sexta-feira, 29 de junho de 2018

A liderança académica de Alberto Amaral





Depois de presidir aos destinos da Faculdade de Ciências de 1978 a 1985, Alberto Amaral foi Reitor da Universidade do Porto até 1998. Dificilmente podemos deixar de responsabilizar quem liderou a instituição durante 20 anos pelos defeitos, mas também pelas virtudes que por ali encontremos....

Acresce, que este foi um período extremamente marcante na nossa vida coletiva e no sistema universitário em particular. Foi um período de consolidação da democracia e, nas universidades, de afirmação da chamada gestão democrática. O país continuava a crescer economicamente e a participação na educação superior continuava a subir ao ritmo de cerca de 6% ao ano, ritmo que vinha desde os anos de 1940, para terminar abruptamente no fim do século. Um período de grande otimismo alimentado pela liberdade política conseguida em 1974 e pelos fundos de coesão da Comunidade Económica (depois União) Europeia. Mercê do dinamismo demográfico da região, o peso relativo Universidade do Porto aumentou substancialmente, apesar da criação de três novas universidades a distâncias entre 50 e 100km.

Uma personalidade   forte imprime uma liderança firme e incontestada   e   consegue   o alinhamento de toda a instituição para uma transformação serena para o que de melhor se faz no ensino superior europeu, algo que não passava de uma miragem distante quando Alberto Amaral regressou de Cambridge com o seu doutoramento em Química Teórica em 1969.


Na sala de aula era capaz de estruturar, de forma brilhante e transparente, matérias exóticas, arrumando de forma magistral o seu quadro negro (já os havia verdes nessa época...) com uma letra miudinha e bem desenhada que os estudantes de hoje levariam para casa fotografado pelos seus smartphones ou ipads. Não era necessário porque tudo era por ele passado a textos de apoio. Regressado em 1976 dos seus 4 anos de experiência moçambicana, era óbvio que não ia caber na sala de aula, que os estudantes não o conseguiriam segurar. Rapidamente, subiu ao andar nobre do edifício universitário que o engenheiro militar Carlos Amarante desenhara nos duríssimos anos das guerras napoleónicas para ser concluído mais de um século depois com um empréstimo público a 100 anos; a sua amortização ter-se-á concluído nas vésperas da novíssima visita do Fundo Monetário...

Conheci-o bem nesse vaivém entre o gabinete da sobreloja e a Direção da Faculdade ainda ferida pelo terrível incêndio de 1975. Conheci o Diretor que era capaz de fazer química (com alguma brincadeira pelo meio) até às cinco da tarde para depois se sentar à máquina de escrever (sim, essa peça de museu existia mesmo!) a preparar ofícios, que, no dia seguinte, levaria aos corredores ministeriais para conseguir alguma magra migalha de um poder sempre centralista e pouco dado a arriscar investimentos remotos. O Porto tinha instalado, em 1967, um magnífico computador científico (com 64K de memória) e foi Alberto Amaral que conseguiu, neste vaivém com a capital, um edifício novo para instalar o sucessor que já não cabia no prédio de habitação que servia de centro de cálculo da Faculdade de Ciências. Pela mesma altura, beneficiei de uma impressora de linhas que um empréstimo do Banco Mundial financiou, mas que nunca pôde ser usada por erro de especificação ou maldade do fornecedor. Não interessa a razão. O que fica é que o dinheiro barato não faz a riqueza dos povos.

Da Direção da Faculdade de Ciências para a Reitoria da Universidade do Porto, o salto não foi incontestado, mas conduziu a um longo e marcante mandato. É um período de crescimento em número de estudantes e em diversidade de cursos, mas também de planeamento de novos edifícios e de reorganização da Universidade e de todo o seu ecossistema de investigação. É um período marcante para a cultura académica própria da Universidade. A estratégia foi dar a máxima liberdade para que todos e cada um dos membros da Universidade dessem o seu máximo contributo para a rápida construção de uma grande Universidade de Investigação. A evolução do número de documentos publicados em revistas do primeiro quartil, apresentada na figura seguinte usando valores de Scimago.com, é disso prova clara. Prova de que uma boa estratégia produz efeitos muito para além do período estímulo inicial.


Terminado o segundo mandato de Reitor (com o limite imposto pela Lei Autonomia de 1988), Alberto Amaral “retira-se” para Matosinhos para uma nova vida, para uma terceira carreira académica. Depois de se afirmar como Professor Catedrático de Química e de ganhar visibilidade nacional em 20 anos de gestão universitária, constrói um percurso académico novo como investigador de políticas da educação superior. Neste terceiro fôlego, ganhou proeminência como maior perito português e um dos mais solicitados peritos europeus. Construiu escola, lançou muita gente nova que o procurou em Matosinhos para se lançar na aventura académica numa área que, antes de Alberto Amaral era muito cinzenta, de um cinza muito claro, quase invisível. Daí fez ouvir a sua voz de firme oposição a tudo que parecesse Nova Gestão Pública. Pouco depois, viu no Processo de Bolonha uma ameaça à tradição universitária europeia condensada na Magna Charta Universitatum, acordada em 18 de setembro de 1988, por altura dia celebração do IX centenário da Universidade de Bolonha e que ele teve a honra de ser o único Reitor com direito a duas assinaturas. De crítico ácido, teve a arte de passar a assumir a enorme responsabilidade de erigir e ser primeiro Presidente do Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

Na Universidade do Porto, perdura muita da carga genética que ele trouxe das suas origens serranas e que agora vai sendo difundida por outras paragens mais habituadas à serenidade mole da planície. Continuaremos agora a beneficiar desta sabedoria de Fafe, não dispondo já do conhecido utensílio rústico de imposição da justiça.

José Ferreira Gomes, na inauguração da escultura
29 de junho de 2018


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