Resumo
Portugal fez no último meio século a chamada universalização do ensino superior, isto é, o acesso dos jovens ao ensino superior passou de uns 2% para mais de 50% da coorte. Para esta transformação muito contribuíram as chamadas universidades novas concebidas pela reforma do sistema educativo do Ministro da Educação, José Veiga Simão, já no ocaso do Estado Novo.
A alfabetização dos jovens só foi completada em finais da década de 1950 e foi necessário esperar pela reforma de Veiga Simão para dispersar por todo o país a educação para além dos 4 primeiros anos de escolaridade básica. Já entrado no século XXI, foi necessário tornar o ensino secundário obrigatório para que a frequência deste nível de ensino chegasse ao típico de muitos países europeus e até ultrapassasse alguns dos nossos parceiros mais imediatos.
O ensino superior manteve um crescimento a um ritmo constante ao longo de todo o século XX. Só o estatuto de carreira docente de 1979 e os fundos europeus que fluíram a partir da década de 1980 criaram universidades de investigação comparáveis às dos nossos parceiros europeus. Para que mais de 50% da coorte jovem seja acolhida no ensino superior, exige-se uma diversidade de percursos que tem sido muito difícil estabilizar.
A universalização do acesso ao ensino superior
Assistimos no último meio século ao abandono de um ensino superior elitista, com pouco mais de 1% da população jovem, e a sua universalização (entendida como chegando a mais de 50% da coorte jovem). Na evolução da população universitária podemos reconhecer três fases. A primeira, de 1975 a 1985, em que continua o anterior crescimento lento, mas sustentado. O decénio de 1985-95 assiste a uma explosão no acesso em que o número de estudantes de licenciatura ultrapassa o espanhol, mas com enorme pressão sobre as velhas instituições. Esta realidade leva à abertura do escape para universidades privadas criadas muitas vezes sem docentes nem salas de aula ou laboratórios. Chegou-se à situação extrema de haver maior número de estudantes a entrar em instituições privadas do que nas estatais.
Foi também nesta fase que as universidades do estado começaram um programa de construção de novos edifícios dimensionados para a nova realidade, enquanto contratavam novos docentes e lhes ofereciam oportunidades de doutoramento, mesmo no país, o que era uma novidade. Numa fase inicial, a maioria das velhas universidades resistiam à admissão de mais estudantes com receio de que isso significasse uma perda da capacidade intelectual dos estudantes admitidos e uma baixa da qualidade do ensino. O que começou por exigir alguma pressão externa, enraizou-se na cultura das próprias instituições que passaram a ver no crescimento um sinal de sucesso e, para cada docente, uma oportunidade de contratação de colaboradores que iriam valorizar a sua área de especialidade e dar-lhe maior prestígio, mais artigos e maior visibilidade. Na resposta a esta procura acrescida, os institutos politécnicos tiveram um papel relevante. Tinham sido pensados em quase todas as sedes de distrito, em 1973. Vinte anos depois, já instalados, todos viram a sua oferta educativa satisfeita pelos muitos candidatos que não encontravam vaga na sua área de residência e se dispunham a deslocar-se para qualquer outro ponto do país. Criou-se assim a ilusão de que qualquer localização era boa para uma universidade ou instituto politécnico porque os estudantes aí chegariam, apesar da grande queda da natalidade ocorrida ao longo da segunda metade do século com o progressivo abandono da agricultura e a busca de atividade nalgumas regiões mais industrializadas e nos serviços que cresciam nas cidades maiores. Neste mesmo período, também as instituições privadas viam a sua oferta plenamente satisfeita. A oferta privada manteve-se quase exclusivamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, as regiões com mais procura não satisfeita pelo estado.
O crescimento que vinha desde o princípio do século e que foi dramático nos anos de 1985-95 estancou subitamente por volta do ano 2000. Os efeitos foram dramáticos com todas as instituições, estatais e privadas a competir pela atração dos estudantes que tinham desaparecido. Seria já o efeito da queda da natalidade.
Depois do ano 2000 foi ainda possível compensar a queda demográfica de 1 a 2% ao ano com a abertura do ensino superior a “novos públicos” para utilizar a linguagem oficial. Primeiro, foi o acesso simplificado dos maiores de 25 anos, logo convertido em maiores de 23 anos. Mais tarde surgiu o argumento de que seria injusto obrigar os estudantes que tinham optado pela via profissionalizante no 10º ano de escolaridade a demonstrar competências semelhantes às dos colegas que tinham optado pela via de preparação para o superior. Num raciocínio que desvalorizou a importância da preparação académica para o acesso aos cursos superiores, também não se curou de saber se haveria maior empregabilidade ou melhor remuneração na opção de transição direta do ensino secundário profissionalizante para o mundo do trabalho.
O resultado desta política de crescimento da população jovem a prosseguir estudos pela via académica do ensino secundário para uma qualquer licenciatura veio a provocar o desajuste que hoje se observa de excesso de licenciados que são obrigados a emigrar para países do centro da Europa. De facto, temos uma maior percentagem de jovens a frequentar uma licenciatura do que outros países europeus como a Espanha, a França ou a Alemanha e temos uma economia em crescimento demasiado lento para criar os empregos a que eles aspiram. Em contrapartida, temos uma enorme falta de trabalhadores “não qualificados”, isto é, em funções tradicionalmente executadas por trabalhadores que iniciavam o seu treino quando eram muito jovens, sem qualquer qualificação profissional prévia. Esses jovens permanecem hoje na escola até aos 18 anos e, nessa altura, não aceitam a condição do velho “aprendiz”; por outro lado, as empresas (e a legislação) já evoluíram no sentido de não quererem aceitar estes aprendizes menos jovens. A solução encontrada e muitas vezes aplaudida é o recrutamento de imigrantes, legais ou não, disponíveis para aceitar remunerações baixas e condições de vida infra-humanas.
O atraso português
O ensino básico e secundário sofria de um atraso secular desde o século XVIII. De facto, o número de alunos existentes em 1759, data da expulsão e encerramento dos colégios jesuítas, só veio a ser recuperado na década de 1930. Se considerarmos que a população tinha no entretanto triplicado, a recuperação do estado anterior terá ocorrido ainda mais tarde. A baixa participação no ensino superior resultava das barreiras económicas no acesso e, principalmente, na frequência do ensino pós-primário, dos 11 aos 17 anos. Se a cobertura do primeiro ciclo (ou primário) era universal desde os finais da década de 1950, o prosseguimento de estudos só era possível nos grandes centros, nas capitais de distrito e pouco mais, e, mesmo aí, com barreiras económicas relevantes.
Até à chegada de José Veiga Simão ao Ministério da Educação em 1970, o ensino superior português era constituído pela antiga Universidade de Coimbra, pelas duas universidades de Lisboa e do Porto criadas logo em 1911 pela jovem República e pela Universidade Técnica de Lisboa criada em 1930 pela reunião de várias escolas profissionalizantes anteriormente dependentes dos ministérios setoriais (ao estilo francês). O crescimento lento, mas sustentado, ao longo de todo o século XX criou uma pressão crescente nas universidades com espaços muito exíguos e antigos e com quadros docentes muito limitados, ainda herdados do período de fortíssima contenção orçamental dos anos iniciais do Estado Novo. As condições de trabalho de estudantes e de professores nessas universidades eram difíceis. Os espaços exíguos. Um corpo docente desequilibrado, mal remunerado, geralmente em múltiplo emprego para sobreviver e raramente envolvido em algo a que pudéssemos chamar investigação. Alguns dos investigadores mais ativos e promissores tinham sido expulsos das universidades a seguir à eleição presidencial de 1949 e noutras “limpezas” posteriores.
A evolução do número de estudantes no ensino superior na figura acima deve ser comparada com a realidade noutros países. Mesmo o Reino Unido , ainda a fechar um império onde o sol nunca se punha, em 1962/63, tinha 118 000 estudantes universitários o que coincide, em termos proporcionais, com a população universitária portuguesa na mesma época. Com duas diferenças importantes. Por um lado, o ensino pós-secundário tinha no Reino Unido na mesma altura cerca de 98 000 estudantes, mais de metade em escolas de formação de professores e por outro, estes números são tirados do relatório parlamentar que levou à grande expansão do sistema universitário como resposta ao avanço da realidade norte-americana. Nos Estados Unidos, a grande expansão fora impulsionada pela chamada GI Bill de 1944, a lei que oferecia uma formação profissional ou superior aos homens desmobilizados da guerra na Europa e no Pacífico. Nos anos seguintes a percentagem de jovens no ensino superior passou de menos de 5% para mais de 35% e continuou a subir. Na Califórnia, o Plano Diretor de 1960 estabeleceu que 12,5% dos alunos que terminem o secundário devem ter acesso à University of California, UC, (a uma rede hoje com 10 universidades de investigação), e uma cota adicional de 27,5% devem ter lugar na California State University, CSU, (uma rede universitária estadual hoje em 23 locais e quase sem investigação ). Os Community Colleges, também do Estado da Califórnia, são hoje 116 e oferecem cursos de 2 anos que vão desde preparatórios para a UC ou a CSU até formações sem qualquer ambição académica. O ensino privado com fins lucrativos tem, na Califórnia, cerca de 11% dos estudantes.
Um ensino superior europeu
A rede universitária planeada por Veiga Simão veio a ser concretizada decénios mais tarde com alguns ajustes feitos pela pressão política do momento, nunca com o estudo e o planeamento do projeto inicial. A rede de universidades estatais foi completada a partir de 1980 com uma rede de institutos politécnicos. Acresce uma rede de instituições privadas especialmente em Lisboa e Porto e algumas a norte do Porto. Dos 446 000 estudantes inscritos em 2022/23, 20% estão em instituições privadas. A preferência pelo ensino universitário resulta em 63% dos estudantes em cursos deste tipo (ou com esta designação). Adicionalmente, as licenciaturas e mestrados do ensino politécnico têm 32% dos estudantes inscritos e os 5% restantes estão em cursos TeSP (Técnicos Superiores Profissionais).
Com mais de 50% da coorte jovem a chegar ao ensino superior, temos hoje um sistema muito comparável a qualquer sistema europeu ou norte americano. A percentagem de jovens a entrar numa licenciatura (ou mestrado integrado) é já superior à dos nossos parceiros mais próximos. Até há poucos anos tínhamos a rede estatal de universidades e de institutos politécnicos com as suas faculdades dispersas pelas cidades antigas (Coimbra, Lisboa e Porto) ou com campus bem estabelecidos e bem dimensionados noutras cidades. Evitava-se ou impedia-se a dispersão de cursos ou de faculdades para tentar reforçar uma cultura académica entre um conjunto numeroso e cientificamente diverso de estudantes. Para os institutos politécnicos estatais, a localização foi sempre mais flexível tentando satisfazer interesses dos autarcas ou das populações. O conceito de sistema binário, universitário e politécnico, nunca foi bem interiorizado pelos governantes (nem pela população), tratando as duas redes de universidades e de institutos politécnicos como complementares. Só em Coimbra, Lisboa e Porto era oferecida aos candidatos a escolha entre os dois subsistemas. A filosofia parece ser a de que onde houvesse um instituto politécnico, a população estava servida, não precisando de uma universidade. E vice-versa. Nesta visão, seria indiferente optar pelo ensino universitário ou politécnico. Se esta era a visão externa, os docentes interiorizavam bem a mesma visão desenhando cursos e adotando programas em tudo similares, desde que fossem aceitáveis pelos estudantes que conseguiam atrair. Só os cursos TeSP foram concebidos desde o início, em 2014, como localizáveis fora das sedes dos respetivos institutos politécnicos e assim tem acontecido com uma grande dispersão da sua oferta.
O modelo californiano é estudado em todo o mundo pela sua conceção muito clara e pela sua estabilidade ao longo de mais de 60 anos. A realidade nos países europeus segue modelos com alguns traços similares. Não é seguro que aceitemos em Portugal uma filosofia próxima desta. Assistimos nos últimos anos a uma dispersão de campus de universidades e de institutos politécnicos do estado e aceitamos o conceito de faculdades policêntricas a distâncias que impedem a integração de docentes ou de estudantes. Não estaremos a prejudicar a qualidade da experiência dos estudantes que se pretende uma experiência de aprendizagem e de formação da personalidade dos jovens adultos que são o nosso público mais tradicional?
O ensino superior começa na alta idade média europeia como instrumento de formação dos administradores da Igreja e do Estado. Na refundação pós-revolução francesa, ganha em França a preocupação com a formação dos novos profissionais necessários ao Estado na guerra e na paz. Na Alemanha, Humboldt prefere uma universidade criadora de conhecimento e, só secundariamente, formadora de profissionais. É esta a versão inspiradora das grandes fundações universitárias norte-americanas e das principais universidades estaduais, mas sempre complementadas por universidades “de ensino” sem grande aspiração na investigação e por Community Colleges orientados para a formação profissional e a entrada mais rápida (cursos de 2 anos) no mercado de trabalho. Na Europa, mantém-se a hesitação entre a ênfase na formação profissional mais curta e a educação em ambiente de investigação com um impacto de profissionalização mais longo. O mesmo se pode dizer da rede institucional californiana que é invejada noutras latitudes, mas raramente imitada. Num Estado com perto de 40 milhões de habitantes, a University of California tem menos de 300 000 estudantes, muitos de outros estados (25% em Berkeley e 17% na média de todos os seus campus). Em contrapartida, a rede de Community Colleges tem 2,1 milhões.
Investigação académica
O sistema científico português tem raízes nos esforços feitos no IAC, Instituto de Alta Cultura, 1952-76 e no INIC, Instituto Nacional de Investigação Científica, que lhe sucedeu 1976-1997. Com meios muito limitados até à chegada dos fundos comunitários, foi feita a formação de sucessivas gerações de doutorados no estrangeiro e iniciada a avaliação científica com painéis internacionais. Por volta de 1990, é incentivada a criação de instituições de investigação, sempre dentro das universidades ou dirigidas pelos seus docentes, mas independentes da sua hierarquia. Criou-se um curioso sistema em que uma pretensa autonomia universitária convive bem com uma organização da investigação quase totalmente independente e comandada por uma agência de financiamento pouco previsível e nunca articulada com reitores nem o seu Conselho de Reitores. Na mesma época foram criados Centros Tecnológicos em grande proximidade com as empresas e, se alguns falharam, outros terão dado um contributo importante para a modernização e a competitividade internacional de indústrias tradicionais como as do vestuário e do calçado.
A evolução da investigação académica nos últimos decénios é bem medida pelo número de doutoramentos concluídos nas nossas universidades:
1971 – 1980 29 por ano
1981 – 1990 125 por ano (4,3x)
1991 – 2000 382 por ano (3,1x)
2001 – 2010 1020 por ano (2,7x)
2011 – 2019 2129 por ano (2,1x)
Os doutorados foram inicialmente absorvidos pela docência nas universidades e depois pelos institutos politécnicos e universidades privadas quando o RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) lhes impôs esta exigência para o corpo docente. A partir de 2010 tornou-se claro que haveria uma crise de emprego de doutorados porque a economia não evoluía ao ritmo e com a componente de inovação correspondente. Como o financiamento das bolsas de doutoramento depende muito dos fundos comunitários, a Comissão Europeia tentou impor restrições no Portugal2020 e, no Portugal2030 exigiu que a maioria dos doutoramentos fosse feita em ambiente não académico. Esta exigência é compreensível, mas não sabemos ainda que sucesso poderão ter num ambiente empresarial sem grandes empresas e onde as pequenas e médias empresas não têm, em geral, capacidade para fazer e incorporar a investigação com algum significado académico.
O indicador normalmente usado para comparar a investigação académica dos países é o número anual médio de publicações por milhão de habitantes que é mostrado na figura para o período 1987-2016 .
Ressalta o facto de, neste indicador, termos ultrapassado já outros países europeus, primeiro a Grécia e a Itália, depois a média da UE28, incluindo a Alemanha e a França. Que tenhamos ultrapassado países fortemente industrializados, merece alguma reflexão para compreendermos o que falhará para que este investimento não tenha ainda em Portugal retorno visível na economia. Como académicos, temos de estar preocupados com a sustentabilidade deste esforço continuado de investimento público e como poderemos continuar a justificar este esforço perante as solicitações alternativas do estado social ou do investimento em infraestruturas públicas pelo governo central ou pelo poder autárquico. Na realidade, o valor da dotação orçamental pública para investigação teve um máximo de 0,85% do PIB em 2009, mas está nos anos mais recentes abaixo de 0,7%.
Súmula final
O impulso porventura mais relevante para a modernização do ensino superior do pós-25 de abril foi o estatuto da carreira docente universitária de 1979 (preparado e consensualizado pelo Ministro Valente de Oliveira, embora publicado já no governo de Maria de Lurdes Pintassilgo). Foi este estatuto e o prémio remuneratório associado à “dedicação exclusiva” que profissionalizou a docência universitária, quase abolindo o pluriemprego que até aí era a norma e reduzindo o tempo de docência a 6 a 9 horas semanais, extinguindo o pagamento das horas letivas “extraordinárias”.
A gestão universitária foi regulada em princípios de 1976 pela Lei Sottomayor Cardia que terminou a anarquia autogestionária que vigorara desde a revolução de 1974. Na realidade, esta lei transferiu o poder académico de um pequeno número de catedráticos idosos que detinham a muito limitada autonomia universitária do Estado Novo para um número já apreciável de jovens regressados do estrangeiro com os seus doutoramentos.
O sistema educativo português recuperou nos últimos 40 anos o atraso que acumulara desde a segunda metade do século XVIII. Em frequência de licenciaturas, ultrapassamos mesmo os nossos vizinhos mais imediatos como a Espanha, França e Alemanha. Mantemos um atraso importante na frequência da via mais profissionalizante, os cursos TeSP que foram criados em 2014, mas ainda não foram plenamente aceites por alguns setores da sociedade (entenda-se alguns setores partidários) e foram algo desvirtuados pelos institutos politécnicos que os apresentam como uma via de acesso simplificado a licenciaturas.
A nossa oferta educativa superior tem, formalmente, a diversidade necessária para uma participação superior a 50% da coorte jovem. Na realidade, estamos longe desse desiderato por não serem reconhecidas diferenças significativas entre algumas licenciaturas politécnicas e universitárias. As diferenças são muitas vezes escassas e não são compreendidas pelos estudantes, pelas famílias e pelos empregadores. A situação é agravada pelo requisito de atividade de investigação para todos os docentes do ensino superior.
O sistema científico manteve um nível muito incipiente até à adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia e ao benefício dos fundos a que essa adesão deu acesso. Infelizmente, mantém ainda uma grande dependência desses fundos, o que cria um alto risco se os fundos atribuídos a Portugal diminuírem ou tiverem de ser desviados para outras áreas socialmente mais imediatas. O atual sistema científico está ainda limitado quase exclusivamente ao ensino superior, daí resultando um desempenho razoável em indicadores como o número de publicações por milhão de habitantes, mas com um baixo impacto económico.
Nos últimos anos, o sistema científico foi ganhando novas camadas institucionais, mantendo a dependência de base nas unidades de investigação quase exclusivamente dependentes do pessoal das instituições de ensino superior. E essa complexificação da malha institucional ocorreu sem aumento de despesa pública. A medida da despesa privada tem de ser vista com alguma prudência porque está demasiado ligada a benefícios fiscais sem que o tipo de atividade e os resultados sejam devidamente verificados. Pelas empresas que surgem nos primeiros lugares da despesa em investigação, podemos imaginar que se tratará, na visão mais benévola, do que poderíamos classificar como “desenvolvimento experimental”.
Resta-nos a esperança de que a iniciativa dos doutoramentos em ambiente não académico que nos foi imposta pela União Europeia no acordo de criação do Portugal2030 e a futura gestão nacional do sistema científico force a uma maior atividade de inovação social e tecnológica nas empresas produtoras de bens transacionáveis. Esta reconversão será algo dolorosa, mas poderá dar um maior reconhecimento social e daí uma maior sustentabilidade do sistema científico a longo prazo.
Apresentado no colóquio "50 anos de Mudança e Inovação: As Novas Universidades no Contexto da Democratização Portuguesa", Universidade do Minho, 17 de abril de 2024