Esta é uma mensagem de agradecimento e de despedida.
quarta-feira, 2 de junho de 2021
Que fazem os nossos licenciados?
A Direção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC) publicou recentemente dois estudos1,2 de seguimento dos estudantes que terminam cursos de Técnico Superior Profissional (TeSP) e de licenciatura universitária ou politécnica. Há informação muito interessante sobre o nosso sistema de ensino superior e sobre as estratégias adotadas pelos estudantes.
A comparação internacional é cada vez mais relevante porque estes jovens estão a preparar-se para trabalhar numa Europa com fronteiras suaves, mas esta comparação é difícil porque os sistemas educativos são muito diversos e as estatísticas nem sempre dizem toda a verdade. Os esforços feitos nos últimos vinte anos para construir um espaço europeu de ensino superior permitiram uma maior mobilidade estudantil incentivada pelo programa Erasmus, provavelmente o programa europeu de maior impacto social. A adoção de um sistema único de diplomas e graus académicos com um ciclo curto e três graus, licenciatura, mestrado e doutoramento facilitou a compreensão dos vários sistemas nacionais, mas alterou muito pouco no que acontece sob essa capa de nomenclatura comum. Ao nível da formação profissional (ensino secundário), as diferenças são ainda mais gritantes.
Do estudo da DGEEC, a informação mais relevante sobre os TeSP é que mais de metade dos diplomados seguem imediatamente para uma licenciatura, embora a realidade varie muito de instituição para instituição. Poderá pensar-se que os TeSP são vistos pelos estudantes e pelas instituições como um canal alternativo para chegar a uma licenciatura sem satisfazer a exigência do Concurso Nacional de Acesso (CNA). Esta realidade é difícil de compreender porque os TeSP incluem um semestre de estágio para facilitar a inserção profissional imediata e é conhecida a dificuldade encontrada por muitos licenciados para encontrarem o posto de trabalho com que sonharam. Acima da média nacional de 56% na transição direta para licenciatura, estão 8 Institutos Politécnicos (IP) e a Escola Náutica do Infante D. Henrique, com seis destes IP a atingirem valores entre 65% e 79% a prosseguirem estudos, na grande maioria dos casos dentro do mesmo IP. Pelo contrário, algumas instituições têm taxas de prosseguimento de estudos muito baixas com quatro IP abaixo dos 25%. Esta grande disparidade pode, em parte, explicar-se pelo tipo de cursos oferecidos, mas não deixa de sugerir políticas institucionais muito marcantes. Haverá um desalinhamento entre os objetivos do curso e a realidade do mercado trabalho (regional) ou teremos simplesmente poucas oportunidades nas regiões do interior onde se situam os seis IP com taxas de permanência dos estudantes mais altas? O desenho curricular do curso de TeSP tem sempre um semestre de estágio em posto de trabalho numa empresa (ou organização) para induzir o alinhamento do curso com a realidade económica regional e facilitar a transição do estudante, mas isto parece ser insuficiente para lhe abrir as portas ao mundo do trabalho.
Qual será a realidade dos cursos de dois anos noutros países europeus? Em Espanha há 413 169 estudantes (dos quais 59 934 a distância) nos seus cursos equivalentes3 aos nossos TeSP e o prosseguimento destes diplomados para uma licenciatura é absolutamente residual. Em França4, apenas 32% dos diplomados em ciclos curtos (DUT e BTS) prosseguem estudos de imediato.
A situação reportada pela DGEEC para os licenciados é mais complexa pela grande variedade de áreas de estudo e pela diversidade das instituições. Em média, 36% dos licenciados em Portugal prosseguem estudos logo no ano seguinte. Esta média de 36% esconde a grande diferença entre os 49% no setor universitário e os 22% no setor politécnico. Estes números são bem compreendidos considerando a história do nosso sistema de graus e diplomas de ensino superior. No setor universitário, a tradição era a frequência da antiga licenciatura de 4, 5 ou 6 anos. Verificamos agora que cerca de metade dos estudantes que terminam com sucesso a nova licenciatura (de 3 anos) prosseguem estudos em mestrado. Em França5, onde o objetivo da grande maioria dos estudantes universitários era completar a Maitrise de 4 anos, cerca de 68% dos estudantes que completam a nova (e antiga, porque já existia e o seu posicionamento não foi alterado) Licence continuam a estudar em Master no ano seguinte.
No setor politécnico a (nova) licenciatura veio tomar o lugar do antigo bacharelato que era o diploma profissional de transição para o mercado de trabalho da maioria dos estudantes. Agora temos 78% dos estudantes licenciados a terminar aí o seu percurso educativo. Vemos que as escolhas atuais dos estudantes são muito influenciadas pela tradição de cada sistema educativo e, compreensivelmente, pelas expectativas dos empregadores e das famílias.
Temos de compreender que as decisões individuais sobre o percurso educativo no ensino superior são muito influenciadas pela força da formação profissional em cada país. A Alemanha tem uma relativamente baixa participação no ensino superior, universitário e politécnico, devido à forte e antiga tradição e prestígio social dos percursos de formação profissional. O mesmo acontece com outros países do centro da Europa que mantêm esta tradição. No quadro abaixo faz-se a comparação internacional, mas é preciso ter algum cuidado na leitura do peso dos ciclos curtos (nível 5 do Quadro Europeu de Qualificações) que só recentemente ganharam protagonismo nas comparações internacionais e muitos países ainda não adaptaram a sua legislação e as suas práticas curriculares à norma adotada pela OCDE. A Áustria é um bom exemplo onde estes ciclos curtos ganharam grande prestígio, tendo normalmente uma entrada muito competitiva, ao contrário das universidades onde a entrada é livre (para os detentores de um diploma do ensino secundário). A Áustria mantém a sua forte tradição de educação profissional complementada mais recentemente por este novo setor de ensino de cariz muito profissionalizante.
A leitura destas comparações internacionais deve atender a que nos sistemas inglês e americano, a entrada no mercado de trabalho se fazia e continua a fazer com o primeiro ciclo de Licenciatura ou Bachelor, reservando o mestrado para uma iniciação à investigação de entrada bastante competitiva. Mais recentemente, os mestrados britânicos assumiram progressivamente o objetivo de profissionalização na sequência imediata de um 1º ciclo de objetivos mais genéricos que pode ser aproximado pela antiga e hoje rara prática de um 1º ciclo americano de liberal arts. A baixa taxa de mestrados observada na Grécia resulta de o 1º ciclo de 4 anos ser em geral visto como destinado à entrada numa profissão, tal como a antiga licenciatura em Portugal.
[2] https://www.dgeec.mec.pt/np4/456/
[3] Quadro D7.1. de: Las cifras de la educación en España. Curso 2018-2019 (Edición 2021), http://www.educacionyfp.gob.es/servicios-al-ciudadano/estadisticas/indicadores/cifras-educacion-espana/2018-2019.htm
[4] L’Enseignement Supérieur en Chifres, Les bacheliers 2008 entrés dans l'enseignement supérieur : où en sont-ils la cinquième année ? Note d'information 15.04, https://www.enseignementsup-recherche.gouv.fr/cid91352/les-bacheliers-2008-entres-dans-l-enseignement-superieur-ou-en-sont-ils-la-cinquieme-annee.html
[5] L’Enseignement Supérieur en Chifres, Les bacheliers 2008 entrés dans l'enseignement supérieur : où en sont-ils la cinquième année ? Note d'information 15.04, https://www.enseignementsup-recherche.gouv.fr/cid91352/les-bacheliers-2008-entres-dans-l-enseignement-superieur-ou-en-sont-ils-la-cinquieme-annee.html
José Ferreira Gomes, Porto, 1 de junho de 2021
Publicado em: https://www.iniciativaeducacao.org/pt/ed-on/ed-on-estatisticas/que-fazem-os-nossos-licenciados