Anualmente, o Concurso Nacional de Acesso ao ensino superior
envolve cerca de 50 000 jovens e é, por isso, um tema muito atrativo para a
comunicação social. Celebram-se os ganhadores, alguns alunos melhor
classificados no ensino secundário que têm o direito de primeira escolha, e as
universidades com entrada mais apertada face à procura. Justificam-se os
perdedores, os candidatos que tiveram o azar de não encontrar uma vaga em 1ª
opção e as universidades e institutos politécnicos com menor taxa de
preenchimento das suas vagas. A história repete-se ano após ano e as notícias
quase poderão ser escritas antecipadamente. Este ano tivemos novidades. O
Governo impôs a redução de vagas em Lisboa e Porto, todos sabendo que isso
obrigaria alguns residentes nessas cidades a optar por instituições privadas (porque
os custos de deslocação são superiores às propinas nas privadas). Que o
interior não teria ganho significativo, a não ser que queiramos empurrar para
aí o Minho (e Aveiro). Bastará ir ler as listas de colocações para saber quem
foram as famílias chamadas a pagar esta nova taxa de mobilidade dos seus
filhos.
Ter quase 45% da coorte a entrar anualmente em licenciatura (ou
mestrado integrado) é um excelente resultado em comparação internacional,
considerando que os nossos vizinhos mais próximos têm cerca de 30% da coorte a
entrar em ciclo curto e que, entre nós, os cursos de TeSP criados em 2014 ainda
não têm mais de 5%. Mas o governo está muito insatisfeito e amplia a realidade
para ver 52% dos jovens de 18 anos [DN, 9 de setembro] e 70% da coorte [73 000,
segundo a nota da DGES que acompanhou a divulgação da 2ª fase do Acesso] a
chegar este ano ao ensino superior! Ninguém pedia uma tal hipérbole.
Se o número dos que chegam ao ensino superior foi manipulado,
o processo de acesso é motivo de uma verdadeira campanha estruturada. O canal
de acesso mais conhecido e mais relevante para a maioria das universidades é o
Concurso Nacional de Acesso onde são usados os resultados do ensino secundário,
e dos seus exames finais. Para uns, o uso das notas dos exames para traçar o
futuro dos jovens tornará a sala de aula refém da preparação para o exame. E
todos os exames deveriam ser terminados para libertar a sala de aula. Outros
vêm na nota de exame uma barreira que, se fosse abatida, aumentaria muito o número
de candidatos disponíveis para satisfazer as suas vagas e alimentar os seus planos
de crescimento. E invocam a beleza de uma entrevista como alternativa ao exame,
a exemplo de países estrangeiros... Ou de um exame especial organizado pelas
universidades ou pelos institutos politécnicos para seriar os seus candidatos.
Sim, o nosso sistema de seriação dos candidatos não é perfeito. Usa
classificações internas das escolas que se sabe terem, em alguns casos,
inaceitáveis desvios sistemáticos para protegerem os seus próprios alunos. Para
os cursos mais competitivos, faz a seleção num intervalo estreito de notas sem
qualquer significado estatístico e seriam preferíveis exames dirigidos a esse
público de alto desempenho.
Diversos estudos mostram que a correlação entre a
classificação de acesso e o sucesso no ensino superior é alta, embora não seja
um fator discriminatório para os cursos de limiar de acesso muito elevado. A
França tem uma longa tradição de altíssimo insucesso nos primeiros anos
universitários (tal como os outros países de acesso livre). A nossa tradição
não era diferente, mas baixou imenso no último meio século, não ultrapassando
hoje a média da OCDE. No entanto, a natural pressão social associada à
consciência de que o insucesso significa um grande desperdício de meios humanos
e materiais exige ainda mais progresso nesta linha. Isto exige uma maior
diversificação da oferta e uma nova forma de responsabilização das instituições
como foi recentemente proposto pelo Partido Social Democrata. É enorme o nosso
atraso na oferta de TeSP em todo o país e sempre bem ajustados à realidade
social da região. Só assim poderemos evitar o desajuste entre os perfis
educativos e formativos e a realidade social exterior. Todos os países
desenvolvidos (e muitos em desenvolvimento) se queixam deste desalinhamento e
procuram definir estratégias que atenuem a frustração dos jovens diplomados.
Não devemos evitar por mais tempo esse esforço.
O modelo de acesso tem de ser desenhado de modo a garantir a
possibilidade de sucesso dos candidatos admitidos. Os poucos estudos existentes
mostram a direção de afinação dos critérios de seriação usados hoje. Mas isto é
mais relevante para alguns cursos mais competitivos. Perto de 90% dos
estudantes que se apresentam anualmente ao Concurso Nacional de Acesso
matriculam-se numa universidade ou instituto politécnico, embora muitos fiquem
fora da sua 1ª opção. A maioria dos outros acabam por se inscrever numa
instituição privada, sendo pequeno, mas crescente o número daqueles que optam
diretamente por uma instituição estrangeira. Infelizmente, um relevante número
de jovens de altíssimo nível opta diretamente por uma das universidades
estrangeiras de maior prestígio (muitas vezes com bolsa integral para atrair os
melhores), um sinal de que não encontrarão em Portugal o desafio intelectual
apropriado.
A Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior identifica
corretamente a barreira encontrada pelos alunos das vias profissionalizantes do
secundário que querem aceder a licenciatura, mas não parece capaz de propor a
melhor solução. Tal como acontece em França, o seu insucesso seria superior a
80% se fossem induzidos a entrar diretamente numa licenciatura (ou então
teríamos de redefinir o nível de ambição académica das nossas licenciaturas).
Estaríamos a prestar-lhes um péssimo serviço. É natural que estes jovens
detentores já de uma qualificação profissional queiram entrar na vida ativa
antes de, eventualmente, retomar um percurso formativo superior, mas muitos
poderão querer repensar a sua decisão e prosseguir de imediato para o ensino
superior. A esses será provavelmente exigido um esforço pessoal adicional
devidamente apoiado pela escola secundária e, depois, pela instituição de
ensino superior que os admita. A via natural e já completamente disponível é um
curso de TeSP, mas, infelizmente, com uma oferta muito deficiente nas regiões
metropolitanas.
Tão importante como chegar ao objetivo, é chegar na altura
própria e os nossos mecanismos de acesso são ainda ridiculamente lentos com a
chamada 3ª fase do Concurso Nacional de Acesso a distribuir candidaturas mais
de um mês depois de começadas as aulas. Um mau começo. Um convite oficial ao
insucesso! A maioria dos países tem processos centralizados de gestão das
candidaturas para ajudar os candidatos nesta escolha e conseguem terminar a
tempo de os estudantes e as famílias se adaptarem. Sim, e até pode haver
entrevistas como alguns defendem entre nós, mas, mesmo nos países onde a
entrevista tem tradição e bom nome, há problemas e fortes reações. Evitemos um caminho que
facilmente prevemos onde iria ter em Portugal, mas estejamos abertos a servir melhor
os nossos jovens que vão encontrar uma sociedade mais complexa. A busca de
perfis educativos mais longos está a crescer com a chamada Sociedade do
Conhecimento, mas o desajuste e a aparente sobre-qualificação de muitos traz
frustrações difíceis de ultrapassar. Esta realidade é agravada entre nós por um
altíssimo prémio salarial dos graduados que finalmente está a baixar para os
níveis médios da OCDE. Infelizmente, esta correção não está a ser absorvida por
uma subida dos níveis salariais gerais da população.
In Jornal Público, 13 de novembro de 2018
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