas em regiões de baixa densidade populacional, uma política
necessária e diferente do injusto e ineficaz simples corte numerus clausus em Lisboa e Porto.
3.
Objetivos
quantitativos. É sabido
que temos cerca de 40% dos nossos jovens de 20 anos no ensino superior. O
objetivo de 40% de diplomados de 30 a 34 anos em 2020, tem sido um argumento
principal para a mudança da regulamentação do acesso. Embora uma simples
extrapolação deste indicador em anos recentes pareça levar-nos para muito perto
do objetivo, o seu recálculo com algumas hipóteses sobre o impacto da emigração
jovem veio dar fôlego ao alarme do governo e das IES, como se a estatística
fosse mais importante do que a realidade social. Na verdade, as IES têm
manifestado uma enorme preocupação com a dificuldade de manterem o ritmo de
crescimento a que se habituaram em finais do século passado quando a
recuperação do atraso histórico nos levou a um crescimento que chegou aos 14%
ao ano. A maioria dos países da União Europeia e da OCDE já atingiram ou vão
atingir em 2020 o objetivo de 40% (de diplomados na faixa de 30 a 34 anos) mas incluem
já os diplomados por ciclos curtos que estão ainda ausentes em Portugal devido
à tardia (2014) criação dos cursos de TeSP (Técnico Superior Profissional).
Figura 2 Diplomados de 30-34 anos (extrapolação para 2020)
4.
Oferta
inicial de ensino superior. Um jovem que termine hoje o ensino secundário pode optar por uma de três
vias de ensino superior: (i) um ciclo curto de 3 semestres com um 4º semestre
obrigatório de estágio para o diploma de TeSP; (ii) uma licenciatura de 6
semestres desenhada para a entrada no mercado de trabalho numa área
profissional bem definida ou; (iii) um mestrado integrado de 10 a 12 semestres
ou uma licenciatura de 6 semestres desenhado para a continuação de estudos num
mestrado de 4 semestres desenhado (em geral) tendo em vista uma área
profissional reconhecida. O atraso claro do sistema português está nos ciclos
curtos de TeSP que recebem mais de 20% dos estudantes de ensino superior em
Espanha e França e bastante mais nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, alguns
destes ciclos curtos são desenhados para a transferência de estudantes para
cursos mais longos (de 4 anos nos Estados Unidos) mas na maioria dos países
europeus esta transição é difícil e rara. Em vários países europeus, os ciclos
curtos têm uma entrada mais competitiva do que muitas licenciaturas
universitárias. Claramente, temos aqui uma fragilidade a ultrapassar.
5.
A
realidade do ensino secundário. O abandono escolar precoce manteve-se muito alto em Portugal até
recentemente, devido ao atraso na implementação das vias mais vocacionais.
Ainda hoje, em grandes números, temos 45% da coorte (de 18 anos) a terminar a
via académica (científico-humanística) e 22% a terminar a via profissional, com
30% de insucesso/abandono neste importante passo da transição para a vida
adulta. A cota de jovens a passar pela via académica tem vindo a crescer
lentamente. Na via profissional, o crescimento é mais firme, mas pode ser mais
frágil por não haver nenhum indicador nacional comparativo da realidade dos
resultados atingidos nas diferentes escolas em todo o país. Não é hoje
aceitável na Europa que tantos jovens atinjam os 18 anos sem um instrumento
para a continuação de estudos ou a entrada no mercado de trabalho, pelo que
este problema deveria ser assumido como grande prioridade.
Figura 3 Proporção dos jovens que terminam a via académica do ensino
secundário em Inglaterra e em Portugal.
6.
Projeção
da realidade atual. A
projeção da realidade atual para 2030 (antes de quaisquer alterações
regulamentares) é sempre arriscada por ser impossível incluir todos os fatores
sociais relevantes. Mesmo assim, é um exercício que vale a pena arriscar para
avaliar a premência das inovações regulamentares.
a.
Acesso
a curso de TeSP. Os
ciclos curtos podem aceitar estudantes com qualquer diploma de ensino
secundário, mas vão depender do crescimento da via profissional e estão
desenhados para este percurso educativo. Cerca de 5% da coorte está a optar por
esta via e é expectável que, a exemplo dos países vizinhos, esta percentagem
cresça e que este crescimento seja reforçado pela afirmação da via profissional
do ensino secundário. Se a via profissional passar dos 22% atuais para mais de
40% da coorte em 2030, poderia esperar-se que 10 a 15% da coorte opte por
continuar o percurso num curso de TeSP.
b.
Acesso
a licenciatura (e mestrado integrado). O acesso direto a licenciatura (e mestrado integrado) depende, no quadro
atual, da conclusão da via científico-humanística já que apenas uma
pequeníssima percentagem de jovens da via profissional conseguem mostrar um
desempenho comparável nos exames nacionais requeridos no concurso nacional de
acesso (CNA). Apesar de pequena, a taxa média de crescimento da percentagem da
coorte em condições de se apresentar ao CNA promete um crescimento
significativo ao fim de uma década. Adicionalmente, é de esperar que cerca de 20
a 30% dos diplomados TeSP venham a optar pela continuação de estudos numa
licenciatura profissionalizante. A resultante destes dois canais de acesso a
licenciatura promete manter o número de estudantes em licenciatura ao nível
atual até 2030, apesar da grande quebra demográfica que é já conhecida.
Figura 4. Fração dos jovens entrando em cursos de
licenciatura (extrapolação)
7.
Comparação
internacional. Interessa
ler as projeções acima no quadro da realidade em países que já fizeram este
caminho de crescimento e afirmação social do ensino superior em toda a sua atual
diversidade. O ensino secundário está hoje (quase) universalizado em muitos
países, mas é grande a diversidade dos objetivos atingidos. Em Portugal, a
diferença entre o nível académico da via científico-humanística e da
profissional é enorme, embora esta não tenha ainda qualquer aferição externa à
escola. Em França, pouco mais de 40% da coorte termina a via académica, dita
geral, a única que leva a um elevado sucesso na universidade. Na Inglaterra a
percentagem, dos jovens que terminam o secundário em condições de concorrer a
um primeiro ciclo universitário não atinge sequer os 40%. Na Irlanda, praticamente
todos os jovens fazem um exame terminal de matemática, mas apenas uns 20% se
apresentam ao nível elevado, optando a maioria por um nível ordinário e uns 10
a 12% por um nível básico, muito básico mesmo.
a.
Estados
Unidos, Califórnia. Foi
estabelecido em 1960 que 40% dos jovens que terminassem o ensino secundário
deveriam ter lugar em cursos de 4 anos na University
of California (12,5%) ou na California
State University (27,5%). Este objetivo mantém-se em vigor ainda hoje. O
crescimento da participação no ensino superior tem sido feito pela entrada num Community College, num curso de 2 anos
desenhado para transferência para uma das universidades.
Figura 5. Percurso educativo dos jovens na Califórnia.
b.
França. O sistema de entrada nas Grandes Écoles por concurso preparado
com um duro e exigente curso de 2 anos em alguns Licées é um sistema único, mas muito seletivo e com uma fortíssima
educação clássica. Se as Grandes Écoles
são muito seletivas, as universidades estão abertas a qualquer detentor do
diploma do secundário. O resultado não é bonito, mas não tem sido fácil
melhorá-lo. Os cerca de 40% da coorte que completam o Baccalauréat Géneral seguem em geral para uma Grande École (depois do concurso no fim do curso preparatório de 2
anos) ou uma universidade com razoável garantia de sucesso. Para os outros
tipos de Baccalauréat, a opção de uma
licenciatura universitária é arriscada, com um insucesso e abandono de cerca de
80%. A alternativa de um ciclo curto seguido de uma eventual licenciatura
profissional oferece melhor sorte. Note-se que os ciclos curtos de 2 anos, sejam
associados a uma universidade (um Institut
Universitaire de Technologie, IUT) ou a um liceu (o Brevet de Technicien Supérieur, BTS) têm um acesso muito competitivo
e uma excelente empregabilidade.
8.
Seleção
dos candidatos. Como em
todos os países, a entrada em alguns cursos terá de ser seletiva e deve ser
desenhada de modo a garantir o sucesso dos admitidos. O processo de
seriação/seleção deve focar-se na identificação do potencial dos candidatos e
ser transparente para que todos compreendam a decisão. Nos países com currículo
secundário homogêneo, as suas provas finais (ou outra equivalente) são
normalmente usadas. Nos países com currículos diversificados, recorre-se a
testes menos dependentes dos conhecimentos específicos próprios de cada
currículo. Para os cursos mais competitivos, os exames ou testes nacionais
podem não ter a necessária elasticidade de avaliação e muitas instituições estão
a usar testes próprios de competências. No primeiro grupo está o sistema de A-levels britânico e a selectividad espanhola. O melhor
conhecido segundo caso é o dos Estados Unidos onde, a inexistência de um
currículo nacional, e uma forte diferenciação das missões das universidades
levou à universalização dos testes. (O teste SAT do College Board é usado anualmente por mais de 2 milhões de jovens,
uma percentagem da coorte semelhante à que se apresenta em Portugal ao CNA.) Em
todos os casos, a opção de via terminal do ensino secundário determina o espaço
de escolha de entrada no ensino superior.
9.
Seriação
em Portugal. O concurso
nacional de acesso (CNA) é um resquício do tempo (não tão distante) em que
ensino secundário significava “ensino liceal” totalmente homogéneo. Com a
diversificação do ensino secundário e a possível flexibilidade curricular, pode
ser necessário encontrar outra metodologia. Hoje a via de acesso pelo CNA é
complementada por um sistema de concursos locais por onde são admitidos em
licenciaturas cerca de 1/3 dos estudantes. São em geral as menos competitivas
onde o teste deve avaliar apenas o potencial de sucesso do candidato e a
seriação é menos importante. A admissão em cursos de TeSP está nesta segunda
categoria.
a.
A
plena transparência do acesso exigiria um sistema autónomo de avaliação do
potencial dos candidatos a cada tipo de oferta inicial, cursos TeSP,
licenciaturas profissionalizantes e licenciaturas para continuação de estudos.
Uma autonomização do CNA em relação ao ensino secundário, retomando um processo
já testado e abandonado, iria criar novas dificuldades no percurso dos alunos
que iriam dar menos atenção aos mecanismos de aprovação final do secundário, para
se focarem no novo CNA. Para os cursos mais competitivos, esta autonomização é
urgente para evitar a quase aleatoriedade da seriação num intervalo demasiado
estreito de classificações. Para a maioria dos cursos, esta inovação seria cara
e arriscada, quer no processo, quer nos resultados.
b.
Para
os alunos que frequentam sistemas estrangeiros de ensino secundário, existe um sistema de
equivalência de classificações que é totalmente arbitrário e pode ser muito favorável
e incentivador destes percursos alternativos. Um CNA menos dependente do
currículo nacional poderia ultrapassar este problema, mas não é fácil. Pondo-se
o problema sobretudo para a medicina, o mais simples e natural seria substituir
ou complementar o CNA por um dos testes internacionais hoje disponíveis para
este curso.
c.
Para os percursos especializados,
especialmente o ensino artístico, o problema é de grau e não essencial
porque o currículo nacional deve ser respeitado, embora os alunos sejam
chamados a dar mais atenção a projetos específicos. O mais natural seria que os
cursos alinhados com o percurso artístico adotassem um acesso dependente de
exames do ensino secundário com uma componente adicional que premiasse as
competências especiais destes alunos.
10. Conclusão. Apesar da quebra demográfica, a procura de
ensino superior deve manter-se nos próximos anos com um provável crescimento de
cursos TeSP. Mantendo-se a procura direta de licenciaturas, teremos de dar
atenção aos estudantes que pretendam migrar de cursos de TeSP (terminado ou
não), reforçando a sua formação em áreas de maior fragilidade.
Figura 6 Número de estudantes do ensino superior
(extrapolação)
O mecanismo de seriação de candidatos continuará a
ser muito relevante em medicina e em alguns poucos outros cursos onde o
processo ganharia com a introdução de testes específicos. Para mantermos a
credibilidade e o prestígio social dos nossos diplomas e graus académicos,
interessa reforçar a sua qualidade e garantir o rigor na avaliação do potencial
dos candidatos. O CNA tem garantido elevados padrões que interessa manter, o
que não impede o alargamento do acesso a outros públicos e o crescimento
acompanhado da diversificação dos objetivos.
[Apresentado à Convenção do Ensino Superior, CRUP,
7 de janeiro de 2019]
Notas:
1. Equidade no acesso. Ao contrário da maioria dos países
europeus e norte-americanos, este é um problema ausente da nossa discussão
pública, apesar de estar bem identificado.
2. Satisfação das necessidades sociais. O serviço de educação superior existe
para satisfazer uma necessidade social que tem de ser continuamente avaliada.
Ainda que o ensino superior não possa ser desenhado para satisfazer
exclusivamente a procura estudantil, por um lado, ou as necessidades do mercado
de emprego (atual), pelo outro, os países têm dado uma atenção crescente à
frustração criada nos jovens pelos desajustes existentes. Mariano Gago
assinalou claramente esse problema na conferência proferida na OCDE, a 17 de
setembro de 2012, bem fixado na visão do artista residente. Note-se que esta
conferência foi proferida tendo ainda bem presente o impacto da chamada
Primavera Árabe.
Figura 7. Mariano Gago em 17/dez/2012, conferência da OCDE
sobre o Ensino Superior, Paris.
Um muito recente e polémico estudo inglês por uma
instituição independente, o Institute of
Fiscal Studies (https://www.ifs.org.uk/uploads/publications/comms/DFE_returnsHE_exec_summary.pdf), assinala
que a frequência do ensino superior pode ter um impacto negativo no rendimento
salarial dos jovens. Neste estudo, é considerado o universo dos jovens de 18
anos com um desempenho escolar que os qualifica para entrar na universidade e
comparam o seu rendimento salarial 11 anos depois. Verificam que a opção pela
entrada em certas universidades (e também a opção por algumas áreas de
conhecimento) tem um impacto negativo no rendimento aos 29 anos.
Figura 8. Impacto salarial aos 29 anos da opção pelo
ensino superior.
3. Objetivos quantitativos. O objetivo de 40% de diplomados (30-34
anos) em 2020 tem sido usado em Portugal como razão principal para expandir o
acesso ao ensino superior. Interessa notar que, já no quadro atual, não
ficaremos longe desse objetivo e que até o ultrapassaríamos se considerássemos
o efeito (ao nível atual de cerca de 5% da coorte) dos diplomados TeSP. Estes
não são contabilizados porque a sua criação recente (2014) não permitirá ainda
o seu impacto naquele indicador e os antigos CET não satisfaziam os requisitos
do Eurostat e da OCDE.
Figura 9. Impacto dos diplomados TeSP (ao nível atual de
5% da coorte) no indicador de diplomados.
4. Oferta inicial de ensino superior. Interessa clarificar a oferta inicial de
ensino superior em função da duração nominal do percurso de 3 semestres e
estágio (curso de TeSP), 6 semestres para uma licenciatura desenhada para
entrada imediata no mercado de trabalho e 10 a 12 semestres para um mestrado
integrado ou uma licenciatura desenhada para a continuação de estudos num
mestrado. Em comparação com muitos países, o nosso atraso está nos TeSP que
atingem 20 ou 30% dos estudantes de ensino superior em Espanha e França e
representam 2/3 dos estudantes nos Estados Unidos. Entre nós, recebem cerca de
5% da coorte e (quase) não existe ainda oferta pública em Lisboa e no Porto.
5. A realidade do ensino secundário. O nosso ensino secundário acumulou um
atraso enorme no lançamento da via profissional, o que gera ainda hoje um
insucesso/abandono próximo dos 30% da coorte. Até 50% da coorte farão um exame
final de matemática (A, B ou MAC) o que deve ser comparado com a Irlanda onde
97% da coorte faz um exame de matemática aos 18 anos. Isto significa que quase
toda a população se mantém no sistema educativo e que o seu desempenho é
avaliado por testes nacionais. Em Inglaterra, cerca de 38% (https://www.hepi.ac.uk/wp-content/uploads/2018/03/HEPI-Demand-for-Higher-Education-to-2030-Report-105-FINAL.pdf) da coorte de 19 anos atingiu os padrões
de acesso à universidade, inferior aos mais de 40% atingidos em Portugal. Em
França, a via geral (académica) que dá uma expectativa de sucesso na
universidade é atingida por 41,5% (http://www.education.gouv.fr/cid55597/resultats-definitifs-de-la-session-2017-du-baccalaureat-79-d-une-generation-est-titulaire-du-baccalaureat.html) da coorte. Em Espanha, apenas a via
académica do secundário dá a preparação para o exame de entrada na
universidade. Os alunos das vias profissionais do secundário são encaminhados
para ciclos curtos (Técnico Superior ou Grado
Superior de Formación Profesional, em Espanha) ou ciclos curtos seguidos de
licences profissionelles (em França).
Quando aberto o acesso a licenciaturas, o insucesso é demasiado alto, cerca de
80% em França. (É esta a razão para a atual política de reforma do acesso em
França.)
6. Projeção da realidade atual. Na extrapolação para 2030 da tendência
do acesso registada no último decénio consideramos as seguintes hipóteses. Para
os cursos TeSP, partimos da realidade atual e admitimos (i) um crescimento
lento da opção pela via profissional para atingir cerca de 45% em 2030,
enquanto a via científico-humanística mantém a tendência de crescimento lento da
última década; (ii) que a percentagem dos detentores do diploma profissional
que prosseguem para um curso TeSP progrida dos 20% atuais para cerca de 30% em
2030; (iii) que o sucesso final nos cursos de TeSP será de 2/3 da entrada e que
1/3 destes optem por continuar imediatamente o seu percurso educativo para uma
licenciatura. Estas hipóteses parecem bastante conservadoras.
Figura 10. Extrapolação linear da percentagem da coorte que
conclui o ensino secundário.
Com esta parametrização, obtém-se o resultado na
Fig. 4, segundo a qual é previsível que o número de jovens acedendo a
licenciatura nas universidades e institutos politécnicos portuguesas resista à
queda demográfica da próxima década.
7. Comparação internacional.
a.
Estados
Unidos. As variações
entre estados são grandes. O caso do estado da Califórnia é o mais estudado,
especialmente o chamado Master Plano of
Higher Education de 1960 (http://www.lib.berkeley.edu/uchistory/archives_exhibits/masterplan/MasterPlan1960.pdf) e as sua aplicação ao longo dos 60 anos
seguintes. Na avaliação feita aquando da celebração dos 50 anos do plano, foi
decidido manter as normas indicativas anteriores, mas incentivar o crescimento
dos cursos de 2 anos (em Community
Colleges) que preparam os estudantes para transferência para a California State University ou mesmo
para a University of California. O
número de transferidos tem crescido substancialmente. Note-se que apenas 12,5%
dos diplomados pelo ensino secundário encontram lugar num curso de 4 anos em
ambiente de investigação na University of
California.
b.
França. Segundo os dados disponíveis mais
recentes, (https://publication.enseignementsup-recherche.gouv.fr/eesr/8/EESR8_ES_11-les_etudiants_en_formation_dans_l_enseignement_superieur.php), cerca de 16% da coorte obtinha uma
licenciatura e um mestrado a que devemos adicionar 4% com um diploma de
engenheiro (por uma Grande École). O
ciclo curto era completado por mais de 21% da coorte, sendo que 6% prosseguiam
para a Licence professionelle.
Note-se que esta licenciatura profissional foi criada para o prosseguimento de
estudos dos diplomados com um ciclo curto, mantendo a diferenciação em relação
à licenciatura universitária.
Figura 11. Número de diplomas de ensino superior atribuídos
em Franç.
8.
Seleção
dos candidatos. A
discussão em Portugal tem-se centrado na (i) suposta necessidade de alinhar o
CNA com a preparação dos estudantes que optaram pela via profissional do
secundário e (ii) nos danos causados ao ensino secundário pela relevância dos
exames finais que servem também no acesso ao superior. É importante relevar que
estes são falsos problemas e as suas soluções simplistas podem prejudicar
gravemente o sistema de ensino superior. (i) Os alunos que optam pela via
profissional no 10º ano de escolaridade têm por objetivo a entrada no mercado
de trabalho e a dupla certificação que obtêm no 12º tem esse fim. Não há provas
finais de avaliação externa das aprendizagens destes alunos e, se alguns têm a
sua qualidade demonstrada no mercado de trabalho, muitos outros estão num limbo
que nunca teve uma verdadeira avaliação. Não tem de ser assim. Outros países
fazem uma avaliação externa que permite avaliar as aprendizagens e o sucesso
profissional dos diplomados. Em relação ao acesso au ensino superior, estes
diplomados pela via profissional têm aberta a entrada em cursos TeSP por
concurso local. A sua preparação em áreas básicas, desde a matemática ao
português é, em geral, muito distante da conseguida pelos alunos da via
científico-humanística. O seu acesso a licenciatura (sem um esforço adicional)
só pode resultar num elevadíssimo e frustrante insucesso (como acontece em
França) ou num abaixamento do nível das licenciaturas (como poderia estar a
ocorrer entre nós em cursos de licenciatura maioritariamente alimentados por
candidatos oriundos de CET). Haverá certamente alunos que optaram pela via
profissional aos 15 anos e querem depois prosseguir estudos: poderão fazê-lo e
cabe às escolas secundárias criar um ambiente de apoio que lhes permitia mudar
de percurso. Aqueles que optem pela entrada num curso de TeSP, têm também a
opção de prosseguir numa licenciatura, esperando-se uma avaliação rigorosa do
seu potencial de sucesso no concurso local de entrada na licenciatura. (ii) Os
supostos danos causados na vida escolar secundária pela pressão dos exames
finais é inultrapassável e ocorre em todos os países. Se porventura o ensino
superior criasse uma prova autónoma de seriação para o acesso, o problema
agravar-se-ia porque os alunos dariam ainda menos atenção aos conteúdos do
secundário para prepararem a prova de acesso.
9.
Seriação
em Portugal. Temos de
reconhecer que o CNA é um resquício do tempo não muito distante em que a grande
maioria dos alunos que passavam além do ensino básico (9º ano) tinham a
intenção de prosseguir estudos no ensino superior tradicional e a via académica
(antiga liceal, agora denominada “regular” ou científico-humanística) era a
única relevante. Temos também de reconhecer a seriedade dos exames finais do
secundário que propõem um desafio considerável a muitos jovens. Já assinalámos
que a percentagem da coorte de 18 anos que ultrapassa esta barreira é
semelhante (ou superior) à que ultrapassa a barreira de exigência do acesso às
licenciaturas noutros países. Não devemos perder esta comparabilidade de vista.
Para o acesso a cursos mais competitivos (de que a medicina tem sido o
paradigma), temos de reconhecer que os exames finais do secundário não têm o
necessário potencial de discriminação entre os candidatos. O mesmo ocorre
noutros países onde a seriação para acesso aos cursos mais competitivos começou
a ser feita com testes especializados. (É o caso, entre muitos outros, do Biomedical Admission Test de Cambridge https://www.undergraduate.study.cam.ac.uk/applying/admission-assessments que já foi adotado em muitas outras
universidades.)
10. Conclusão. A previsão de catástrofe imediata no acesso às
universidades e, por isso, na sobrevivência das próprias instituições parece incorreta.
Mas não se deixa de reconhecer a existência de problemas que merecem atenção. O
condicionalismo e a seriação de acesso justificam-se para garantir a qualidade
do ensino superior e o sucesso dos estudantes admitidos. Para esse fim, o teste
de seriação deveria ser mais alinhado com a realidade da proposta do ensino
superior. Na maioria dos países, o pragmatismo (ou a simplificação dos
procedimentos) leva que o ensino superior considere os resultados do ensino
secundário, pelo menos como ponto de partida. Muitos estudos têm mostrado um
boa correlação entre este nível de entrada e o sucesso no superior, mas há
falhas óbvias nos cursos que trabalham com um intervalo de classificações muito
estreito. (Se admitirmos, que o desvio padrão da classificação de um aluno em
exame é de 1 valor, não poderemos esperar que diferenças de classificação de
entrada inferiores possam mostrar qualquer capacidade de discriminação.) A
classificação interna (da escola, usando todo o percurso do aluno) poderia ser
um melhor preditor, mas só poderia ser usada depois de uma normalização das
classificações entre escolas e até entre professores, o que não é viável. Por
esta razão, não é usada também noutros países. Se admitirmos que a
flexibilidade curricular ou a dispersão de objetivos entre as diversas vias é
relevante, então deveríamos criar um teste de seriação para a entrada em cada
área de conhecimento, em cada tipo de ensino superior inicial. Talvez seja
prematuro, mas há que pensar nesta alternativa para futuro.
[Notas de apoio à minha intervenção na Convenção do Ensino Superior, CRUP, 07jan2019, ISCTE-IUL (Lisboa)]