Alguns apontamentos sobre o imperativo de alargarmos o acesso ao Ensino Superior em Portugal
1.
É obrigação do sistema
educativo oferecer a cada jovem as condições para
·
Realizar plenamente o seu
potencial e
·
Satisfazer a sua ambição.
2.
Este desiderato exige
políticas públicas que induzam uma transformação do sistema educativo de molde
a que
·
As dificuldades individuais
sejam antecipadas e apoios sejam oferecidos a cada jovem em qualquer estágio do
seu percurso educativo e
·
Sejam oferecidos percursos
alternativos adaptados ao potencial e à ambição (ou à opção) de cada jovem.
3.
Temos de atenuar a
iniquidade do nosso sistema que se manifesta ao longo de todo o percurso
(embora seja politicamente assinalado mais no superior, demasiado tarde). Este
problema não se resolve impondo a igualdade no percurso e no progresso de todos
os alunos! A iniquidade está associada a fatores extrínsecos ao aluno,
principalmente ligados ao ambiente familiar que pode ser medido por parâmetros
económicos e educacionais. Não podendo ser totalmente anulada na escola, pode
ser atenuada enriquecendo a experiência dos alunos no espaço escolar e
oferecendo apoio reforçado aos alunos em maior risco. A melhor rentabilização
dos recursos docentes e não docentes disponíveis nas escolas passa, não por
reduzir o número de alunos por turma, mas por (i) oferecer apoios adicionais
aos alunos em risco e (ii) envolver todos os alunos em atividades enriquecedoras
da sua experiência (compensando as carências de alguns). Em resumo, as escolas
devem ser incentivadas a
·
Enriquecer a experiência
educativa de todos os alunos (desde o pré-escolar) e
·
Oferecer apoios reforçados
aos alunos em risco, isto
·
Sem limitar a liberdade dos
alunos (e das famílias) de escolherem os percursos educativos que julguem mais
convenientes.
4.
O ensino superior terá de
ser incentivado a participar neste esforço para atenuar a iniquidade do sistema
educativo com áreas de intervenção da mesma natureza das propostas para o não
superior. Dá-se por adquirido que a Ação Social seja suficiente para atenuar
fortemente o risco de abandono dos economicamente mais frágeis.
5.
O ensino superior português
tem hoje capacidade para oferecer uma oportunidade a todos os jovens com
potencial de sucesso num percurso de qualidade, mas a regulação tem de
incentivar boas práticas que garantam a qualidade de todos os percursos
oferecidos. [Há sinais de risco sério em algumas áreas de algumas instituições
públicas e privadas e isso tem sido assinalado por responsáveis oficiais. Estes
riscos resultam do forte incentivo ainda sentido pelas instituições para
continuarem uma expansão em todas as suas áreas, para além da criação de novas
áreas de oferta educativa.]
·
O crescimento da
percentagem de jovens (na coorte de cerca de 18 anos de idade) que completam a
via científico-humanística do ensino secundário e se apresentam ao concurso
nacional de acesso garante o crescimento da participação a bom ritmo, mesmo sem
inovação regulamentar.
·
A opção por TeSP (cursos de
Técnico Superior Profissional) tem crescido, mas poderá assumir maior
relevância quando finalmente houver uma oferta pública razoável em Lisboa e
Porto.
·
A elevada percentagem de
jovens graduados que tem emigrado nos últimos anos, mesmo numa situação de
baixo desemprego pode sinalizar um desajuste entre a oferta educativa superior
(e as opções dos jovens) e a nossa realidade socioeconómica.
·
Esta é a razão principal
para não termos atingido a taxa de 40% de qualificados com o ensino superior na
faixa dos 30-34 anos. A outra razão é o atraso na oferta de TeSP. [A emigração
de jovens qualificados é igual em percentagem da população à dos jovens não
qualificados traduzindo-se num brain gain dos
países do centro e norte da Europa, mas numa perda para Portugal.]
6.
Face à evolução do nosso
ensino superior neste século (depois da brusca expansão na década de 1985-95),
podemos registar as seguintes orientações estratégicas:
·
Continuar a incentivar o
aumento da participação, mas o esforço principal deve ser orientado para o
alargamento com medidas dirigidas ao ensino não superior e também no ensino
superior e melhorando a equidade no sistema de acesso;
·
Consolidar a qualidade de
toda as propostas de ensino superior no sentido de preparar melhor os jovens
para a entrada na vida ativa;
·
Repensar uma oferta dirigida
aos ativos com o objetivo de especialização ou da reorientação (profissional);
·
Repensar a oferta educativa
atual (de ensino superior) no sentido de atenuar o risco de frustração das
expectativas dos jovens diplomados.
Notas:
a)
Interessa distinguir
os conceitos de alargar o acesso e aumentar o acesso
ao ensino superior. Fala-se de alargar quando nos referimos a ampliar a base de
recrutamento, reforçando, especialmente, a presença dos grupos sociais mais
desfavorecidos. Este objetivo contrapõe-se ao simples aumento quantitativo do
número de estudantes que acedem ao ensino superior. No alargamento, está a
supor-se que não são rebaixados os padrões académicos, embora se possa procurar
avaliar o potencial dos candidatos e não apenas o seu desempenho no momento do
acesso. É sabido que candidatos oriundos de grupos sociais educacional ou
economicamente mais desfavorecidos tendem a ter menor desempenho no momento do
acesso embora posam vir a melhorar o seu desempenho ao longo do ciclo de
estudos no ensino superior.
b)
Por equidade entendemos
que todos os jovens tenham as mesmas oportunidades de progredir e fazer
escolhas no seu percurso educativo, independentemente dos fatores que não lhes
são próprios como o ambiente social e familiar ou a fragilidade económica ou
educacional das famílias. Muito diferente é a igualdade que
impõe a todos o mesmo percurso e um progresso ao mesmo ritmo, independentemente
da capacidade ou do esforço individual.
c)
Para discutir o
alargamento do acesso ao ensino superior não podemos deixar de discutir a
organização de todo o sistema educativo não superior porque a sorte dos jovens,
especialmente dos mais desfavorecidos, depende muito do que acontece nesses
escalões iniciais do percurso educativo.
d) Quando se defende o enriquecimento da experiência
educativa do aluno ao longo de todo o seu percurso não superior,
sabemos que estamos a pedir um grande esforço à escola e que outros parceiros
deverão ser chamados a colaborar. Numa discussão de políticas públicas da
educação, devemos centrar-nos no que a escola pode fazer.
e) A experiência educativa dos nossos estudantes do ensino
superior é reconhecidamente muito pobre. A maioria dos estudantes cumpre os
programas de trabalho curricular, mas envolve-se pouco noutras atividades
científicas, culturais, artísticas que seriam muito úteis para o
desenvolvimento integral da personalidade e para o reforço das chamadas soft
skills.
f) A definição de uma oferta educativa (superior) relevante
é um problema demasiado complexo para poder ser objeto de alguma determinação
administrativa, mas o simples funcionamento do mercado tem problemas graves
devido à assimetria de informação disponível aquando das grandes opções dos
jovens estudantes. Os organismos de regulação poderão ter um papel mais ativo
no fornecimento de informação sobre a realidade atual e sobre os estudos
prospetivos existentes.
g) A emigração de diplomados com o ensino superior mantém-se
bastante elevada, mesmo numa conjuntura de baixo desemprego. A taxa de
emigração jovem é semelhante para os diplomados e para as não qualificados!
Esta realidade poderá sinalizar um desajuste grave entre a oferta educativa (ou
as opções dos jovens) e a nossa realidade social e de emprego. Esta elevada
taxa de emigração de diplomados e uma imigração preferencialmente de pessoas
com baixas qualificações é uma causa determinante de o objetivo de 40% de
diplomados na faixa dos 30-34 anos em 2020.
Lisboa, 8 de janeiro de 2020