Depois de presidir
aos destinos da Faculdade de Ciências de 1978 a 1985, Alberto Amaral foi Reitor
da Universidade do Porto até 1998. Dificilmente podemos deixar de
responsabilizar quem liderou a instituição durante 20 anos pelos defeitos, mas
também pelas virtudes que por ali encontremos....
Acresce, que este
foi um período extremamente marcante na nossa vida coletiva e no sistema
universitário em particular. Foi um período de consolidação da democracia e,
nas universidades, de afirmação da chamada gestão democrática. O país
continuava a crescer economicamente e a participação na educação superior continuava
a subir ao ritmo de cerca de 6% ao ano, ritmo que vinha desde os anos de 1940,
para terminar abruptamente no fim do século. Um período de grande otimismo
alimentado pela liberdade política conseguida em 1974 e pelos fundos de coesão
da Comunidade Económica (depois União) Europeia. Mercê do dinamismo demográfico
da região, o peso relativo Universidade do Porto aumentou substancialmente,
apesar da criação de três novas universidades a distâncias entre 50 e 100km.
Uma
personalidade forte imprime uma
liderança firme e incontestada e consegue
o alinhamento de toda a instituição para uma transformação serena para o
que de melhor se faz no ensino superior europeu, algo que não passava de uma
miragem distante quando Alberto Amaral regressou de Cambridge com o seu
doutoramento em Química Teórica em 1969.
Na sala de aula era
capaz de estruturar, de forma brilhante e transparente, matérias exóticas,
arrumando de forma magistral o seu quadro negro (já os havia verdes nessa
época...) com uma letra miudinha e bem desenhada que os estudantes de hoje
levariam para casa fotografado pelos seus smartphones
ou ipads. Não era necessário porque tudo
era por ele passado a textos de apoio. Regressado em 1976 dos seus 4 anos de
experiência moçambicana, era óbvio que não ia caber na sala de aula, que os estudantes
não o conseguiriam segurar. Rapidamente, subiu ao andar nobre do edifício universitário
que o engenheiro militar Carlos Amarante desenhara nos duríssimos anos das
guerras napoleónicas para ser concluído mais de um século depois com um empréstimo
público a 100 anos; a sua amortização ter-se-á concluído nas vésperas da
novíssima visita do Fundo Monetário...
Conheci-o bem nesse
vaivém entre o gabinete da sobreloja e a Direção da Faculdade ainda ferida pelo
terrível incêndio de 1975. Conheci o Diretor que era capaz de fazer química
(com alguma brincadeira pelo meio) até às cinco da tarde para depois se sentar à
máquina de escrever (sim, essa peça de museu existia mesmo!) a preparar
ofícios, que, no dia seguinte, levaria aos corredores ministeriais para
conseguir alguma magra migalha de um poder sempre centralista e pouco dado a
arriscar investimentos remotos. O Porto tinha instalado, em 1967, um magnífico
computador científico (com 64K de memória) e foi Alberto Amaral que conseguiu, neste
vaivém com a capital, um edifício novo para instalar o sucessor que já não
cabia no prédio de habitação que servia de centro de cálculo da Faculdade de
Ciências. Pela mesma altura, beneficiei de uma impressora de linhas que um
empréstimo do Banco Mundial financiou, mas que nunca pôde ser usada por erro de
especificação ou maldade do fornecedor. Não interessa a razão. O que fica é que
o dinheiro barato não faz a riqueza dos povos.
Da Direção da
Faculdade de Ciências para a Reitoria da Universidade do Porto, o salto não foi
incontestado, mas conduziu a um longo e marcante mandato. É um período de crescimento
em número de estudantes e em diversidade de cursos, mas também de planeamento
de novos edifícios e de reorganização da Universidade e de todo o seu
ecossistema de investigação. É um período marcante para a cultura académica própria
da Universidade. A estratégia foi dar a máxima liberdade para que todos e cada
um dos membros da Universidade dessem o seu máximo contributo para a rápida
construção de uma grande Universidade de Investigação. A evolução do número de
documentos publicados em revistas do primeiro quartil, apresentada na figura
seguinte usando valores de Scimago.com, é disso prova clara. Prova de que
uma boa estratégia produz efeitos muito para além do período estímulo inicial.
Terminado o segundo
mandato de Reitor (com o limite imposto pela Lei Autonomia de 1988), Alberto
Amaral “retira-se” para Matosinhos para uma nova vida, para uma terceira
carreira académica. Depois de se afirmar como Professor Catedrático de Química
e de ganhar visibilidade nacional em 20 anos de gestão universitária, constrói
um percurso académico novo como investigador de políticas da educação superior.
Neste terceiro fôlego, ganhou proeminência como maior perito português e um dos
mais solicitados peritos europeus. Construiu escola, lançou muita gente nova
que o procurou em Matosinhos para se lançar na aventura académica numa área
que, antes de Alberto Amaral era muito cinzenta, de um cinza muito claro, quase
invisível. Daí fez ouvir a sua voz de firme oposição a tudo que parecesse Nova
Gestão Pública. Pouco depois, viu no Processo de Bolonha uma ameaça à tradição
universitária europeia condensada na Magna
Charta Universitatum, acordada em 18 de setembro de 1988, por altura dia
celebração do IX centenário da Universidade de Bolonha e que ele teve a honra
de ser o único Reitor com direito a duas assinaturas. De crítico ácido, teve a
arte de passar a assumir a enorme responsabilidade de erigir e ser primeiro
Presidente do Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação
do Ensino Superior.
Na Universidade do Porto,
perdura muita da carga genética que ele trouxe das suas origens serranas e que
agora vai sendo difundida por outras paragens mais habituadas à serenidade mole
da planície. Continuaremos agora a beneficiar desta sabedoria de Fafe, não
dispondo já do conhecido utensílio rústico de imposição da justiça.
José Ferreira Gomes, na inauguração da escultura
29 de junho de 2018