É bem conhecido que o sucesso dos alunos ao
longo de todo o percurso educativo, desde o
ensino básico ao ensino superior, está fortemente
relacionado, seja com o estrato socioeconómico,
seja com o capital educativo dos pais.
Isso acontece em Portugal e em todo o mundo. Mas a situação
portuguesa é mais grave porque têm escasseado as políticas
públicas de apoio ao sucesso dos estudantes em todos os níveis:
no superior os apoios são escassíssimos, no básico e no secundário
também são claramente insuficientes. São os alunos mais frágeis
em termos sociais que vão ser as vítimas desse desequilíbrio.
Portugal tinha uma alfabetização residual, cerca de 10%, no princípio do século XX quando os países da Europa tinham atingido a escolaridade básica universal; só a partir dos finais da década de 1950 é que a escolaridade obrigatória ultrapassou os quatro anos (para os rapazes) e os três anos (para as raparigas) e isso mantém um efeito de atraso que se vê até hoje. Onde se vê esse efeito? O crescimento da escolarização sentiu-se progressivamente ao longo do século XX no básico, secundário e superior, mas a um ritmo demasiado baixo para recuperarmos o atraso relativamente aos nossos pares. O grande impulso de universalização educativa foi dado em 1972 com as reformas de Veiga Simão, que foram logo interrompidas pela convulsão social e política e que só vieram a ser retomadas com o apoio do Banco Mundial à criação dos Institutos Politécnicos em 1980. O crescimento mais rápido do ensino superior veio a dar-se só entre 1985 e 1995. Se formos comparar com a Espanha, só nesta década é que a nossa taxa de participação no ensino superior – ou o número de alunos no ensino superior por milhão de habitantes (como queiram medir) – igualou ou até ultrapassou um pouco o espanhol. Antes disso, tínhamos mantido sempre um atraso grande.
Nos ensinos básico e secundário temos de nos lembrar da enorme resistência, ao longo de décadas, que todos os Governos encontraram (e que todos os Ministros da Educação assinalavam) para recuperar ou instituir o ensino técnico e o ensino profissional ou alguma forma de alternativa à via liceal tradicional. Algo que, essencialmente, só veio a ser feito já neste século. Assim, chegámos ao princípio do século XXI com um abandono escolar muito grande, diria até escandaloso, e, por isso, ainda hoje temos uma escolaridade média da população portuguesa muito baixa. A participação no ensino superior já é próxima da de muitos países europeus ao nível dos licenciados na faixa mais jovem dos 25 aos 29 anos. Segundo o Eurostat, Portugal ultrapassa os espanhóis, os franceses e os alemães a este nível, mas ao nível de ensino superior completo, indo desde os TeSP (Cursos Técnicos Superiores Profissionais) aos níveis mais elevados, estamos ainda um pouco aquém. Onde estamos ainda fortemente carentes – e em termos de uma sociedade equilibrada isso é bastante grave – é nos níveis 3 e 4 do Quadro Nacional de Qualificações, em termos de jovens de 25 a 34 anos que tenham um ensino secundário académico ou profissional, mas essencialmente profissional. Esta é a área ainda altamente deficitária entre nós.
Potencial dos alunos
Os institutos politécnicos trouxeram equidade no sentido em que criaram uma nova oportunidade de ensino superior que se pretendia (e em muitos casos é) diferente e ofereceram essa oportunidade a um público que, desejavelmente, seria diferente daquele que procurava o ensino universitário. Mas os objetivos iniciais, que se podem ler nos documentos legislativos, quer da reforma de Veiga Simão, quer depois na criação dos politécnicos em 1980, nunca foram bem traduzidos em políticas públicas de desenvolvimento e acompanhamento dessas intenções.
A nossa realidade atual pode ser quase completamente explicada pelo desempenho do ensino secundário. É o desempenho dos alunos no término do secundário que determina o acesso ao superior universitário através do concurso nacional de acesso. Para o ensino politécnico é menos relevante, mas ainda é significativo em muitas áreas. Em áreas como, por exemplo, as engenharias – que não aparecem para a sociedade com uma diferenciação muito grande entre universitário e politécnico – é feita uma escolha por parte dos estudantes, que, muitas vezes, consiste em colocar em primeiro lugar o universitário e, portanto, o resultado está lá. Como os alunos mais frágeis têm notas mais baixas no ensino secundário, vão ser preteridos nas opções de acesso. Todos os resultados comparativos, quer entre cursos, quer entre instituições largamente se podem explicar por esse fator, se bem que não estritamente.
Há um exemplo que não consigo explicar completamente. Na Universidade do Porto, segundo um estudo que o professor Sarsfield Cabral dirigiu aqui há uns anos, há um curso (dos 50 ou mais cursos) de primeiro ciclo onde a percentagem de pais e de mães com ensino superior ou capital educativo é maior do que nas Medicinas, como seria de esperar tendo em conta a relevância mediática do curso: trata-se do Mestrado Integrado em Engenharia e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia. Porquê? Não se sabe explicar concretamente, até porque nos últimos anos a nota de acesso tem subido muito, mas estes dados referem-se a anos anteriores em que a nota de acesso não era nada de extraordinária. A minha tentativa de explicação seria que essas famílias teriam mais informação e, portanto, identificaram aquela oportunidade de percurso, o que não ocorreu a outras famílias que veem só os cursos profissionais tradicionais de Direito e Medicina, Farmácia, etc.
Estratificação muito marcada
Em Portugal, temos um quadro de estratificação muito marcado e que temos de trabalhar. Muito do esforço tem de ser feito em todo o percurso educativo para que percamos muito menos jovens do que perdemos hoje e para que cada jovem seja levado ao limite do seu potencial. A primeira referência [1] que é dada no documento preparado pelo EDULOG define o que é equidade, mas define o objetivo: conseguir que todos os possíveis candidatos possam realizar plenamente o seu potencial. No acesso deveríamos procurar dar a cada jovem que considera a hipótese de entrar no ensino superior a possibilidade de o enfrentar em função do seu potencial. Como sabemos, não é o potencial que se mede, porque é impossível de medir com rigor. Medimos a capacidade de responder a uma bateria de questões, sejam de informação direta, sejam de outro tipo, mas sempre muito dependentes do treino e da qualidade da escola que o aluno frequentou. Qualidade no sentido de o preparar para aquele objetivo. As diferenças que encontramos também entre escolas públicas e privadas têm muito que ver com isso. Provavelmente, os pais vão encomendar uma missão que é realizada e esses jovens vão ficar um pouco acima do seu potencial relativamente aos jovens que estão numa escola mais massificada, em que os professores têm menos motivação ou menos pressão para fazer esse treino. Não há outra explicação para essa diferença… para além dos pequenos truques que por aí decorrem e que conhecemos e que já deveriam ter sido evitados ou atenuados.
Portugal tinha uma alfabetização residual, cerca de 10%, no princípio do século XX quando os países da Europa tinham atingido a escolaridade básica universal; só a partir dos finais da década de 1950 é que a escolaridade obrigatória ultrapassou os quatro anos (para os rapazes) e os três anos (para as raparigas) e isso mantém um efeito de atraso que se vê até hoje. Onde se vê esse efeito? O crescimento da escolarização sentiu-se progressivamente ao longo do século XX no básico, secundário e superior, mas a um ritmo demasiado baixo para recuperarmos o atraso relativamente aos nossos pares. O grande impulso de universalização educativa foi dado em 1972 com as reformas de Veiga Simão, que foram logo interrompidas pela convulsão social e política e que só vieram a ser retomadas com o apoio do Banco Mundial à criação dos Institutos Politécnicos em 1980. O crescimento mais rápido do ensino superior veio a dar-se só entre 1985 e 1995. Se formos comparar com a Espanha, só nesta década é que a nossa taxa de participação no ensino superior – ou o número de alunos no ensino superior por milhão de habitantes (como queiram medir) – igualou ou até ultrapassou um pouco o espanhol. Antes disso, tínhamos mantido sempre um atraso grande.
Nos ensinos básico e secundário temos de nos lembrar da enorme resistência, ao longo de décadas, que todos os Governos encontraram (e que todos os Ministros da Educação assinalavam) para recuperar ou instituir o ensino técnico e o ensino profissional ou alguma forma de alternativa à via liceal tradicional. Algo que, essencialmente, só veio a ser feito já neste século. Assim, chegámos ao princípio do século XXI com um abandono escolar muito grande, diria até escandaloso, e, por isso, ainda hoje temos uma escolaridade média da população portuguesa muito baixa. A participação no ensino superior já é próxima da de muitos países europeus ao nível dos licenciados na faixa mais jovem dos 25 aos 29 anos. Segundo o Eurostat, Portugal ultrapassa os espanhóis, os franceses e os alemães a este nível, mas ao nível de ensino superior completo, indo desde os TeSP (Cursos Técnicos Superiores Profissionais) aos níveis mais elevados, estamos ainda um pouco aquém. Onde estamos ainda fortemente carentes – e em termos de uma sociedade equilibrada isso é bastante grave – é nos níveis 3 e 4 do Quadro Nacional de Qualificações, em termos de jovens de 25 a 34 anos que tenham um ensino secundário académico ou profissional, mas essencialmente profissional. Esta é a área ainda altamente deficitária entre nós.
Potencial dos alunos
Os institutos politécnicos trouxeram equidade no sentido em que criaram uma nova oportunidade de ensino superior que se pretendia (e em muitos casos é) diferente e ofereceram essa oportunidade a um público que, desejavelmente, seria diferente daquele que procurava o ensino universitário. Mas os objetivos iniciais, que se podem ler nos documentos legislativos, quer da reforma de Veiga Simão, quer depois na criação dos politécnicos em 1980, nunca foram bem traduzidos em políticas públicas de desenvolvimento e acompanhamento dessas intenções.
A nossa realidade atual pode ser quase completamente explicada pelo desempenho do ensino secundário. É o desempenho dos alunos no término do secundário que determina o acesso ao superior universitário através do concurso nacional de acesso. Para o ensino politécnico é menos relevante, mas ainda é significativo em muitas áreas. Em áreas como, por exemplo, as engenharias – que não aparecem para a sociedade com uma diferenciação muito grande entre universitário e politécnico – é feita uma escolha por parte dos estudantes, que, muitas vezes, consiste em colocar em primeiro lugar o universitário e, portanto, o resultado está lá. Como os alunos mais frágeis têm notas mais baixas no ensino secundário, vão ser preteridos nas opções de acesso. Todos os resultados comparativos, quer entre cursos, quer entre instituições largamente se podem explicar por esse fator, se bem que não estritamente.
Há um exemplo que não consigo explicar completamente. Na Universidade do Porto, segundo um estudo que o professor Sarsfield Cabral dirigiu aqui há uns anos, há um curso (dos 50 ou mais cursos) de primeiro ciclo onde a percentagem de pais e de mães com ensino superior ou capital educativo é maior do que nas Medicinas, como seria de esperar tendo em conta a relevância mediática do curso: trata-se do Mestrado Integrado em Engenharia e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia. Porquê? Não se sabe explicar concretamente, até porque nos últimos anos a nota de acesso tem subido muito, mas estes dados referem-se a anos anteriores em que a nota de acesso não era nada de extraordinária. A minha tentativa de explicação seria que essas famílias teriam mais informação e, portanto, identificaram aquela oportunidade de percurso, o que não ocorreu a outras famílias que veem só os cursos profissionais tradicionais de Direito e Medicina, Farmácia, etc.
Estratificação muito marcada
Em Portugal, temos um quadro de estratificação muito marcado e que temos de trabalhar. Muito do esforço tem de ser feito em todo o percurso educativo para que percamos muito menos jovens do que perdemos hoje e para que cada jovem seja levado ao limite do seu potencial. A primeira referência [1] que é dada no documento preparado pelo EDULOG define o que é equidade, mas define o objetivo: conseguir que todos os possíveis candidatos possam realizar plenamente o seu potencial. No acesso deveríamos procurar dar a cada jovem que considera a hipótese de entrar no ensino superior a possibilidade de o enfrentar em função do seu potencial. Como sabemos, não é o potencial que se mede, porque é impossível de medir com rigor. Medimos a capacidade de responder a uma bateria de questões, sejam de informação direta, sejam de outro tipo, mas sempre muito dependentes do treino e da qualidade da escola que o aluno frequentou. Qualidade no sentido de o preparar para aquele objetivo. As diferenças que encontramos também entre escolas públicas e privadas têm muito que ver com isso. Provavelmente, os pais vão encomendar uma missão que é realizada e esses jovens vão ficar um pouco acima do seu potencial relativamente aos jovens que estão numa escola mais massificada, em que os professores têm menos motivação ou menos pressão para fazer esse treino. Não há outra explicação para essa diferença… para além dos pequenos truques que por aí decorrem e que conhecemos e que já deveriam ter sido evitados ou atenuados.
[1] AIU (Associação Internacional de Universidades) (2009) “Access and Success in Higher Education”, [On-line] http://www.unesco.org/iau/ access_he/index.html; AIU (Associação Internacional de Universidades) (2008) “Equitable Access, Success and Quality in Higher Education: A Policy Statement by the International Association of Universities”, adopted by IAU 13th General Conference, Utrecht, July
In: Autor: EDULOG
Título: Estudar é para todos?
Coleção: EDUTalks
Número: 8
Ano de edição: 2019
Dimensões: 17 x 0,3 x 24,4 cm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 45
Depósito legal: 4572512/19
ISBN: 9781072148739https://edulog.pt/publicacao/27.