Sim, todos parece concordarem que Portugal precisa de um sistema binário de ensino superior. E no entanto, a natureza binária é sucessivamente enfraquecida, apesar das juras de fidelidade à velha ideia de Veiga Simão. Só uma caraterização simples e bem compreendida por todos pode salvar a desejável diversidade da oferta de ensino superior, habilitando a Agência de Acreditação a regular o sistema.
O tema do sistema binário de ensino superior voltou à discussão pública na sequência da revisão do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) e do alargamento das competências legais das instituições politécnicas para outorgarem doutoramentos e poderem assumir a designação de universidade politécnica. A reivindicação da outorga de doutoramentos é relativamente antiga como também o abandono da designação de “instituto politécnico”. Parece ser quase universal o consenso quanto à manutenção do sistema binário de ensino universitário e ensino politécnico, embora todas as reivindicações vão no sentido de esbater as diferenças entre as carreiras docentes e os cursos oferecidos. Será ainda possível caraterizar os vários tipos de ensino superior que justificam a existência de um sistema binário?
Não são consensuais as tentativas de caraterizar o setor politécnico por percursos educativos mais profissionalizantes ou vocacionais e por se interessarem por uma investigação mais aplicada ou dirigida para problemas concretos e imediatos. Muitos cursos desde sempre universitários são construídos em torno de profissões como a Medicina ou a Arquitetura. O crescimento do ensino superior e da investigação académica ali realizada levou os financiadores estatais ou privados a exigir resultados com maior retorno económico, esvaziando a ideia de que a universidade não se preocuparia com a utilidade da sua reflexão. Deveremos então abandonar a pretensão de oferecer percursos eductivos de natureza diferente?
Um jovem que termine o secundário pode hoje continuar o seu percurso escolar por uma de três vias, um curso TeSP (Técnico Superior Profissional), uma licenciatura politécnica ou uma licenciatura universitária. Deverá ser uma escolha livre, ficando ao gosto ou à “vocação” do jovem? Não é esta a realidade em nenhum país desenvolvido e também não é em Portugal, vingando uma motivação mais pragmática. Embora o gosto ou a vocação possam ser fatores relevantes, mais importante é a diferença de objetivos de quem chega ao ensino superior. Para alguns o percurso mais académico que lhes foi oferecido no secundário representou já um esforço a que dificilmente responderam e desejam entrar na vida ativa e ganhar autonomia económica o mais rapidamente possível. Para esses, o curso TeSP permite ocupar um posto de trabalho ao fim de três semestres, começando por um estágio realizado no 4º semestre do curso. E os três semestres de curso têm uma natureza mais técnica e de preparação próxima da profissão que escolheram. Serão em geral menos dependentes dos conteúdos mais abstratos de algumas disciplinas do secundário.
A opção por uma licenciatura politécnica sinaliza a intenção de entrada no mundo do trabalho ao fim de seis semestres (oito no caso da Enfermagem). E exige de forma mais explícita os conhecimentos adquiridos ao longo do secundário e deve valorizar a formação que visa o exercício de uma atividade profissional. Finalmente, uma licenciatura universitária ou um mestrado integrado são desenhados de modo a que o estudante aceite um tempo de formação mais longo de dez a doze semestres. Poderá sempre optar por abandonar o percurso educativo (ou suspendê-lo) no fim da licenciatura, mas a formação estará muito menos focada no exercício imediato de uma profissão.
O mestrado politécnico, se entendido como continuação de uma licenciatura profissionalizante terá a natureza de aprofundamento ou especialização dentro da área profissional respetiva. O mestrado universitário (ou a segunda parte do mestrado integrado) facilitará a inserção profissional e um aprofundamento científico que abra o caminho para um doutoramento na mesma área. Os mestrados, universitários ou politécnicos, podem ainda assumir a função de requalificação ou reorientação profissional para pessoas com um percurso profissional. Serão então peças de educação contínua desenhadas para adultos, normalmente mais curtos ou em regime pós-laboral e com pedagogias diferentes das usadas com jovens adultos em dedicação exclusiva ao estudo. Estes mestrados podem ainda ser decompostos em microcredenciais para que os interessados possam optar pelas mais relevantes ou acumular sucessivamente e ao seu ritmo de vida.
Maia, 4 de janeiro de 2025