Anuncia-se a avaliação das unidades de I&D. Com o regresso da avaliação centrada na visita, ganhamos o contacto visual entre o avaliador e o avaliado, mas não asseguramos uma melhor qualidade da avaliação. Para unidades da dimensão das nossas não há solução simples e barata. Os indicadores bibliométricos têm limitações que todos reconhecem. A avaliação direta por pares tem outras limitações e incertezas. Estas são atenuadas se for feita com rigor e aplicada peça a peça, artigo a artigo. O custo é quase proibitivo. As avaliações tradicionais da FCT e a que agora vai ser feita não passam de concursos de beleza, na linguagem de John Maynard Keynes (1936).
Foi finalmente
publicado o Regulamento
de Avaliação e Financiamento Plurianual de Unidades de I&D. Nada
de novo, mas muito de curioso. Como é usual, teremos dois critérios relativos
ao último quinquénio, o primeiro (A) olhando para a qualidade, mérito, relevância e nível de internacionalização da
atividade realizada e o segundo (B) para o mérito científico da equipa. Um
terceiro critério (C) vai analisar a adequação
de objetivos /.../ inclusivamente quanto ao plano de contratação de novos
investigadores contribuindo para o aumento do emprego científico no próximo
quinquénio. Presume-se que o critério (A) não se aplicará a novas unidades que
terão de ser avaliadas apenas pela qualidade dos seus membros e da proposta que
faz para o futuro.
Parece razoável
pedir que cada unidade apresente informação
sobre atividades /.../ que considerem mais relevantes evitando listas exaustivas que seriam inúteis
pela sua dimensão e impossibilidade de avaliação concreta pelo painel. Já os
investigadores doutorados parece poderem apresentar a sua lista exaustiva de
publicações no quinquénio, mas não devem
ser submetidas referências a indicadores bibliométricos, incluindo factores de
impacto. É muito curiosa esta preocupação porque em Portugal nunca foi
feita uma avaliação baseada em indicadores bibliométricos.
Cada unidade tem
um mínimo (usual) de 10 investigadores doutorados e cada painel internacional
vai avaliar pelo menos 4 unidades. Sabemos que muitas unidades têm centenas de
investigadores doutorados sendo as pequenas unidades hoje residuais. (Foram
eliminadas nas sucessivas rondas de avaliação!) A abrangência dos painéis é
sempre um problema porque os avaliados vêm vantagens em serem avaliados por
painéis muito focados nas suas áreas de trabalho, no limite por um painel
especialmente desenhado para a sua unidade. A redação sugere que se vai evitar este
excesso permitindo a cada painel a comparação entre pelo menos 4 unidades. É
pouco, mas compreensível como limite mínimo. Vamos, portanto, ter painéis
internacionais a avaliar e visitar 4 ou mais unidades, algumas com centenas de
membros doutorados. Nada de novo e já sabemos o que vai acontecer.
Surpreende a
necessidade de proibir as referências a
indicadores bibliométricos, incluindo factores de impacto. É inútil porque
nenhum avaliador confiaria nos indicadores propostos pelos avaliados pela
simples razão de que teria de assegurar que os critérios e as metodologias de
cálculo são uniformes o que não ocorreria! Seriam vistos como uma tentativa de
influenciar ou de distorcer a visão do avaliador.
Face a uma
unidade com centenas de membros doutorados, como pode o painel aplicar os
critérios definidos no Regulamento.
Critério A. Para
as unidades que se mantenham sem grandes alterações da sua composição, uma
leitura rápida da informação sobre
atividades e produção científica que considerem mais relevante permite ter
uma impressão, mas dificilmente poderá decidir se estes resultados são
proporcionados à dimensão da equipa.
Critério B.
Espera-se que o painel analise os currículos de todos os membros doutorados,
que podem ser 10 ou algumas centenas. Para cada membro tem uma informação muito
rica. Terá uma descrição do trabalho e resultados do investigador com uma lista
de publicações que, numa área científica típica, poderá ir da dezena à centena
de artigos. Terá títulos e nomes de revistas. Não podendo ser influenciado pelo
fator de impacto, terá de evitar deixar-se influenciar pelos títulos ou pelo
nome das revistas. Vai ser sério e ler os artigos, pelo menos aqueles cujos
títulos pareçam mais interessantes ou terá o investigador sugerido os 5 artigos
mais relevantes para ele ler. Irá ler os
5 artigos de cada autor, de cada um da centena ou centenas de membros da
unidade. Alguém acredita que os membros do painel vão cumprir?
Critério C. Esta
é a parte fácil. Propor objetivos ambiciosos é fácil se assumirmos que nunca
serão avaliados a posteriori como
agora não vai ser avaliado se os objetivos anteriormente propostos foram cumpridos.
E satisfazer a expectativa de que a unidade vai dar um enorme contributo para o aumento do emprego científico,
não é difícil assim venha a haver dinheiro da FCT!
Mas ainda falta
a visita que o painel fará à unidade onde irá ouvir dos sucessos passados e dos
planos futuros. E terá aqui a oportunidade de emendar todas as incertezas que a
leitura do enorme relatório submetido poderá ter deixado. No fim, não terá
dúvida em colocar a unidade num dos cinco níveis previstos.
Este
procedimento não difere no essencial dos seguidos nas avaliações feitas em
1996, 1999, 2002, 2007 e 2009. Como todos recordam, as visitas foram
determinantes do resultado e as grandes unidades tiveram sempre uma aparente
vantagem. As mal classificadas tendem a ser as menores. Isto é facilmente
compreensível, mesmo admitindo que os painéis dão o seu melhor e mais honesto
esforço para premiar o melhor e assinalar o mais frágil. Face à dificuldade de
avaliar a proposta submetida pela unidade, para além de uma impressão geral, a
visita torna-se a componente dominante. As unidades de maior dimensão sempre
terão alguns investigadores com bom currículo e com a força necessária para
fazer uma apresentação convincente. As mais pequenas não podem esconder as suas
fragilidades e são naturalmente atingidas pelas críticas sérias dos painéis.
O nosso processo
de avaliação de unidades de I&D aproxima-se, nos objetivos, das avaliações
feitas a departamentos universitários. As reservas em relação aos indicadores
bibliométricos são comuns a muitas disciplinas em alguns países. Mas a
alternativa não é descarregar a responsabilidade sobre um painel que fica
irremediavelmente perdido num excesso de informação em bruto. A solução inglesa
e italiana é começar por fazer a avaliação individual de cada artigo submetido,
uns 4 por investigador considerado. É seguramente um processo muito caro porque
exige uma leitura cuidada e uma classificação de cada um destes artigos. São
algumas dezenas de milhão de euros nesses países. A alternativa adotada nos
países nórdicos é construir métricas simples para valorar as publicações de
cada autor para chegar a uma avaliação individual que depois é reunida na
avaliação do departamento ou da universidade. A Espanha tem uma estratégia
similar na avaliação individual para decidir os suplementos remuneratórios dos
docentes.
As avaliações
baseadas em métricas predefinidas estão expostas a críticas sérias. As
avaliações por pares são caras, imprevisíveis e muitas vezes divergem do senso
comum e, quase sempre, da opinião dos interessados. Resta o esforço de
satisfazer a presumida perceção da maioria no sentido dado ao “concurso de
beleza” de John Maynard Keynes. Pode esperar-se que a opinião recolhida nas
visitas vá neste sentido e alguma “gestão política” dê o retoque final necessário.
Pode ser
embaraçoso notar que é esta mesma teoria que tem sido usada para explicar o
comportamento irracional dos mercados financeiros [Ver Richard Thaler, Prémio
Nobel da Economia, 2017, em Misbehaving:
The Making of Behavioural Economics, Allen Lane, Londres, 2015.]
José Ferreira Gomes
Secretário de Estado do Ensino
Superior e da Ciência no XX Governo
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