quarta-feira, 21 de junho de 2017

Responsabilidade e cidadania ativa



O tema geral desta intervenção é a avaliação do que "deve" ser a intervenção do Estado e até onde "deve" ir a responsabilidade social das empresas e das pessoas, individualmente. Antes disso, convém situar o problema. Depois das alterações feitas no Regulamento da Ação Social em 2015, tem direito a bolsa de estudos todo o estudante cujo rendimento familiar per capita seja inferior a 7700€. A remuneração média era, em 2015, de 12795€. Mesmo nas condições desfavoráveis de uma família monoparental, o rendimento per capita é de 6397€, dando-lhe direito a receber bolsa.

Com as alterações regulamentares de 2015, a percentagem de estudantes a receber bolsa ultrapassou os 20%. Mas, se um salário médio, mesmo numa família monoparental, já dá direito a bolsa, como é possível que apenas 20% dos estudantes recebam apoio social? Como poderemos compatibilizar estes dois factos? A grande explicação está na seleção social do público estudantil que chega ao ensino superior e as barreiras mais fortes para os estudantes oriundos de famílias socialmente mais frágeis estarão seguramente no ensino básico e secundário. Esta realidade não é um exclusivo português e poderá explicar-se por duas ordens de razões. Se por um lado, a preocupação dos governos modernos é não perder os recursos humanos potenciais que estes estudantes oferecem, por outro o poder reivindicativo dos estudantes do ensino superior é elevado na maioria dos países e tem maior facilidade em fazer as suas reivindicações atendidas.
Mas o tema desta sessão é a Responsabilidade e Cidadania Ativa. A grande questão é saber se o dever de apoiar os estudantes economicamente mais frágeis cabe exclusivamente ao Estado ou se é uma responsabilidade repartida com a sociedade. A resposta não é simples porque os modernos estados sociais transformaram o apoio social num direito do cidadão e, para alguns, isso exonera a responsabilidade individual das pessoas e das empresas. Mesmo assim, abundam entre nós as IPSS, Instituições Privadas de Solidariedade Social, que colaboram com o estado; talvez possamos dizer que são toleradas pela facção mais dada à defesa da garantia pública do direito ao apoio porque simplesmente uma IPSS consegue ser muito mais eficiente na prestação do serviço e a posição de controlo e fiscalização é muito mais cómoda para o serviço estatal. O mesmo serviço é prestado a um custo mais baixo e sem que o funcionário público tenha de sujar as mãos com o trabalho diário e de comprometer-se com opções difíceis que quase sempre se põem no terreno.
Em Portugal, na área do ensino superior, o apoio social é exercido quase exclusivamente pelo estado. Um sistema de bolsas de estudo gerido centralmente pela Direção Geral do Ensino Superior cria uma rede de apoio homogénea em todo o país e em todas as instituições públicas e privadas, universitárias e politécnicas. Os serviços de ação social de cada instituição criam um ambiente protegido de residência, alimentação, serviços médicos e, algumas vezes, outros serviços mas com uma enorme heterogeneidade. A despesa pública por estudante varia muito de instituição para instituição. Quase todas as universidades e politécnicos públicos vão um pouco mais longe e gerem um sistema de pequenos apoios pontuais que procuram resolver situações emergentes em que o sistema nacional parece insuficiente. Em comparação internacional,  o nosso sistema de apoios nacionais funciona bem, embora se possa discutir se é suficiente. Ao nível local a insuficiência é manifesta. Em muitos países, as instituições de ensino superior são induzidas a criarem mecanismos de apoio e de acolhimento de estudantes em dificuldade. No fundo, criam um mecanismo de redistribuição das receitas públicas e privadas que gerem. Apoios privados específicos para o apoio aos estudantes são um compromisso social de entidades privadas que entre nós são quase totalmente desconhecidos.
Não é conhecido o impacto da carência económica no abandono (e no insucesso) estudantil. Com os apoios muito limitados da maioria das bolsas, todos os membros da comunidade académica conhecerão situações de manifesta dificuldade, mas não há estudos sistemáticos. É conhecido que os estudantes bolseiros tem um desempenho acima da média e acima dos que marginalmente não receberam bolsa mas isto poderá resultar da responsabilidade acrescida sentida pelos bolseiros. O programa RETOMAR de incentivo ao regresso ao estudo de estudantes que tivessem abandonado pode não dar uma boa medida da realidade. O número de beneficiários, algumas poucas centenas, bastante abaixo do orçamento previsto, sugere que não haverá muitos casos de abandono mas o pre-requisito de registo como desempregado poderá ter sido demasiado restritivo.


Intervenção no painel "Responsabilidade e Cidadania Ativa" no evento organizado pela Universidade de Aveiro em 23 de junho de 2017 sobre "Contextos e Desafios da Ação Social no Ensino Superior".


segunda-feira, 19 de junho de 2017

Educação científica e desenvolvimento económico


Resumo
Portugal atrasou-se imenso na criação de um ensino secundário profissionalizante e ainda hoje há deficiências notórias. A participação é baixa e a qualidade talvez se ressinta de não haver padrões nacionais de avaliação e de comparação. Só em 2014 foi criado o ciclo curto de ensino superior, TeSP, Técnico Superior Profissional, que está a crescer a muito bom ritmo, mas ainda sofre do grande atraso histórico.

O programa de austeridade decorrente do pedido de ajuda financeira à Troika levou o desemprego a subir até ao máximo de 16,2% em 2013 para voltar aos 11,1% em 2016. Simultaneamente, o desemprego jovem (menores de 25 anos) subiu até 38,1% e não foi abaixo dos 28% em 2016. Os graduados pelo o ensino superior também foram atingidos, ainda que em menor grau.
Estes resultados merecem alguma reflexão. Em primeiro lugar, o choque de haver algum desemprego de graduados. Depois, o facto de o diploma do secundário (ou do pós-secundário, CET, Curso de Especialização Tecnológica) já não oferecer a desejada garantia. Independentemente da leitura que queiramos fazer e da dificuldade resultante da falta de dados mais desagregados por tipo de educação-formação, um facto é iniludível: Temos um desajuste entre a oferta e a procura de competências.
Portugal atrasou-se imenso na criação de um ensino secundário profissionalizante e ainda hoje há deficiências notórias. A participação é baixa e a qualidade talvez se ressinta de não haver padrões nacionais de avaliação e comparação. A criação do ensino pós-secundário (CET) foi muito lenta e criou alguma ambiguidade quanto ao objetivo final de entrada no mercado de trabalho ou de passagem a licenciatura. Finalmente, só em 2014 foi criado o ciclo curto de ensino superior, TeSP, Técnico Superior Profissional, que está a crescer a muito bom ritmo, mas se ressente de um grande atraso histórico. (Note-se que em Espanha, 35% dos primeiros diplomas de ensino superior são de ciclo curto, contra 40% de licenciatura e 25% de mestrado, segundo o Education at a Glance, 2016.)
Todos os peritos apontam a necessidade de o sistema educativo se aproximar da realidade da vida profissional a todos os níveis. Com o ensino obrigatório até aos 18 anos, isto significa uma nova atenção ao perfil de formação profissionalizante da metade dos jovens que não aspira a entrar imediatamente no ensino superior. Este é um enorme desafio para o nosso sistema de ensino básico e secundário que há pouco mais de 10 anos se focava quase exclusivamente num ensino de cariz académico dirigido para o acesso ao ensino superior.
Mas, o desafio no ensino superior não é menor. Os diplomados deixaram já de estar destinados à administração pública e a alguns corpos profissionais autónomos (médicos, engenheiros, etc). Com a massificação do acesso que já se aproxima dos 50% da coorte, as instituições de ensino superior têm de assumir que o futuro dos jovens que recebem nos seus auditórios e laboratórios será, maioritariamente, no setor privado exercendo todo o tipo de atividade. Raramente, farão uso direto do perfil de formação que seguiram na universidade ou no instituto politécnico. Esta realidade é inelutável e exige da parte das instituições um repensar dos planos de estudos e da experiência educativa proporcionada aos jovens.
Os setores da nossa economia em crescimento mais rápido são o turismo e os serviços informáticos, mas todos reconhecemos que não podemos deixar de insistir em estratégias de crescimento de produção e exportação de bens (ou, numa linguagem mais moderna, de um misto de serviço-produto). A identificação destas áreas mais dinâmicas implica uma resposta atempada do sistema educativo onde a educação científica tem um papel muito importante. Uma sociedade democrática próspera exige que toda a população esteja preparada para ter um papel ativo na economia e na sociedade; deve ainda ter a capacidade de compreender as grandes opções e a forma de assumir as decisões que melhor acautelem o seu futuro. Só uma educação com uma forte componente científica permite atingir estes objetivos. A Casa das Ciências propõe-se reforçar esta cultura que leve a uma melhor compreensão do ambiente que nos rodeia e a uma capacidade de tomar decisões mais informadas.
Referência Gomes, JANF (2017) Editorial, Rev. Ciência Elem., V5(02):015
DOI doi.org/10.24927/rce2017.015 



A Revista de Ciência Elementar ISSN 2183-1270 (versão online) está disponível com acesso aberto.
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