A existência
de saldos de gerência de algumas instituições de ensino superior públicas tem
sido criticada porque o dinheiro poderia ter sido usado em novos contratos de
pessoal ou na melhoria das condições de trabalho. O Ministério das Finanças não
compreende que instituições de ensino superior autónomas devam ter saldos que
possam usar livremente como fundo de maneio ou reserva para os dias de chuva. A
fraqueza política do Ministro da tutela retira-lhe capacidade para honrar os
seus compromissos, embora isso não pareça ser suficiente para que daí tire as
necessárias consequências.
O regime
jurídico das instituições de ensino superior de 2007 veio reforçar a autonomia
financeira e, no caso daquelas que assumem o estatuto de Fundação, uma
autonomia patrimonial até aí desconhecida. Toda a autonomia de gestão implica
riscos e é de louvar que, em dez anos de vigência, não sejam conhecidos casos
de manifesta imprudência ou simples má gestão. Em plena festa socrática,
corria-se o risco de que lhes fosse aberta a porta ao endividamento como forma
de esconder mais dívida pública, mas isso pode ser evitado e nunca foi
reivindicado por reitores e presidentes. Que agora sejam criticados pela gestão
prudente, é não só injusto como um forte incentivo ao descalabro que sempre
esteve ausente da gestão do ensino superior.
Embora a
educação em Portugal seja relativamente cara (em relação ao PIB), o ensino
superior manteve sempre uma elevada eficiência com custos inferiores aos dos
nossos parceiros europeus ou da OCDE e todos os sinais apontam para que seja
também mais eficaz quando avaliado pela qualidade média dos seus graduados. É verdade
que o corpo docente envelheceu por termos tido um rápido crescimento (e
recrutamento) na década de 1985-1995 com uma súbita estabilização a partir de
2000. Mas começa a ocorrer uma onda de reformas que promete um forte rejuvenescimento
com reforço da qualidade, isto se não forem cometidos muitos erros na
contratação de investigadores.
É sabido que
as nossas empresas recorrem excessivamente a capital bancário para o seu fundo
de maneio e até para capital que é reconhecidamente insuficiente. Nas
universidades e institutos politécnicos, a autonomia foi concedida pelo Estado
sem a atribuição de um fundo de capital, pelo que é absolutamente necessário
que progressivamente sejam constituídas reservas para o maneio corrente de
projetos e para atenuar os choques financeiros que, mais tarde ou mais cedo, vão
ocorrer. A maior autonomia financeira e patrimonial deveria estar dependente da
capacidade para, no médio e longo prazo, as instituições serem capazes de
manter este fundo e estimular parceiros privados a que o reforcem pela
comprovada boa gestão e objetivos sociais.
Nem todas as instituições
têm conseguido saldos positivos o que se deve, na maioria dos casos, à quebra
do valor real das dotações de orçamento de estado desde o início do século e
das quebras da procura estudantil que sofreram em algumas regiões. O Ministério
das Finanças é incapaz de analisar estas circunstâncias, podendo olhar apenas
para dados agregados da execução orçamental no sistema da Direção Geral do
Orçamento que nada esclarecem sobre a boa gestão e tudo mascaram. O Ministério
da tutela não quer cumprir a lei de financiamento (por “fórmula”), talvez
porque a arbitrariedade da concessão de reforços lhe dê uma aparente força
política para a gestão de silêncios cúmplices. O Tribunal de Contas não fez
ainda uma avaliação global da qualidade da gestão económica do ensino superior.
Vivemos assim
num regime em que as instituições que cumprem o seu dever de gestão prudente são
criticadas enquanto que, no outro extremo, aquelas que não se preocupam em
resistir às sempre existentes pressões internas para aumento de despesa (seja
ela útil ou de utilidade duvidosa) são premiadas com um discreto reforço
orçamental no fim do ano. Todos os reitores de universidades e todos os
presidentes de politécnicos são assim fortemente incentivados a aumentar
rapidamente a despesa na certeza de que serão mais populares no seio das suas
corporações internas, deixarão de ler críticas no espaço público. E terão
sempre garantido o apoio das Finanças. É este o sistema perverso que está a ser
alimentado por uma falta de política clara de financiamento (como é exigido por
lei!) com a necessária discriminação positiva para aquelas que não podem deixar
de funcionar com custos unitários mais elevados mas num espaço de saudável concorrência
para melhorarem a qualidade da educação oferecida aos estudantes e dos serviços
de investigação e inovação transferidos para a sociedade.
José Ferreira Gomes
Professor da Universidade do Porto;
ex-secretário de Estado do Ensino Superior no XIX e XX governos
In: Jornal Público, 17 de janeiro de 2018
José Ferreira Gomes
Professor da Universidade do Porto;
ex-secretário de Estado do Ensino Superior no XIX e XX governos
In: Jornal Público, 17 de janeiro de 2018
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