segunda-feira, 29 de setembro de 2025
Objetivos da educação para 2029
Após as eleições legislativas de 18 de maio de 2025 e depois de dois ciclos políticos muito curtos tem sido alimentada a esperança de que possamos ter um governo de legislatura. Isto, apesar da dispersão de votos pelos três partidos mais representados na Assembleia da República. O espaço dedicado à educação nos programas eleitorais destes partidos era muito comparável, mesmo numa leitura rápida, surgem diferenças muito acentuadas no grau de concretização das propostas. Compreensivelmente, o partido incumbente apresentava objetivos mais concretos e alinhados com os objetivos assumidos na União Europeia na comparação dos seus 27 estados-membro.
Objetivos gerais
Em termos de melhoria das aprendizagens escolares dos nossos jovens, o grande objetivo da Aliança Democrática é recuperar até 2029 a perda de posição observada nos últimos anos no teste PISA que é organizado pela OCDE. De facto, tinha-se em 2015 uma posição muito próxima da média da OCDE que foi sendo perdida nas edições do PISA de 2018 e de 2022. A proposta é que em 2029 se vá além do conseguido em 2015, ultrapassando a média internacional. E era só a AD que apresentava um objetivo concreto para a melhoria das aprendizagens escolares.
A estratégia proposta para chegar a este resultado é bastante suave, certamente, para não criar mais instabilidade na vida dos professores e no ambiente escolar. Uma das medidas é manter o novo tipo de exames já introduzido no 4º e no 6º ano de escolaridade, propondo maior exigência e relevância.
- Participação na educação das crianças entre os 3 anos e o ensino obrigatório: mais de 96%;
- Abandono escolar precoce (jovens de 18 a 24 anos que não completaram o ensino secundário e não estão no sistema escolar): menos de 9%;
- Compreensão da leitura (jovens de 15 anos com baixo desempenho no teste PISA): menos de 15%;
- Literacia em Matemática (baixo desempenho no teste PISA): menos de 15%;
- Literacia científica (baixo desempenho no teste PISA): menos de 15%;
- Literacia digital (baixo desempenho no teste PISA): menos de 15%;
- Diplomados pelo ensino superior na faixa etária dos 25 aos 34 anos: mais de 45%;
O gráfico acima ilustra a posição de Portugal e de diversos países de referência face aos objetivos para 2030. Vemos que nos indicadores PISA, Portugal regista um atraso onde está acompanhado pela Espanha, França. Na literacia digital (medida pelo teste ICILS, um teste organizado por um consórcio internacional onde participa o IAVE, Instituto de Avaliação Educativa) a UE propõe um objetivo ainda distante de todos os países. Dos países selecionados para a figura, a Estónia salienta-se pelo bom desempenho em todos os indicadores, apenas sendo convidada a melhorar o abandono precoce dos atuais 11% para o objetivo de 9%. Note-se que Portugal já ultrapassou este objetivo, mas é convidado a melhorar os indicadores PISA. Daí a ênfase posta na proposta da AD. Para o número de diplomados pelo ensino superior no intervalo etário dos 25 a 34 anos, Portugal está muito perto do objetivo proposto, assinalando-se a posição de Espanha e França já bastante mais avançadas. Deve notar-se que o avanço destes dois países está ligado ao elevado número de diplomados com cursos equivalentes aos nossos TeSP, cursos Técnicos Superiores Profissionais. Os valores destes indicadores podem também ser vistos na tabela seguinte.
Alguns destes indicadores mereciam uma avaliação mais fina porque dependem do desempenho do sistema escolar, mas também das transformações da sociedade. No caso português, é notório que o número de diplomados jovens é já muito afetado pela emigração jovem que se manterá elevada enquanto a nossa economia não nos aproximar dos parceiros mais próximos oferecendo aos jovens as oportunidades que hoje rareiam. Do outro lado, a nossa imigração é, sobretudo, jovem e de baixas qualificações pelo que também afetará o indicador e atuará no mesmo sentido da emigração. O crescimento da imigração de baixas qualificações vem responder a necessidades reconhecidas da nossa economia, mas, se estes imigrantes permanecerem em Portugal a longo prazo, vai pesar nas “baixas qualificações dos portugueses” que têm sido apresentadas como razão importante para as dificuldades da economia, particularmente nos setores de maior valor acrescentado.
Os países europeus que recebem imigração (pouco qualificada) há mais tempo têm hoje um problema difícil com a segunda e terceira geração desses imigrantes. Os indicadores acima refletem este problema apesar das políticas de integração adotadas pela via escolar. Em Portugal, por enquanto, este problema põe-se apenas na tentativa de integração escolar das crianças que não falam português e, em muitos casos, não falam nenhuma língua europeia. Este é o problema difícil de hoje e outros problemas virão depois.
O grande desafio da escola no último quarto de século foi abrir-se a todos os jovens menores de 18 anos, oferecendo diversos percursos para satisfazer esse novo público. Surge agora a necessidade de integrar na escola muitos imigrantes ou filhos de imigrantes recentes.
A Educação Superior e a Ciência
Na Educação Superior promete-se um impulso reformador só comparável ao dos anos 2005-2009, começando pelo abandono da expressão Ensino Superior para assumir o termo mais abrangente de Educação sempre preferido em língua inglesa e abandonando a preferência francesa pelo Enseignement Supérieur. Na primeira década deste século havia em toda a Europa um impulso reformador na Educação Superior. Por um lado, os acordos de Bolonha davam um impulso generalizado a reformas curriculares e foram, em formas bastante diversas, adotados nos países europeus e até à Rússia e Ásia central. Ao mesmo tempo, vários países adotaram novas formas de governo das suas universidades estatais. Depois de décadas de distanciamento crescente entre a burocracia de estado e as universidades, vingava uma lógica de regulação estatal em alternativa à plena integração na hierarquia estatal dos novos estados-nação nascidos no rescaldo das guerras napoleónicas.
As soluções adotadas em vários países europeus passaram pela criação de conselhos de curadores à feição do sistema anglo-americano. A ideia era criar um canal de transmissão do “bem comum” definido pelo governo democraticamente eleito sem levar à antiga microgestão dentro de uma hierarquia burocrática de estado. São exemplos disso as reformas de 2004 na Dinamarca e na Áustria com a criação de “conselhos gerais” externos para assumirem a orientação estratégica da universidade e a eleição do reitor. A Holanda (agora Países Baixos) tinha ensaiado o modelo de autogestão colegial entre 1972 e 1985 para adotar um modelo alternativo que com muitos acertos ao longo dos anos se mantém até hoje. No topo da gestão de cada universidade estatal, há um Reitor eleito no interior da corporação académica e um Presidente eleito por um conselho de curadores que, por sua vez, tem uma maioria de membros nomeados pelo Governo. O órgão coletivo de gestão de topo envolve o Reitor e o Presidente de modo a harmonizar os desejos da academia com o interesse público representado pelo Presidente que responde perante um conselho de curadores predominantemente externo.
Em Portugal, o RJIES de 2007 deu passos tímidos na abertura da gestão universitária ao controlo externo. Adotou uma solução ainda dominada pelas corporações internas onde o Conselho Geral tem uma pequena representação externa e, mesmo essa, escolhida pelos internos. Os eleitores internos, docentes e alunos, controlam todo o processo. A escolha do reitor domina as eleições internas para o Conselho Geral que está cada vez mais partidarizado porque só partidos políticos e grandes sindicatos têm a organização e os meios para conduzir uma campanha eleitoral e apresentar candidatos com alguma visibilidade em toda a universidade. Se alguma dúvida houvesse, bastaria olhar para a Espanha, que tem um processo de eleição direta universal nas suas 50 universidades estatais. Os candidatos a reitor têm de dirigir a sua campanha aos milhares de docentes, investigadores e funcionários e ainda às dezenas de milhar de alunos. O sucesso depende há muitos anos do apoio partidário e das grandes centrais sindicais.
Em Portugal temos agora todos os reitores universitários, presidentes politécnicos e muitos comentadores e defenderem um processo de eleição de reitor/presidente com um colégio eleitoral muito mais alargado a votantes da instituição. Até condescendem a que os membros do Conselho Geral possam votar, desde que esteja assegurado que o seu voto não é determinante pela sua diluição num colégio muito alargado. Compreende-se esta posição porque as eleições para o Conselho Geral se transformaram em “primárias” da eleição do reitor. O modelo de gestão universitária (e politécnica) de topo adotado em 2007 funcionou mal como era de todo previsível, mas poderia ser um ponto de partida para retocar o erro de se manter o Conselho Geral maioritariamente interno. É triste que, depois do pequeno passo dado em 2007, se vá regressar à autogestão adotada em 1976 para ultrapassar as pesadas sequelas do processo revolucionário de 1974-75.
Portugal e Espanha constitucionalizaram a autonomia universitária num esforço para evitar a intromissão do poder político como acontecera durante as suas longas ditaduras. Autonomia não implica autarcia. Democracia não implica que as instituições prossigam o que docentes, discentes e funcionários vêm como seus interesses imediatos. Pelo contrário, democracia significa que cabe ao poder legitimado em eleições universais a definição do interesse público. Assim acontece na grande maioria dos países europeus. Portugal é diferente.
Na Ciência temos mantido uma tradição organizativa francesa que devia ter sido abandonada há muito. Nas unidades de investigação insiste-se em manter a matriz das UMR, Unités Mixtes de Recherche sem sequer tentar a política de negociação entre o financiador central, o CNRS no caso francês, e a universidade a que os investigadores estão vinculados. O nosso sistema científico depende quase totalmente das universidades e, mais recentemente, também dos institutos politécnicos. Um modelo criado no início da década de 1990 aquando da chegada dos primeiros fundos comunitários permitiu então iniciar a consolidação da incipiente rede de “projetos” e “centros” que fora sendo estabelecida pelas entidades financiadoras estatais desde os anos de 1950. Também por essa altura, foi generalizada a avaliação por pares e o recurso a peritos estrangeiros. Assim foi possível promover seletivamente os grupos universitários mais dinâmicos e normalmente mais jovens. Este sistema cristalizou e foi imposto a todo o sistema de ensino superior, universidades e institutos politécnicos, estatais e privados.
Construímos assim um sistema académico de investigação maior do que qualquer outro país do mundo. Nenhum país aspira a financiar investigação de qualidade por todos os seus docentes de ensino superior. Portugal também não o consegue, mas insiste em manter essa presunção. A cada ronda de avaliação e de definição do financiamento plurianual segue-se um processo traumático de adaptação das unidades de investigação a novas condições resultantes da desclassificação de algumas por demérito ou azar (sempre possível). Com a divulgação dos resultados da última avaliação, começou uma campanha (aparentemente) inorgânica de críticas a todo o processo. Isto apesar de 85% dos investigadores integrados estarem em unidades com a classificação de Muito Bom ou Excelente! Nem um aumento do bolo total de financiamento recorrendo ao omnipresente PRR parece acalmar a quebra de expectativas.
A ligação entre a acreditação de ciclos de estudos, especialmente dos doutoramentos, e os resultados da avaliação das unidades de investigação foi um erro grave porque tornou uma falha na avaliação num drama que pode mesmo chegar à redenominação de uma instituição. A abertura à concessão de doutoramentos pelos institutos politécnicos levou a que a FCT fosse obrigada a aumentar o número de unidades de investigação classificadas com Muito Bom e Excelente. É inevitável uma gestão política dos resultados, como aliás tem acontecido com frequência. Mas, não deve surpreender que a inflação das classificações não seja suficiente para satisfazer todos os interesses e expectativas, muitas legítimas, de docentes, investigadores e instituições. Não foi suficiente, mas foi já excessiva para manter o nível anterior de financiamento de muitas unidades e muitas das maiores e com maior capacidade de influenciar o espaço de opinião pública.
As soluções adotadas em vários países europeus passaram pela criação de conselhos de curadores à feição do sistema anglo-americano. A ideia era criar um canal de transmissão do “bem comum” definido pelo governo democraticamente eleito sem levar à antiga microgestão dentro de uma hierarquia burocrática de estado. São exemplos disso as reformas de 2004 na Dinamarca e na Áustria com a criação de “conselhos gerais” externos para assumirem a orientação estratégica da universidade e a eleição do reitor. A Holanda (agora Países Baixos) tinha ensaiado o modelo de autogestão colegial entre 1972 e 1985 para adotar um modelo alternativo que com muitos acertos ao longo dos anos se mantém até hoje. No topo da gestão de cada universidade estatal, há um Reitor eleito no interior da corporação académica e um Presidente eleito por um conselho de curadores que, por sua vez, tem uma maioria de membros nomeados pelo Governo. O órgão coletivo de gestão de topo envolve o Reitor e o Presidente de modo a harmonizar os desejos da academia com o interesse público representado pelo Presidente que responde perante um conselho de curadores predominantemente externo.
Em Portugal, o RJIES de 2007 deu passos tímidos na abertura da gestão universitária ao controlo externo. Adotou uma solução ainda dominada pelas corporações internas onde o Conselho Geral tem uma pequena representação externa e, mesmo essa, escolhida pelos internos. Os eleitores internos, docentes e alunos, controlam todo o processo. A escolha do reitor domina as eleições internas para o Conselho Geral que está cada vez mais partidarizado porque só partidos políticos e grandes sindicatos têm a organização e os meios para conduzir uma campanha eleitoral e apresentar candidatos com alguma visibilidade em toda a universidade. Se alguma dúvida houvesse, bastaria olhar para a Espanha, que tem um processo de eleição direta universal nas suas 50 universidades estatais. Os candidatos a reitor têm de dirigir a sua campanha aos milhares de docentes, investigadores e funcionários e ainda às dezenas de milhar de alunos. O sucesso depende há muitos anos do apoio partidário e das grandes centrais sindicais.
Em Portugal temos agora todos os reitores universitários, presidentes politécnicos e muitos comentadores e defenderem um processo de eleição de reitor/presidente com um colégio eleitoral muito mais alargado a votantes da instituição. Até condescendem a que os membros do Conselho Geral possam votar, desde que esteja assegurado que o seu voto não é determinante pela sua diluição num colégio muito alargado. Compreende-se esta posição porque as eleições para o Conselho Geral se transformaram em “primárias” da eleição do reitor. O modelo de gestão universitária (e politécnica) de topo adotado em 2007 funcionou mal como era de todo previsível, mas poderia ser um ponto de partida para retocar o erro de se manter o Conselho Geral maioritariamente interno. É triste que, depois do pequeno passo dado em 2007, se vá regressar à autogestão adotada em 1976 para ultrapassar as pesadas sequelas do processo revolucionário de 1974-75.
Portugal e Espanha constitucionalizaram a autonomia universitária num esforço para evitar a intromissão do poder político como acontecera durante as suas longas ditaduras. Autonomia não implica autarcia. Democracia não implica que as instituições prossigam o que docentes, discentes e funcionários vêm como seus interesses imediatos. Pelo contrário, democracia significa que cabe ao poder legitimado em eleições universais a definição do interesse público. Assim acontece na grande maioria dos países europeus. Portugal é diferente.
Na Ciência temos mantido uma tradição organizativa francesa que devia ter sido abandonada há muito. Nas unidades de investigação insiste-se em manter a matriz das UMR, Unités Mixtes de Recherche sem sequer tentar a política de negociação entre o financiador central, o CNRS no caso francês, e a universidade a que os investigadores estão vinculados. O nosso sistema científico depende quase totalmente das universidades e, mais recentemente, também dos institutos politécnicos. Um modelo criado no início da década de 1990 aquando da chegada dos primeiros fundos comunitários permitiu então iniciar a consolidação da incipiente rede de “projetos” e “centros” que fora sendo estabelecida pelas entidades financiadoras estatais desde os anos de 1950. Também por essa altura, foi generalizada a avaliação por pares e o recurso a peritos estrangeiros. Assim foi possível promover seletivamente os grupos universitários mais dinâmicos e normalmente mais jovens. Este sistema cristalizou e foi imposto a todo o sistema de ensino superior, universidades e institutos politécnicos, estatais e privados.
Construímos assim um sistema académico de investigação maior do que qualquer outro país do mundo. Nenhum país aspira a financiar investigação de qualidade por todos os seus docentes de ensino superior. Portugal também não o consegue, mas insiste em manter essa presunção. A cada ronda de avaliação e de definição do financiamento plurianual segue-se um processo traumático de adaptação das unidades de investigação a novas condições resultantes da desclassificação de algumas por demérito ou azar (sempre possível). Com a divulgação dos resultados da última avaliação, começou uma campanha (aparentemente) inorgânica de críticas a todo o processo. Isto apesar de 85% dos investigadores integrados estarem em unidades com a classificação de Muito Bom ou Excelente! Nem um aumento do bolo total de financiamento recorrendo ao omnipresente PRR parece acalmar a quebra de expectativas.
A ligação entre a acreditação de ciclos de estudos, especialmente dos doutoramentos, e os resultados da avaliação das unidades de investigação foi um erro grave porque tornou uma falha na avaliação num drama que pode mesmo chegar à redenominação de uma instituição. A abertura à concessão de doutoramentos pelos institutos politécnicos levou a que a FCT fosse obrigada a aumentar o número de unidades de investigação classificadas com Muito Bom e Excelente. É inevitável uma gestão política dos resultados, como aliás tem acontecido com frequência. Mas, não deve surpreender que a inflação das classificações não seja suficiente para satisfazer todos os interesses e expectativas, muitas legítimas, de docentes, investigadores e instituições. Não foi suficiente, mas foi já excessiva para manter o nível anterior de financiamento de muitas unidades e muitas das maiores e com maior capacidade de influenciar o espaço de opinião pública.
Reitor da Universidade da Maia
Subscrever:
Mensagens (Atom)