Parabéns pela coragem mostrada ao aceitar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nesta altura. Sabemos que terá uma oportunidade única para traçar uma linha de rumo firme que nos permita esperar um retorno robusto do investimento que os portugueses estão a fazer nestas áreas. Terá um parlamento com que pode trabalhar para ultrapassar os bloqueamentos dos últimos anos. Tem a responsabilidade de marcar um rumo e deixar uma marca só comparável à que Veiga Simão deixou nos idos de 1972, e terá agora a possibilidade de chegar a ver os primeiros frutos desse seu trabalho.
Precisará de mais dinheiro, mas esse não é o problema principal. E mais dinheiro terá de ser garantido já na abertura da legislatura porque todos sabemos que o desafogo dos últimos anos irá desaparecer antes do meio do seu mandato, mesmo que as condições internacionais não se deteriorem mais. Uma subida das taxas de juro, ainda que modesta, vai exigir ideias novas para a gestão das finanças públicas e o seu pelouro terá de mostrar resultados na economia para sobreviver ao mais que provável aperto financeiro.
Depois de vários anos de navegação à vista, terá de assumir objetivos claros no ensino e na investigação. Na investigação, terá de soltar a criatividade dos mais jovens a quem já hoje paga salários para viverem na dependência e dos que já passaram a sua fase mais empreendedora. Terá de separar a investigação académica do trabalho focado em resultados relevantes e ajudar a comunidade científica a encontrar caminhos com retorno mais rápido e mais provável que justifique o apoio que recebem. Os mais novos (e muitos não tão novos) vivem nas nossas universidades sem a autonomia que permita responsabilizá-los pelos seus resultados.
Terá de restruturar a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a Agência Nacional de Inovação e dar-lhes total autonomia (mas não independência) de modo que desenvolvam políticas estáveis e que sejam responsabilizadas pelos resultados. O distanciamento em relação ao Governo deve criar as condições para que essas agências desenvolvam as orientações do poder democrático sem as interferências políticas e partidárias que sempre temos visto no seu dia-a-dia.
No ensino, terá de tomar grandes iniciativas na atualização de Bolonha e na governança das instituições. E terá de enfrentar o enorme elefante que é a gestão do sistema binário: Queremos um sistema binário de instituições ou um sistema binário (ou ternário) de percursos educativos? Na prolongada ausência de políticas que deviam ter induzido a diferenciação institucional, poderá ser agora mais eficaz fazer a diferenciação dos percursos educativos num quadro institucional único. Seguindo ideias desenvolvidas noutros países europeus, poderia clarificar um percurso educativo mais profissional de Curso de Técnico Superior Profissional, Licenciatura Profissional, Mestrado Profissional e até de Doutoramento Profissional, dando-lhe uma personalidade distinta das tradicionais etiquetas mais académicas. Seguramente, a sociedade iria responder rapidamente dando preferência às vias mais profissionalizantes pela melhor expectativa de entrada no mundo do trabalho e garantiria o sucesso desta inovação.
Todos concordam que o RJIES (Regime Jurídico da Instituições do Ensino Superior) está esgotado, mas não houve ainda condições políticas para fazer a sua esperada reavaliação. Os conselhos gerais nunca assumiram as suas responsabilidades nem as podem assumir no atual quadro legal. São antes pequenos parlamentos exacerbando todos os defeitos dos parlamentos políticos sem a presença do principal stakeholder, a população em geral. Tem agora a sua oportunidade de simplificar e de libertar as instituições do estrito controlo das corporações com interesses de curtíssimo prazo. O caminho inovador iniciado em 2007 está em risco de se perder se não for afinado rapidamente.
Um outro alienígena é o setor privado do ensino superior que, depois de dar um escape muito conveniente à incapacidade do Estado para responder ao súbito aumento da procura estudantil na década de 1985-95, conseguiu estabilizar com perto de 20% da população estudantil, especialmente em resposta a “novos públicos” a que consegue responder mais eficazmente. A opção assumida em 2007 de que todo o ensino superior deveria ser acompanhado de atividade de investigação pode ser explicada pelos muitos doutorados com dificuldade de sair do setor académico, mas não é a realidade em nenhum país europeu nem norte-americano. Há certamente soluções intermédias mais razoáveis e úteis à realidade portuguesa em termos da qualidade e da viabilidade.
É uma agenda vasta e exigente que lhe vai exigir muito trabalho de reflexão e de consensualização, retirando tempo aos eventos que dão as caixas de abertura dos telejornais. Não se preocupe quando aparecer a primeira crítica por termos o MCTES desaparecido em combate. É sinal de que está a trabalhar e a deixar trabalhar as instituições de investigação e de ensino dentro da sua autonomia. Estamos cansados da atividade febril e muitas vezes errática que perturba o ambiente regulatório que se quer estável para que todos encontrem o seu caminho e o prossigam com firmeza. Temos agora reunidas as condições para que o seu mandato fique registado na nossa história como chave para a desejada regeneração económica e social. Tenha a coragem para o cumprir!
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