O Governo anuncia uma redução do valor máximo das propinas dos
estudantes de licenciatura e mestrado integrado que equivale a uma despesa
orçamental de cerca de 50 milhões de euros. Será a melhor aplicação desta folga
orçamental entregue ao superior? É certamente um passo relevante no sentido da
eliminação total das propinas no ensino superior público, caminho que o lóbi de
hoje vai trilhar nos próximos anos com um impacto total de 300 milhões de
euros. É um lóbi persistente. Recordamos a dificuldade que governos de várias
cores políticas tiveram para fazer a atualização do valor das propinas que fora
congelado desde a 2ª guerra mundial. Este esforço foi desconsiderado, primeiro
pelo congelamento e agora pela redução das propinas que, lembremos, tinham
ainda um valor máximo equivalente ao então fixado! Será este o melhor uso da
folga orçamental que a otimista estimativa de 2,2% de crescimento veio dar a
este orçamento?
O ensino superior interessa hoje a perto de metade da população jovem,
infelizmente apenas à metade com melhor posição social e económica. A outra
metade perde-se no percurso do ensino básico e secundário onde temos ainda uma
taxa de abandono e insucesso demasiado alta. Mas essa metade mais frágil dos
portugueses não é preocupação dos que defendem a baixa das propinas. Pelo
contrário, serão eles a pagar nos seus impostos, especialmente no IVA, os 50 M€
que vão ser oferecidos ao superior.
Não poderemos imaginar estratégias para que o nosso sistema educativo
não superior estimule mais jovens a manterem-se e terem sucesso no seu percurso
escolar? Uns dirão que a verba é insuficiente para tal objetivo; outros que não
é de dinheiro que o sistema precisa porque a despesa pública já é superior à
média da OCDE. Definitivamente, esta não é a clientela eleitoral que interessa
considerar.
Se decidirmos entregar esta dotação ao superior, não seria melhor
empregue a garantir a solidariedade territorial oferecendo isenção de propinas
a todos os estudantes do interior (do verdadeiro interior que vai de Viana do
Castelo a Faro)? E ainda sobraria algum dinheiro para apoiar os custos de
mobilidade dos deslocados para estas instituições num reforço são do programa
+Superior. Mas não, os votos deste interior são poucos e é mais simples
deixá-lo definhar em paz.
Dentro do ensino superior, e apesar do filtro social de entrada, ainda
há muitos estudantes em dificuldades e o sistema de apoio social é curto. Não
ultrapassa atualmente uns 130 M€ anuais e mereceria bem um reforço que
aumentasse o valor médio da bolsa para os mais carecidos, especialmente para os
deslocados. Mas não, não é o melhor caminho em ano de muitas eleições. A
redução das propinas vai atingir uns 200 000 estudantes enquanto que a
melhoria das bolsas de estudo iria melhorar a vida de pouco mais de
50 000. Definitivamente não seria a decisão com melhor retorno eleitoral.
A escassez das dotações não é simples demagogia de reitores e
presidentes. O emagrecimento a que as instituições foram forçadas nas últimas
décadas não foi ainda revertido, apesar de termos retomado algum crescimento e
é fácil constatar a necessidade de manutenção de muitos edifícios e
residências. O plano anunciado de novas residências é curto e implica nova
dívida pública escondida por trás da empresa pública Estamo. As iniciativas na
área da Ciência colocam a FCT em terrível overbooking
e empurram despesa para dentro do perímetro das universidades sem que estas
tenham novas receitas para as satisfazer. A criação de despesa orçamental
permanente nos últimos dias de uma época de expansão da economia só pode
conduzir aos traumas de que todos ainda nos lembramos, mas tentamos pensar que
ocorrem apenas uma vez na vida.
Sim, uma folga de 50M€ é bem-vinda ao ensino superior e deve ser
aplicada para benefício direto dos estudantes, apenas dos estudantes cuja
permanência e sucesso depende dessa ajuda pública. Sacrifiquemos alguns votos e
garantamos maior justiça social no acesso ao ensino superior e no sucesso dos
mais frágeis.
Façamos esforços para que mais alguns dos nossos jovens que nasceram na
metade menos afortunada da população tenham o ensino superior como opção. Àqueles
que conseguiram chegar lá, temos de oferecer condições de sucesso.
Assumidamente, não é esta a clientela eleitoral considerada neste ciclo
político, mas também depende dela o futuro do país.
Publicado em Jornal Público, 20 de outubro de 2018
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