Dois séculos de divergência económica
Depois de meio século encantado pelo ouro de Minas, veio um terramoto
destruidor que ainda hoje estamos a pagar. Ao longo do século XIX, enquanto a
Europa recuperava rapidamente das guerras napoleónicas e beneficiava da
libertação da economia decorrente da extinção do ancien régime, a Península tinha extrema dificuldade em reconstruir
uma nova economia independente das riquezas coloniais das américas. A Espanha
atingiu o seu nadir em 1898 com a derrota frente aos Estados Unidos e a perda
do que restava do seu império global, Cuba, Porto Rico e Filipinas. (Depois das
independências da américa central e do sul, a Flórida tinha sido
definitivamente cedida aos Estados Unidos em 1821.) Portugal sai das invasões
napoleónicas muito debilitado e a independência do Brasil exige um novo modelo
económico que o país não é capaz de construir. A política de “melhoramentos
materiais” da Regeneração leva o país à falência e a monarquia à extinção, mas
não produz o esperado milagre económico. São 200 anos de divergência económica
que só a devastação das guerras europeias é capaz de amortecer transitoriamente.
Figura 1.A tardia regressão do analfabetismo em Portugal[i].
A maioria dos países europeus universalizou a educação primária ao longo do
século XIX. Por volta de 1850, a alfabetização de 15% em Portugal compara com
25% em Espanha, Itália e Polónia, outros países atrasados. Em 1890, Portugal
aproximava-se dos 25% quando Espanha, Itália e Polónia já passavam dos 40%.
Na educação, o moderado atraso anterior foi ampliado pela expulsão dos
Jesuítas (1759) que terão levado mais de 90% do aparelho educativo sem que
alguém cuidasse de o reconstituir a breve prazo. Nem a longo prazo, porque as
primeiras letras só voltaram a ser prioridade 150 anos depois com a República,
mas essa prioridade não passou muito de retórica de estado falido. Esta
fragilidade é bem marcada pelo facto de as velhas escolas primárias terem tido
duas fases de edificação generalizada. A primeira, com um legado do Conde de
Ferreira (1866) que permitiu a construção de 91 escolas em sedes concelhias e,
mais tarde, as comemorativas dos centenários, 1940-43, da restauração e da independência.
A universalização do ensino primário (4 anos) veio a ocorrer apenas por volta
de 1960 com um século de atraso em relação a muitos países europeus. As
reformas de Veiga Simão (1973) previam a generalização de um segundo ciclo
unificado, fundindo o ensino técnico e o ensino liceal, o que veio a ocorrer de
facto logo depois de 1974. Ainda que estas reformas tenham permitido o
prolongamento do percurso educativo de muitos alunos para além do ciclo
primário, um percurso único rígido começou a ter dificuldade em servir todos os
alunos. Ainda hoje (2016/17), 7% dos alunos a frequentar o 3º ciclo do ensino
básico estão em percursos alternativos ao chamado regular. A dificuldade de
servir toda a população jovem agrava-se no ensino secundário onde a
incapacidade de generalizar a oferta de percursos diferenciados manteve um
enorme abandono escolar precoce até muito recentemente. Só a partir de 2006/07,
as escolas secundárias foram obrigadas a um enorme esforço de reconversão para
criarem ofertas de ensino profissional a par do antigo ensino liceal. Os
resultados apareceram rapidamente e aproximamo-nos agora do objetivo de reduzir
este abandono para 10% em 2020.
Figura 2. Evolução do abandono escolar precoce no último
decénio. O financiamento do ensino profissional privado a partir de 1989 e a
oferta desta via de ensino secundário nas escolas secundárias a partir de 2006
permitiu finalmente recuperar do enorme atraso.
O atraso no ensino superior
A massificação do ensino superior teve de esperar pelos fundos comunitários
para atingir níveis comparáveis ao dos nossos parceiros mais próximos. No Reino
Unido, em 1962[ii], cerca
de 4% da coorte chegava à universidade e outros 4% seguiam um percurso educativo
pós-secundário que hoje pode ser classificado como ensino superior. Em Portugal
teríamos cerca de 1,5% da coorte a entrar na universidade. De facto, a
universidade portuguesa teve sempre um peso diminuto na nossa sociedade. Embora
a criação da Universidade de Lisboa em 1290 não se afaste da tendência
tardo-medieval, ela manteve-se (em Coimbra) como única até à revolução
republicana, ainda que acompanhada pela universidade (jesuíta) de Évora durante
dois séculos até à expulsão da Companhia. Em comparação, a Espanha tinha em
1500 cinco universidades. Portugal nunca sentiu a necessidade de criar uma
universidade no ultramar, enquanto Espanha criou seis universidades na América
espanhola logo no primeiro século de ocupação, entre 1510 e 1580. Isto resulta talvez
da diferença entre as necessidades da administração pública (eclesial e real)
de um império marítimo e de um império com ocupação efetiva e exploração do
território.
A curva de crescimento do número de estudantes de ensino superior reflete
de perto a sorte da nossa economia com períodos de crescimento mais rápido a
acompanhar o maior otimismo económico.
Figura 3. Evolução do número de estudantes inscritos no ensino
superior em Portugal e comparação com a Espanha. De 1940 até ao fim do século,
manteve-se um ritmo exponencial médio de perto de 6% ao ano que na década de
1986-96 cresceu para perto de 12%. Foi este ritmo de crescimento mais rápido
que nos permitiu atingir nesta altura ou até ultrapassar a Espanha no número de
estudantes por milhão de habitantes.
Por volta do ano 2000 esgota-se o crescimento do número de alunos a
terminar o ensino secundário pela via mais académica e começam a fazer-se
sentir os efeitos do declínio demográfico. Chegados a 2020, estaremos muito
perto de atingir o objetivo nacional (e de média da União Europeia[iii]) de
40% dos jovens de 30 a 34 anos com um diploma de ensino superior. Se o não
tivermos atingido, isso deve-se[iv] à
emigração de jovens diplomados e também à tardia criação em 2014 dos cursos de
Técnico Superior Profissional, TeSP, que em Espanha e França, por exemplo, dão
um contributo muito significativo para esta estatística. Em Portugal, o número
destes diplomados estará pelos 5% da coorte (mas com idade inferior a 30 anos),
embora pareça estar a subir e fosse previsível que rapidamente ultrapassasse os
10% se houvesse uma boa oferta pública em Lisboa e no Porto. Este tipo de
perfil educativo profissionalizante tem uma grande procura em todos os países
europeus para satisfazer as necessidades de quadros intermédios das empresas e
para oferecer uma oportunidade de rápida reorientação profissional dos ativos.
2011
|
2015
|
|
Espanha
|
41,9
|
40,9
|
França
|
43,1
|
45,1
|
Holanda
|
41,2
|
46,3
|
Irlanda
|
49,7
|
52,3
|
Portugal
|
26,7
|
31,9
|
União
Europeia (28)
|
34,8
|
38,7
|
Tabela 1. Crescimento
do número de diplomados jovens (30-34 anos). Deve notar-se que o Eurostat e a
OCDE consideram não só os graduados universitários, mas também os detentores de
um diploma de ciclo curto (2 anos) mais próximo de uma formação profissional
superior que ainda não tem o mesmo tratamento em todos os países. [Eurostat,
2016]
Um ensino superior para o futuro
Será ainda imprudente prever o limite para o objetivo de crescimento do
ensino superior que se mantém na União Europeia e noutras regiões do mundo, mas
começam a aparecer alguns fortes sinais de alerta.
No more graduates needed: Switzerland goes it alone in
HE
Combining egalitarian access, prized vocational
education and elite research universities, the “Swiss paradox” may offer
international lessons.
[Times Higher
Education, 25 de abril de 2018]
Começam a ser levantadas dúvidas sobre o valor da educação universitária no
mercado de trabalho, especialmente nos Estados Unidos[vi] onde o
elevado custo para as famílias levanta a questão do retorno deste investimento.
Um estudo australiano[vii] encontrou
um prémio salarial de 4,3% a 5,5% para os graduados por uma das oito
universidades de elite, mas verifica que 13% a 46% deste prémio é devido à
seleção dos estudantes. Apesar disto, a universidade de graduação terá pouca
influência no salário inicial do diplomado.
A preocupação política com a empregabilidade dos diplomados cresceu à
medida que ultrapassamos a massificação e alguns países experimentam um
problema de desemprego de graduados jovens. É difícil desligar os dramas
decorrentes das primaveras árabes de um crescimento muito rápido do acesso ao
ensino superior (nem sempre nas melhores condições e com a qualidade desejável)
e com uma economia estagnada que não tinha espaço para satisfazer as
expectativas destas novas gerações. Todos os países da OCDE se têm
crescentemente preocupado com uma oferta mais diversificada e mais próxima do
mercado de trabalho, mantendo num extremo um perfil académico tradicionalmente
exigente associado a uma atividade de investigação em que a sociedade põe toda
a esperança de se manter competitiva numa economia globalizada. Mas reconhece
simultaneamente que este perfil educativo não corresponde à maioria dos
empregos existentes e previstos para o futuro e que o desalinhamento entre as
expectativas criadas ao longo do percurso educativo e a realidade económica e
social são motivo de desencanto de muitos jovens. Os perfis mais vocacionais a
nível secundário, pós-secundário e superior têm sido reforçados. Em Portugal, o
elevadíssimo abandono precoce (com baixa taxa de frequência do ensino
secundário) forçou a decisão política (2009) de escolarização obrigatória até
aos 18 anos, embora outros países tenham chegado a melhores resultados sem uma
norma vinculativa. Mas estamos agora numa situação em que mais de 80% dos
jovens vão ter um diploma de ensino secundário que aspiramos a que seja
profissional ou académico em partes iguais. Os mais de 40% que terminam pela
via académica (liceal) seguem na quase totalidade para uma licenciatura (ou
mestrado integrado) e, cerca de metade destes, completa o mestrado. O
doutoramento é hoje completado por 2% da coorte, uma taxa próxima da que
chegava à universidade há 50 anos. Mas também muitos dos 40% que terminam o
secundário por uma via profissional vão querer diferenciar-se para entrar no
mercado de trabalho e os cursos de TeSP estão desenhados para este fim. Muitos
outros ativos irão precisar de requalificação para reorientar o seu percurso
profissional ao longo da vida. Destes, poucos optarão por graus académicos pela
sua extensão e pela sua exigência teórica nem sempre compatível com a partilha
com a atividade profissional. Formações mais curtas serão mais adaptáveis e
terão procura elevada, podendo ser relevantes os cursos de TeSP e os mestrados.
Este quadro de formação ao longo da vida não dispensa outros perfis formativos
mais curtos que serão mais ajustados a pequenas inflexões ou especializações
profissionais.
In: O Economista, Anuário da Economia Portuguesa, Nº 31, 2018, pp. 54-58.
[1] Os nomes não são irrelevantes, usando a Suíça esta designação em inglês com
as designações, Fachhochschulen em
alemão, hautes écoles spécialisées em
francês, e scuole universitarie
professionali em italiano.
[i] Candeias, A., Simões, E., Alfabetização e escola em Portugal no século XX:
Censos Nacionais e estudos de caso, Análise Psicológica (1999), 1 (XVII):
163-194.
[iii] Smarter, greener, more inclusive? Indicators to support the Europe
2020 strategy, 2018 edition, ISBN 978-92-79-85887-1, http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3217494/9087772/KS-02-18-728-EN-N.pdf/3f01e3c4-1c01-4036-bd6a-814dec66c58c
http://www.dgeec.mec.pt/np4/342/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=679&fileName=DGEEC2016_TertiaryEducationalAttainment_1.pdf
[v] Mattews, D., No more
graduates needed: Switzerland goes it alone in HE, Times Higher Education,
25 de abril de 2018.
[vi] The World is going to university: More and more is being spent on
higher education. Too little is known about whether it is worth it, The
Economist, 26 de março de 2015, https://www.economist.com/leaders/2015/03/26/the-world-is-going-to-university
[vii] Carroll, D., Heaton, C., Tani, M., Does it pay to graduate from an
“Elite” university in Autralia?, IZA DP Nº 11477, http://ftp.iza.org/dp11477.pdf