Uma carta escrita em 23 de novembro de 2006 apresenta preocupações que ainda hoje são prementes. (1) Uma pressão orçamental sobre as instituições de ensino superior que as mantém dóceis mas incapazes de cumprir a sua missão; (2) um "novo" sistema de avaliação e acreditação que dá sinais de insuficiência; (3) avaliações de processos que ignoram o desempenho real das instituições (e dos seus investigadores) que, como sucedâneo, olham para rankings que nada significam; (4) uma reforma de Bolonha cujos erros são hoje evidentes; (5) uma rede institucional com missões pouco claras; (6) uma governança onde o RJIES não veio dar a desejável agilidade e eficácia; (7) carreiras docentes cada vez mais pesadas e ineficazes; (8) um sistema científico em perda de financiamento e sem objetivos nem uma avaliação digna.
Doze anos depois, vale a pena recordar a visão de então.
Doze anos depois, vale a pena recordar a visão de então.
Uma carta particular desse dia 23 de novembro de 2006:
Caro
João
"Não temo que o aquecimento global submirja todas as instituições do ensino superior com a subida das águas do mar." JMG citado no Público, 23.Nov.06.
Sejamos sérios, o Zé Mariano merece um aplauso!
1. Financiamento. A táctica funciona. Em linguagem militar é uma operação de softning of enemy forces. Que sucesso! O chefe do estado-maior tem um discurso algo inconsistente, mas de apoio aos resultados. Os generais são bastante discretos. Sabem que o assassínio selectivo é hoje bem tolerado pela comunidade internacional, que foi condenado durante muitos séculos depois da invenção dos tribunais, mas que essa fase já foi ultrapassada. De facto, esta é a única explicação possível para a projectada quebra de financiamento de um sistema que tem todos os problemas menos o do custo. Mas as resistências para corrigir qualquer desses problemas seriam altas sem esta preparação prévia.
2. Avaliação e Acreditação. A situação era insustentável! Tínhamos um sistema razoável de avaliação para a melhoria, mas faltaram as políticas públicas de acompanhamento dessa melhoria. Em alternativa, sucessivos governos pediam ao sistema a prestação de contas, um resultado incompatível com o desenho inicial. Havia que mudar e a criação de uma agência de avaliação e acreditação é provavelmente a melhor solução. Mas isto não desculpa o inconcebível tratamento dado ao CNAVES que fizera bem o que lhe fora pedido.
3. Avaliação de processos ou de resultados? Tudo indica que o novo modelo siga o hábito europeu de avaliar mais os processos do que os resultados das aprendizagens, um modelo aceitável em sistemas homogéneos. Portugal tem o sistema mais heterogéneo de toda a Europa ocidental e precisa de outras componentes de avaliação. Na América Latina ganhou aceitação a componente de avaliação das aprendizagens dos graduados e os Estados Unidos estão a caminho de o fazer de forma generalizada (ao nível dos colleges). Deveríamos introduzir esta componente e construí-la progressivamente (para ser também alargada ao ensino secundário e ao acesso ao superior).
4. Bolonha. Todos estamos de acordo que a introdução da legislação e a sua aplicação nas instituições teve muito de atabalhoado e denotou ignorância quanto ao que está em jogo. As reformas feitas na maioria dos nossos parceiros foram bastante prudentes. A Itália cometeu erros graves e está a tentar corrigi-los. Suspeito que os erros portugueses sejam mais graves por terem um impacto mais profundo, mas menos visível no imediato. A desvalorização da licenciatura e a invenção do mestrado integrado envenenou o sistema. O grande desafio dos próximos anos é a empregabilidade dos novos licenciados e o falhanço será total se não houver políticas públicas de apoio. A experiência francesa e os remédios propostos no recente relatório presidencial são disso um excelente exemplo. Uma outra questão é a de saber se a nossa solução será estável face á concorrência da nova solução espanhola (ainda em tramitação parlamentar). Esta solução espanhola é mais robusta e poderá vir a vingar nos países em que a transição para o superior se faz aos 18 anos.
5. Rede de educação superior. Temos na educação superior o mesmo percentual que a Espanha e um pouco menos que a França. Tornado em sentido lato, a dimensão do sistema vai crescer ainda. O problema que se põe é o de reconversão de parte do actual e a expansão das novas formas que absorvam a procura pelos (muitos) alunos que vão começar a chegar ao terminal do secundário pelas vias mais vocacionais. Nos próximos anos vai duplicar o número de jovens que se mantém na escola aos 18 anos! Depois do amaciamento feito, as instituições estão preparadas para tudo, assim haja ideias claras do que se pretende delas.
6. Autonomia/governação. Quase tudo foi dito já, mas a necessária mudança só será aceite em situação de crise generalizada. Estão criadas as condições para que apareça a liderança política e aqui está uma área onde poderemos ganhar um avanço em relação aos nossos vizinhos pois que o tema foi excluído da agenda política do actual governo espanhol.
7. Carreira docente. Ternos um estatuto que foi excelente quando foi redigido em 1979! A maioria dos projectos que foram discutidos nos últimos vinte anos teria piorado a situação. O último que chegou a ser discutido e a ter o acordo passivo dos sindicatos era menos mau, mas, mais uma vez, o governo caiu... Será que agora chega ao fim? E que há coragem de melhorar? Para mim, o grande teste será a seriedade da Agregação! A situação actual é má, mas a sua abolição é pior.
8. Ciência. Se lermos os jornais, está tudo bem. Se perguntarmos aos cientistas, eles dirão que ainda não sabem porque ainda esperam pelo dinheiro contratado para o ano passado ou para anos anteriores... Continua a política de fuga para a frente compensando a incapacidade de cumprir os compromissos passados com a assunção de novos compromissos. Não temos indicação de que este ciclo vicioso seja ultrapassado nem que as dívidas sejam alguma vez pagas pela receita usual na saúde. Dos compromissos com o MIT & similares não digo nada porque ao aplauso público daqueles que pensam vir a beneficiar não corresponde uma explicação privada. É certamente um excelente negócio para as universidades estrangeiras, um negócio inovador, único. Não o perdem e até podem ir falar com meninos da escola da Amadora para televisão mostrar. Tudo se compra!
É tempo de concluir para afirmar que o terreno está fértil para as sementeiras de Inverno e que as propostas sopradas à OCDE poderão passar ao terreno na Primavera quando outra esperança vier aquecer os nossos ânimos. Continuo optimista e confiante de que este Inverno passará!
Um
abraço,
JFG
23nov06
Sem comentários:
Enviar um comentário