sexta-feira, 26 de março de 2021
Novos desafios para a educação em Portugal
Destaque: Um desajuste entre os percursos oferecidos e as aspirações do novo público do ensino superior leva ao insucesso ou a graves quebras de qualidade. Um desajuste ao mercado de trabalho leva à frustração dos diplomados que procuram satisfazer no mercado de trabalho as suas aspirações de ascensão social a exemplo da sua perceção do que foi conseguido nas gerações anteriores.
Os atrasos seculares da educação em Portugal em relação aos nossos parceiros europeus foram sendo recuperados entre a década de 1950 (literacia básica – 1º ciclo) e a década de 2010 (ensino secundário). No Ensino Superior, o grande salto de recuperação na frequência do ensino superior deu-se na década de 1985/95. Uma das barreiras hoje bem identificadas para explicar a lentidão desta recuperação no ensino secundário, mas também no ensino superior, está na relutância em adaptar a oferta educativa aos novos públicos que eram admitidos nas escolas e nas instituições de ensino superior.
O atraso e o desconforto político com a introdução e a generalização de uma via profissional na oferta educativa das escolas públicas explicam a extrema lentidão na redução do abandono escolar precoce que só em meados da década de 2010 se aproximou dos padrões médios europeus. Ainda hoje, esta via profissional ou vocacional escapa totalmente ao escrutínio público. Conhecendo-se alguns exemplos de cursos profissionais que conduzem a pleno emprego e a excelentes carreiras profissionais, há também indícios de outros que parece conduzirem a becos sem saída e à grande frustração dos seus diplomados. Será consensual a necessidade de aproximar a escola do mundo do trabalho em empresas e organizações públicas e privadas para que esse processo influencie o conteúdo e a cultura dos percursos educativos oferecidos e para que os alunos compreendam melhor a realidade que os espera depois da escola. Temos de reconhecer a dificuldade desta aproximação porque exige estratégias locais de relação entre a escola e as especificidades do território envolvente num sistema de ensino totalmente centralizado onde não conseguimos ainda desenvolver competências locais de liderança autónomas do poder político-partidário central e autárquico.
No âmbito do Ensino Superior, o plano de diversificação proposto pelo Ministro Veiga Simão em 1973 só pôde ser desenvolvido na década de 1980 com a chegada das ajudas europeias (depois de um impulso inicial dado pelo Banco Mundial). Infelizmente, a criação do subsistema politécnico nem sempre obedeceu a um plano com alguma racionalidade, tendo demasiadas vezes de satisfazer interesses partidários locais de curto prazo. Esta mesma dificuldade fez-se sentir nas lideranças dos novos institutos politécnicos “em instalação” que só recentemente conseguiram ultrapassar estes pecados originais.
Como na generalidade dos países europeus, a transição de um acesso elitista para o que tem sido considerada a universalização [Trow, 2007] do acesso ao Ensino Superior deu-se em Portugal ao longo do século XX a um ritmo médio de 6% ao ano. A década de 1970 foi de crescimento relativamente lento da participação no ensino superior, por exemplo, em comparação com a Espanha que já partia de um nível mais elevado. Só em finais do século pudemos atingir uma participação no Ensino Superior português semelhante à participação universitária espanhola. Mas mantemos o atraso porque a Espanha tem um sistema de Ensino Superior curto fora das universidades (e totalmente ignorado por estas) que recebe entre 10 e 15% da coorte jovem. Também no Superior, Portugal esbarrou na dificuldade de desenvolver percursos educativos mais diversificados e mais ajustados ao novo público estudantil e de preparar os seus estudantes para as necessidades do mercado de trabalho. Um desajuste entre os percursos oferecidos e as aspirações do novo público do ensino superior leva ao insucesso ou a graves quebras de qualidade. Um desajuste ao mercado de trabalho leva à frustração dos diplomados que procuram satisfazer no mercado de trabalho as suas aspirações de ascensão social a exemplo da sua perceção do que foi conseguido nas gerações anteriores.
O crescimento quantitativo do Ensino Superior foi acompanhado de um aumento do número de doutoramentos baseados em investigação numa organização muito especial em que se usa o pessoal docente das universidades (e, mais tarde, também dos institutos politécnicos), mas se isola o sistema de investigação da hierarquia institucional que tem autonomia constitucional. Este é um sistema único no mundo que poderia ser justificado no início, mas que se tornou rapidamente disfuncional por desalinhamento entre os objetivos estratégicos das universidades e das unidades de investigação que vão usar o mesmo pessoal. Mantém-se também o desalinhamento entre os objetivos profissionais dos docentes universitários e os objetivos da investigação. Estes mantêm preocupações de qualidade muito básica, enquanto todo o mundo desenvolvido já optou por conceitos de excelência académica associados à obtenção de um retorno social e económico.
Este retrato muito rápido e esquemático do nosso sistema educativo atual e do percurso até aqui, permite identificar a necessidade de uma rápida reforma para a prossecução de novos objetivos. Não podemos esquecer que Portugal teve um período de crescimento económico sustentado na segunda metade do século passado, mas que estagnou dolorosamente no último quarto de século. Os apoios europeus para a coesão permitiram melhorar a nossa posição na escala comparativa ao longo do seu primeiro decénio, mas temo-nos deixado atrasar nos decénios mais recentes, aproximando-nos perigosamente do fundo da escala. Sim, alguém terá imaginado que os países do centro-leste europeu nos iriam ultrapassar neste curto período? Também na Educação, temos de mudar de vida. Depois de um doloroso período de emigração dos menos qualificados nos anos de 1960, vivemos este século uma forte emigração de jovens qualificados com substituição da população saída por uma imigração (maioritariamente) de baixíssimas qualificações.
O desafio para o Ensino Básico e Secundário nos próximos anos tem de ser o de consolidar a qualidade da aprendizagem de todos os nossos jovens e a oferta de opções mais diversas, especialmente no percurso final do ensino (agora) obrigatório para servir melhor as novas gerações e a sociedade. Se temos de dar atenção renovada a todos os ciclos de ensino, ela é especialmente importante ao nível do ensino secundário onde as vias profissionalizantes merecem uma atenção que lhes é hoje negada. E isto tem de se fazer em estreita articulação com empresas e organizações públicas e privadas.
Se os alunos diplomados pela via mais académica prosseguem quase todos para licenciatura, temos de renovar a atenção à outra metade da coorte. Para estes, o diploma do ensino secundário é hoje um atestado de que atingiram a idade adulta, com pouco valor como fator de diferenciação pelas habilidades (ou competências) adquiridas. É urgente diversificar os percursos oferecidos e criar oportunidades para que alguns prossigam o seu percurso educativo. Como noutros países, esta continuação não pode ser exclusivamente em licenciatura, tendencialmente de natureza académica. Uma via profissional superior deve ser valorizada. Nos países mais próximos, esta opção interessa a 10 a 15% da coorte. É o caso dos Técnicos Superiores espanhóis e dos diplomados DUT e BST franceses. A desvalorização dos nossos (novos) Técnicos Superiores Profissionais será um erro demasiado caro quando vier a ser reconhecido."
José Ferreira Gomes, fevereiro de 2021, In Cadernos de Economia, ISSN 0874-4068, nº 134, pag.12-15, jan-mar de 2021"
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