O setor privado do ensino superior representa hoje cerca de 20% do total, depois de ter ultrapassado os 40% em finais do século passado. De facto, a explosão do acesso ao ensino superior deu-se na década de 1985-95, com um crescimento de cerca de 14% ao ano neste período. Sendo o setor estatal incapaz de responder a um crescimento tão rápido, a oportunidade foi bem aproveitada pela iniciativa privada. Para os governos da época, este escape da pressão social no acesso foi bem recebido. Só mais tarde se veio a regulamentar esta oferta privada enquanto as instituições públicas se adaptavam e criavam condições para dar a resposta pedida pelos jovens que terminavam o ensino secundário. Alguns casos patológicos foram corrigidos ou simplesmente desapareceram, algumas vezes com estrondo. Com a entrada em funcionamento da Agência de Avaliação e de Acreditação, A3ES, critérios uniformes de funcionamento de cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento foram aplicados a todas as instituições, públicas e privadas, universitárias e politécnicas e estamos hoje em velocidade de cruzeiro com boas razões para justificar a confiança que em geral merecem de estudantes, famílias e empregadores.
Em relação aos Estados Unidos, a Europa do pós-guerra atrasara-se na expansão do ensino superior. Portugal mantinha o ritmo de expansão de cerca de 6% ao ano, mas a alguma distância. Mesmo em relação à Espanha, o atraso era notório, apesar da destruição provocada pela guerra civil e pelo seu longo isolamento político, e só emendámos o passo por volta de 1990. Na Europa Ocidental, o ensino superior privado tem uma tradição recente e quantitativamente pouco importante, só retomando um crescimento lento, mas sustentado nos últimos anos. Na América Latina, as dificuldades do setor público levaram à expansão do setor privado. Em vários países, o setor privado confessional, principalmente católico, mantém um fortíssimo prestígio nas áreas académicas profissionais e atrai os jovens socialmente mais bem colocados para a renovação geracional da elite.
Em Portugal, o setor privado conseguiu consolidar-se nos últimos anos, resistindo à tendência de estabilização da população estudantil e à pressão demográfica negativa. As reformas de 2007, forçaram o conceito de que todo o ensino superior deveria estar ligado à investigação científica, uma norma que não é seguida em nenhum outro país devido aos elevados custos da investigação e às preocupações profissionalizantes crescentes, à medida que a percentagem da coorte jovem que lá chega passa os 50%. Nos Estados Unidos, uma elite universitária tem sede em velhas fundações do século XVII a XIX com grande reconhecimento social e enormes fundos de reserva. O setor privado com fins de lucro é significativo, mas não tem registo de investigação e tem grandes problemas reputacionais. A grande maioria dos estudantes é acolhida por universidades e Community Colleges estaduais e a investigação está no mandato de algumas poucas universidades. Cerca de 2/3 dos estudantes frequentam cursos de 2 anos em Community Colleges sem qualquer contacto com a investigação. No Reino Unido as velhas universidades medievais de Oxford e Cambridge mantêm o seu estatuto de ancien régime e o seu enorme património constituído no século XVI (beneficiando da extinção dos mosteiros por Henrique VIII), mas dependem de facto do financiamento público da maioria dos seus estudantes e da investigação.
Portugal tenta estabilizar hoje um sistema estatal constituído por uma rede de universidades e uma rede de institutos politécnicos e ainda um setor privado, todos com a obrigação de atividade em investigação. Dentro do setor estatal, o ensino superior é relativamente “barato” e muito barato quando comparado com o básico e secundário. Os custos por estudante são muito próximos. Em França , por exemplo, o financiamento estatal por estudante é maior nas universidades (10440 €/est.) do que nas escolas básicas e secundárias (6980 e 9850 €/est.) e ainda muito maior para os estudantes do ensino superior curto (14200 €/est.) e para o ensino de elite (15730 €/est.). (Para a plena apreciação destes valores deverá ser considerado que o PIB per capita português é 58% do francês.)
Ao fim de 30 anos, o ensino superior privado tem conseguido manter-se num ambiente claramente adverso pelo financiamento estatal do funcionamento e do investimento das suas instituições. E tem conseguido fazer a transição para o ambiente de investigação com alguma segurança. Será claro que a competição com um setor estatal gratuito depende dos limites quantitativos deste ou de uma perceção generalizada das suas fragilidades. O sucesso a médio prazo depende da consolidação da imagem muito positiva de que alguns cursos em algumas instituições já gozam. A exemplo do que acontece com a oferta privada na saúde e no ensino não superior, este é um caminho possível.
In: Jornal Público, 13 de dezembro de 2021
Sem comentários:
Enviar um comentário