terça-feira, 30 de junho de 2020

Acesso ao Ensino Superior em 2020

A grande novidade do acesso ao ensino superior em 2020 é a criação de um novo concurso especial[i] de ingresso para titulares de cursos de dupla certificação (via profissional) e cursos artísticos especializados do ensino secundário. A justificação para esta inovação é alargar a base social de participação no ensino superior, garantindo um processo efetivo de convergência com a Europa até 2030 e trilhando o percurso para atingir nesse ano um nível de 60% dos jovens com 20 anos que participam no ensino superior e um nível de 50% de diplomados na faixa etária dos 30-34 anos. Dez anos antes, o objetivo de 40% de diplomados do ensino superior em 2020 parecia fácil de atingir. Ainda por volta de 2015, uma simples extrapolação dos valores então conhecidos para este indicador reforçava este otimismo e, contudo, o desiderato parece ter-nos escapado nos anos mais recentes.


Interessa compreender a relevância deste indicador e as causas desta frustração só recentemente reconhecida. Um estudo de 2016 produzido pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC)[ii] dava o alarme prevendo (no cenário base) a estabilização desse indicador nos anos seguintes por volta dos 31%. Neste estudo, são considerados os melhores valores então conhecidos para o número de graduados jovens e o impacto previsível da emigração de jovens qualificados que já então era muito relevante. Não é considerado o impacto dos novos cursos TeSP (Técnico Superior Profissional) por não terem ainda dado um número significativo de diplomas a pessoas de 30 a 34 anos.
A comparação entre os vários países pode ser feita usando os dados da OCDE[iii] onde começa a aparecer discriminada a percentagem de diplomados com o nível 5 (ciclo curto ou TeSP), nível 6 (Licenciatura), nível 7 (Mestrado) e Nível 8 (Doutoramento). Interessa comparar as faixas etárias 25 a 34 e 25 a 64 anos para apreciar a dinâmica mais recente da qualificação, embora o limite inferior de 25 anos exclua muitos diplomados que terminam os seus ciclos de formação superior mais tarde. De facto, é bem conhecido o nosso atraso secular em todos os níveis educativos. A universalização do primeiro ciclo educativo só foi completada em finais da década de 1950 e o secundário era completado por menos de 50% dos jovens em finais do século XX. A participação em cursos de graduação[iv] de ensino superior cresceu ao longo de todo o século XX a um ritmo de cerca de 6% ao ano, mas apenas na década de 1985-95 teve o impulso adicional que nos permitiu chegar às médias europeias (e até ultrapassar a Espanha).
   
Em relação ao ciclo curto, deve notar-se que a recolha de dados pela OCDE é recente e nem todos os países fizeram já o trabalho de estabelecer uma correspondência com os níveis de formação interna que seja aceite pela OCDE. É o caso da Alemanha que, apesar de ter uma formação profissional muito sólida e prestigiada, aparece com valores muito baixos para o ciclo curto, ao contrário da Áustria onde o ciclo curto está bem estabelecido e, sendo seletivo, é mesmo preferido por muitos em relação às licenciaturas universitárias de acesso livre. Se excluirmos o ciclo curto, Portugal fica ainda abaixo da média da OCDE ou da UE23, mas muito próximo; fica até com valores mais altos que os nossos vizinhos mais imediatos, Espanha e França. De facto, estes países têm sistemas de ciclo curto muito bem desenvolvidos, ainda que muito diferentes.
Na França, há dois tipos de formação que encaixam nesta categoria, o DUT (Diplome Universitaire de Technologie) e o BTS (Brevet de Technicien Supérieur), o primeiro associado às universidades, o segundo a espaços próprios nas escolas secundárias. Em Espanha, o ciclo curto corresponde ao ciclo de formação profissional superior, completamente independente das universidades, sendo a transição entre a via profissional do secundário e a via académica muito difícil. É esta última que leva às provas de admissão à universidade (ainda mais conhecida por selectividad). Para os alunos que tenham optado pela via profissional (de nível “médio”) está aberta a opção pela formação profissional superior. Note-se que o número de candidatos à selectividad espanhola é muito semelhante ao número de candidatos que se apresentam ao Concurso Nacional de Acesso em Portugal, feita a correção para a diferença de população.

A França tem um sistema de ensino superior muito diferenciado com uma rede de Grandes Écoles prestigiadas socialmente e muito seletivas. Nas universidades, a maioria dos cursos são de acesso livre para todos os candidatos que possuam um (qualquer) diploma do ensino secundário. O ensino secundário está organizado em três vias, a geral (mais académica) alimenta principalmente as licenciaturas universitárias e os cursos preparatórios para o concurso às Grandes Écoles. A via tecnológica alimenta principalmente os ciclos curtos (17% para DUT e 50% para BTS) mas ainda tem 15% dos alunos a optar por uma licenciatura universitária. Para a via profissional, esta última opção é residual (6%), dominando a opção por BTS. Para estes alunos, a opção por uma licenciatura pode ser livre, mas é fortemente desencorajada pelo altíssimo nível de insucesso e abandono. Note-se que, dos jovens que terminam o secundário, perto de 60% opta pela via geral, enquanto pouco mais de 20% opta pela tecnológica e um pouco menos pela via profissional.
Em quase todos os países, o acesso e a seriação dos candidatos ao ensino superior depende dos resultados do ensino secundário ou de uma prova nacional especial. Formalmente, é frequentemente da responsabilidade das próprias universidades, mas a primeira seriação tende a ser nacional. (A ideia generalizada de que as universidades são livres de escolher os seus estudantes está longe da realidade.) Muitos países começam a ter disposições legais ou recomendações fortes no sentido de atingirem uma maior equidade social e isso significa algum tipo de preferência por candidatos de meios mais frágeis ou com percursos menos prestigiados, cabendo à instituição de ensino superior avaliar o seu potencial com vista ao provável sucesso no curso a que se candidata. A Inglaterra tem um sistema nacional[v] de distribuição de todos os candidatos, sendo a decisão final tomada por cada instituição em função de uma avaliação fina, envolvendo normalmente uma entrevista. Nos cursos mais competitivos (Medicina entre outros) estão a ser usados em vários países testes especiais para avaliar o potencial de candidatos com um historial de excelência no secundário. Nos Estados Unidos não há um currículo nacional, sendo assim impossível uma avaliação comparativa baseada nos conteúdos curriculares para candidatos oriundos de estados, condados ou escolas diferentes. A solução é a aplicação de testes independentes[vi], menos dependentes do currículo concreto de cada escola. A maioria das universidades exige estes testes como primeiro meio de apreciação, seguindo-se depois uma entrevista ou outra forma de avaliação detalhada onde podem ser introduzidos alguns fatores de preferência social ou discriminação positiva.
Os sistemas de acesso são quase sempre controversos. Por um lado, podem não respeitar a equidade, favorecendo candidatos oriundos de ambientes educacional e socialmente mais ricos. Por outro lado, o sistema de decisão descentralizado abre a possibilidade de favorecimento pessoal, sendo bem conhecidos os escândalos e as práticas reiteradas de preferência de antigos alunos ou de financiadores da instituição. Vários países, querendo atenuar a seleção social resultante da simples utilização dos resultados do secundário ou mesmo dos testes americanos, impõem às instituições quase cotas em função do ambiente social de origem (medido pelo código postal, pelo tipo de escola ou pela dependência de apoio social no percurso escolar, por exemplo), deixando à discreta decisão local a correção desejada e evitando o escrutínio público de um processo difícil e pouco claro.
Em Portugal são conhecidos alguns poucos estudos mostrando a falha de equidade no acesso, mesmo omitindo e esquecendo a quase total exclusão de alguns grupos sociais como emigrantes recentes do hemisfério sul. Estudos de seguimento dos estudantes inscritos na Universidade do Porto[vii] verificaram consistentemente uma forte correlação do sucesso académico com a classificação de colocação e que os mais jovens (na candidatura) tinham melhor desempenho. Também que os candidatos a bolsa de ação social e os oriundos de escolas estatais têm maior sucesso. Resultados deste tipo são sempre difíceis de interpretar, mas sugerem a possibilidade de ser possível desenhar um modelo de cálculo do handicap a oferecer a certos grupos para os integrar num universo homogéneo de população num dado curso superior. Podemos imaginar que um candidato oriundo de uma escola privada terá sido melhor treinado para os exames de acesso pelo que terá tido aí um desempenho acima do seu “normal” e por isso virá a ter um desempenho inferior ao esperado uma vez integrado no ambiente da instituição de ensino superior.
Para além do ambiente social e familiar, genericamente, o apoio que o aluno pode receber em casa ou “comprar” no exterior é uma fonte de iniquidade reconhecida e particularmente forte em Portugal. Um estudo recente da DGEEC[viii] mostra que 57% dos alunos que frequentavam o ensino secundário em 2017/18 tinham “explicações”, na maioria dos casos (44%) fora da escola (contra 12% na escola). Considerando que este apoio extra é procurado principalmente na segunda parte do ano terminal, conclui-se que a enorme maioria dos alunos recorre a este apoio. E a situação é ainda mais extrema no chamado ensino público onde o recurso a explicações é muito maior do que no ensino privado (46% no público e 26% no privado). O escassíssimo apoio extra dado pelas escolas do estado aos alunos em dificuldade é manifestamente uma fonte de iniquidade que está bem identificada e que poderia ser corrigida.
O mais recente estudo sobre o acesso ao ensino superior[ix] encomendado pelo MCTES (Ministério da Ciência e do Ensino Superior), contribui para a discussão do acesso dos alunos da via profissional e pronuncia-se pel’ o reconhecimento da injustiça do sistema de acesso para aqueles diplomados[da via profissional] e [que] a decisão de introduzir maior equidade no sistema levaram a que fosse recentemente formalizada essa via [de um novo concurso especial].  O argumento é desenvolvido a partir da constatação de que o número de alunos matriculados em cursos de dupla certificação do ensino secundário é de 42% do total (33% em cursos profissionais e 6% em cursos de aprendizagem) e que apenas 6% destes se encontram num curso conferente de grau no ano seguinte com uns 12% adicionais em cursos TeSP. Para a via científico-humanística, 79% transitam diretamente para cursos conferentes de grau e 1% para cursos TeSP. Curiosamente, a percentagem dos alunos da via profissional que transita direta e imediatamente para um curso conferente de grau em Portugal é análogo ao que ocorre em França[x], mas a transição para o ciclo curto, TeSP fica ainda muito longe dos valores da transição em França para BTS e DUT. A discussão do tipo de prova a aplicar no concurso especial criado pelo Decreto-Lei 11/2020 para os diplomados pela via profissional e artística especializada merece uma apreciação especial.
Como já foi dito, muitos países usam os resultados do ensino secundário para medir o potencial dos candidatos ao ensino superior. É a via mais simples e pode ser defendida quando haja um currículo razoavelmente rígido e os candidatos tenham um mesmo percurso. Esta simplicidade tem de ser abandonada quando estas condições não são satisfeitas. Em Portugal, a criação e afinação do Concurso Nacional de Acesso foi feita a pensar na antiga via liceal (ou cientifico-humanística) e sempre teve alguma dificuldade em integrar os alunos da via artística especializada e de outros sistemas de ensino secundário (escolas estrangeiras). Com o desenvolvimento do ensino profissional nos últimos 20 anos, merece uma nova reflexão. A garantia de equidade de todos os candidatos e o pragmatismo de evitar sujeitar os candidatos a uma multiplicidade de provas levou à criação de um sistema nacional de acesso. Para pequenos grupos especiais, foram sendo criados concursos locais de que “os maiores de 23 anos” são um exemplo bem representativo. Se para o Concurso Nacional de Acesso, a transparência é total e o escrutínio público enorme, nos concursos locais vinga a opacidade e falta de escrutínio externo. Um caso bem conhecido é o das provas locais para os “maiores de 23 anos” que geraram uma decuplicação do número de candidatos admitidos, de um ano para o outro, pela simples passagem de prova nacional para prova local. Sugere-se agora – para o concurso dos alunos das vias profissionais –  que as instituições se poderão associar para organizar a prova prevista nos novos concursos locais e os institutos politécnicos do estado adotaram uma solução regionalizada de uma prova para o Norte, outra para o Sul do país e outra para o Centro e Lisboa! Ficam de fora as regiões autónomas e todas as instituições privadas que não deixarão de manter todo o processo intramuros. Uma prova nacional facilitaria a vida dos candidatos e garantiria um módico de transparência e escrutínio. 
Outra questão é o tipo de prova a propor aos candidatos e, para a via profissional, a convencional avaliação de conhecimentos entrará em dificuldades porque os currículos são, na realidade prática, muito variados e rapidamente se tornará evidente (se esse escrutínio for permitido) que o nível académico é totalmente inaceitável. Esta a nova realidade com uma diferença em relação à França onde se comentava acima o altíssimo nível de insucesso dos candidatos que tomem a “opção errada”. Pela realidade bem conhecida de cursos já hoje alimentados por outros concursos especiais, sabemos que irão ter sucesso individual, arrastando as licenciaturas em que se inscrevam maioritariamente para o insucesso a prazo, quando o mercado de emprego tomar consciência da nova realidade. Sinais deste risco têm sido dados pela A3ES (Agência de Avaliação e de Acreditação do Ensino Superior), exprimindo alguma preocupação com a admissão em algumas licenciaturas de estudantes sem razoáveis garantias de qualidade.
Haveria outras soluções, implicando o repensar de todo o sistema de acesso sem deixar de cumprir o prescrito no Artº 76ª da Constituição, o regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país, nem deixar de satisfazer o previsto no Artº 12º da Lei de Bases do Sistema Educativo, a prova ou provas de capacidade referidas no número anterior são de âmbito nacional e específicas para cada curso ou grupo de cursos afins. Seguindo a sugestão do Relatório do Grupo de Trabalho de 2020ix, uma avaliação conjunta das competências e dos conhecimentos, concretizar-se-ia através de uma bateria de provas (ou testes) orientadas para a avaliação /.../ dos conhecimentos, das capacidades e das atitudes, tornando-a mais adequada ao mecanismo de acesso. É um caminho que terá de ser encetado rapidamente, face a alguma flexibilidade curricular na via científico-humanística e para evitar as dúvidas sempre renovadas da justiça do sistema de acesso para todos os candidatos. Problema diferente é o da Medicina e de outros cursos muito competitivos onde a solução deste mesmo problema encontrada noutros países terá de vir a ser considerada.
Não é esta discussão que vai resolver definitivamente os problemas da equidade social no acesso. O progresso neste sentido exige outros instrumentos de correção do potencial do candidato estimado por algum dos métodos conhecidos. Nenhum país tem hoje a solução definitiva, mas não estamos dispensados de caminhar neste sentido.

José Ferreira Gomes
20 de junho de 2020
Este texto foi preparado em apoio ao programa Nota 20 emitido pela Rádio Observador a 23 de junho de 2020.
Uma versão condensada deste texto foi publicada no portal Teresa e Alexandre Soares dos Santos Iniciativa Educação em 30 de junho de 2020.


[i] Decreto-Lei nº 11/2020 de 2 de abril
[ii] Direção Geral de Estatísticas de Educação e da Ciência, “Diplomados com o Ensino Superior – População dos 30 aos 34 anos, dados e projeções”, https://www.dgeec.mec.pt/np4/342/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=679&fileName=DGEEC2016_TertiaryEducationalAttainment_1.pdf, consultado em 17 de junho de 2020.
[iii] OECD, Education at a Glance 2018 & Education at a Glance 2019
[v] UCAS, Universities and Colleges Admissions Service, https://www.ucas.com/
[vi] ACT, American College Testing, https://www.act.org/; SAT, Scholastic Aptitude Test, https://collegereadiness.collegeboard.org/sat
[vii] Universidade do Porto, “Percurso dos estudantes admitidos pelo regime geral em licenciatura – 1º ciclo e mestrado integrado na Universidade do Porto”, 26 de julho de 2018. https://sigarra.up.pt/up/pt/conteudos_geral.ver?pct_pag_id=122350&pct_parametros=p_pagina=122350#3917, consultado em 17 de junho de 2020.
[ix] Relatório do Grupo de Trabalho sobre o acesso ao ensino superior (Despacho 1307/2020), 31 de maio de 2020. https://www.dges.gov.pt/sites/default/files/relatorio.grupo_de_trabalho.acesso_ao_ensino_superior.2020.pdf, consultado em 17 de junho de 2020.
[x] Ministère de l'énseignement supérieur, de la Recherche et de l’innovation, Parcoursup 2020, Les voeux d’orientation des lycéens pour la rentrée, Abril 2020, https://cache.media.enseignementsup-recherche.gouv.fr/file/2020/38/6/NFpsup2020_23042020_1277386.pdf

domingo, 21 de junho de 2020

E a Ordem dos Engenheiros Técnicos nasceu na sessão final


Na sessão final do plenário, em 6 de Abril, um dos muitos diplomas sujeitos a aprovação foi o que cria a nova “Ordem dos Engenheiros Técnicos” e aprova os respectivos estatutos. Foi aprovado com o voto favorável dos seis grupos parlamentares. Uma medida pacífica, portanto. Contudo, minutos antes da votação havia acordo das mesmas seis bancadas para que o diploma fosse retirado do guião de votações e assim caísse no esquecimento sem votação. Como é possível que, à distância de alguns minutos, se possa obter a unanimidade parlamentar num sentido e, depois, em sentido contrário? Um caso paradigmático do funcionamento do Parlamento nos últimos dias de uma legislatura. Vale a pena explicar.
A proposta de criação da Ordem dos Engenheiros Técnicos surgiu pela mão do grupo parlamentar do PS disfarçada de simples alteração estatutária da associação profissional ANET e assim conseguiu a aprovação na generalidade com votação por unanimidade. Seguiu a sua tramitação discreta até que começaram a surgir os alertas para a falta de definição do Acto de Engenharia Técnica por a sua descrição coincidir com a já existente para o Acto de Engenharia tutelado pela Ordem dos Engenheiros. Depois seguem-se os quase compromissos usuais dos vários grupos parlamentares com os vários interesses em presença, mas a expectativa generalizada é que o assunto nunca chegaria a plenário, evitando-se assim o embaraço de inverter uma votação já feita na generalidade. Não aconteceria assim porque os mesmos interesses que haviam levado o PS a assumir a proposta também garantiram agora a sua inserção no guião para as votações do último dia da legislatura, entre as muitas promoções de aldeia a vila e de vila a cidade em que estes dias são férteis.
Já em plena tarde de votações começaram as movimentações de backbenchers que se sentiram ludibriados na sua expectativa ou mesmo promessa explícita de que o resultado seria diferente. A primeira movimentação surgiu da bancada do PS e facilmente contagiou as outras bancadas, até ao ponto de haver acordo unânime para que a proposta de criação da nova Ordem fosse retirada do guião de votações. Nestes contactos entre os coordenadores que tinham acompanhado esta proposta em cada grupo parlamentar não surgiu um único deputado que defendesse os méritos da proposta, embora alguns tivessem dificuldade em dar o primeiro passo.
Chegou-se ao acordo unânime de que ninguém levantaria objecções à iniciativa que teria de vir do proponente de retirar a proposta de votação. Como do lado da bancada do PS ninguém defendia outra solução, o problema estava resolvido e a regulação das profissões de engenharia fi caria reservada para outro espaço e outro tempo. Assim estivemos uma boa hora, até que chegou a notícia de que a direcção da bancada do PS já não estaria disponível para requerer a alteração do guião de votações. Pelo fim da tarde lá ouvimos um Jaime Gama em dia de despedida parlamentar a chamar os senhores deputados a votar a criação da Ordem dos Engenheiros Técnicos e a proposta lá seguiu com o acordo dos seis grupos parlamentares, ainda que muitos deputados tenham expressado o seu desacordo através do voto dissonante e da declaração de voto.
Terá sido a última vitória de Sócrates numa tarde em que já dera sinal de que o FMI estava chamado a intervir. Vitória de Sócrates porque tudo indica que a decisão não terá resultado da vontade dos deputados, nenhum de nenhuma bancada deu a cara (em privado) pela solução que todos aprovaram! Mas o Parlamento é mais do que a vontade dos deputados e os partidos extraparlamentares e os seus mais bem colocados assessores têm mais força.

José Ferreira Gomes
Deputado à XI legislatura, PSD, Bragança